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Blog da Lúcia Helena

O corpo em modo avião: o que pode acontecer no organismo em um simples voo

Lúcia Helena

08/01/2019 04h00

Crédito: iStock

Entre julho de 2017 e junho de 2018, mais de 100 milhões de pessoas viajaram de avião em companhias áreas brasileiras, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac. É gente de montão pelos ares — um pouco mais 91%, voando de um canto para outro deste Brasil e o restante se mandando do país a passeio ou sabe-se lá.  Eu estou entre estas pessoas e até que me comportei direitinho no ano passado. Já fui beeem pior.

Não sei qual o milagre, perdi o medo (salve, salve, minha Nossa Senhora dos Cintos Afivelados, fico te devendo esta!). Antes, quem me via  na fila de embarque toda compenetrada e de salto alto (um erro, porque os pés incham mesmo a bordo e, se não é aeromoça, melhor um calçado confortável para viajar), jamais desconfiaria do pânico que eu tinha das decolagens. No meu caso, o coração acelerava só naquele momento de o avião subir e sentia que só voltava a respirar pra valer quando as luzinhas se acendiam. Aí, até aproveitava aquele tapete de algodão que podia ver pela janelinha.

Mas o fato é que, para o corpo, a decolagem é só o começo de uma longa viagem de adaptação à baixa pressão da aeronave, que nem sempre ocorre sem turbulências. O ar é seco e a oxigenação do organismo pode não ser lá essas coisas. Calma, ninguém fica asfixiado ao pé da letra. Mas o fato é que a pressão da cabine costuma ficar cerca de 30% menor do que ao nível do mar. Ainda bem. Se fosse maior do que isso, a diferença em relação ao lado de fora, com o ar rarefeito da altitude, faria o avião explodir como uma bexiga que você encheu de ar até não poder mais. Só que esse é o mínimo que o organismo consegue suportar numa boa (ou nem tanto).

Chegar perto do limite tem lá suas desvantagens. Uma das menores, mas que perturba muita gente: os ouvidos ficam tampados. Lá dentro, o tímpano, a membrana que vibra com os sons do mundo, também precisa que a pressão do ar fique igualzinha, comparando os seus dois lados. E o ajuste é feito por um canalzinho mixuruca que liga o nariz ao ouvido. Hoje atende por tuba auditiva, mas já foi conhecido por trompa de Eustáquio.

Tuba, trompa, o que for, se não agir depressa no ajuste, o tímpano fica tenso, todo esticado, não tremelica direito nem sequer ao ouvir a voz do sujeito sentado ao seu lado. A sensação é de que enfiaram uma rolha pelas suas orelhas. Mas, de um jeito ou de outro, passa. E passa mais ligeiro se você bocejar ou mascar um chiclete, porque o movimento de esticar toda a bochecha para atrás ativa, por tabela, o músculo que abre a tuba.

Crianças, em especial bebês, são mais sensíveis. E a tensão nos ouvidos pode ser tão grande que chega a doer. Muito. Aí, a cabine inteira poderá ouvir um choro ensurdecedor. No caso de bebês, a prevenção é dar de mamar na decolagem e na aterrissagem, momentos mais críticos pela enorme variação da pressão entre terra e céu, céu e terra.

Outro problema afeta principalmente a vaidade, mas não só ela. O ar é seco e a água da epiderme se evapora num zás-trás. Conforme a duração da viagem, a pele desembarca ressecada. Mas às vezes nem é preciso enfrentar um voo de longa duração para que a lágrima que protege os olhos vire vapor. Quem tem tendência a olho seco precisa carregar um colírio na bagagem de mão, indicado, claro, por um oftalmologista. Cuidado redobrado, se você usa lentes de contato.

Aliás, não tem nada a ver com a pressurização a bordo e, sim, com o bom senso: não precisa carregar uma farmácia inteira com você, mas não custa ter na bolsa pequenas cartelas, talvez até cortada em doses, de medicamentos para tipos comuns de mal-estar como dor de cabeça, enjoo, dor de barrigaAlém de levar consigo, claro, toda e qualquer medicação que você já tome no dia a dia.

Analgésico sempre ajuda. Porque, se você subiu as escadinhas da aeronave com qualquer resfriadinho besta, uma ligeira sinusite ou sofre de rinite, provavelmente os seios da face já estão um pouco obstruídos. E — de novo — por causa da pressão, isso pode acabar em um bocado de dor. Aliás, o passageiro que está fazendo algum tratamento de canal no dentista também poderá penar durante o voo. A dor, em casos assim, não é destino na viagem, mas o risco é relativamente mais alto.

Voltando a temas mais saborosos, vamos falar da comida de bordo — quando ainda existe, certo? Ok, usar o adjetivo saboroso não deixa de ser forçar a barra, mas não culpe apenas a companhia aérea. A baixa umidade e a pressão também atrapalham o trabalho das papilas gustativas em sua língua e o que já não era lá uma gastronomia digna de aplausos fica com gosto de cabo de guarda-chuva mesmo.

Há quase dez anos, a alemã Lufthansa encomendou uma pesquisa que revelou o seguinte: na pressão da cabine em voo, a capacidade de os passageiros perceberem o gosto doce e o salgado diminui até 30 por cento. Já o gosto azedo e o amargo não se abalam nas alturas. Mas quem quer comer limão com jiló ao abaixar a mesinha à sua frente?!

Até mesmo antes de embarcar, evite frituras, salgadinho, feijões, bebidas gasosas, vinho, excesso de pães e de doces, pimenta e tudo o que fermenta na barriga. Ah, sinto informar: os gases naturalmente presentes no organismo literalmente se expandem em uma cabine pressurizada, chegando a dobrar de volume, consegue imaginar? A barriga fica inflada, distendida. O desconforto abdominal é garantido se você comer algo mais pesado — portanto, se carne geralmente é um alimento que você digere mais devagar, prefira massa, por exemplo. Quem nunca sofreu de gases nem ficou com o estômago estufado a bordo, que levante as mãos para os céus!

Tem ainda a tal da cinetose, sabe o que é? Aquele enjoo que muita gente sofre em carro, em ônibus… Sim, pode acontecer no avião. O sistema nervoso central pode não processar direito as informações cruzadas da visão e do labirinto. Então, o sujeito fica pálido, meio tonto, completamente enjoado e às vezes precisa pagar o mico de usar aquele famoso saquinho de vômito. Se a barriga estiver muito cheia, pior.

Tudo melhora com uma dose de vinho ou cerveja? Eu não arriscaria nada além de uma dose e, se você já for sensível, olhe lá… Primeiro, já viu, essas são duas bebidas que fermentam. Segundo, o álcool demora ligeiramente mais para ser metabolizado no fígado quando o organismo está em modo avião e fica circulando por mais tempo. Há quem diga que a diferença não é tanta. Mas o fato é que o cérebro já está ressentido pela baixa oxigenação, então… O mesmo vale para remédios para dormir – o ideal é evitá-los.

O risco mais grave — ai, que infame, porque não é passageiro — é o da trombose. Portanto, nada de ficar parado. Estique as pernas e procure andar um pouco de tempos em tempos para evitar a formação de trombos que podem alcançar órgãos vitais. Outra coisa fundamental que ajuda: tomar água, muita água. O ar já está seco e a desidratação, ao lado da inércia, também facilita o problema.

Claro, o perigo é maior para quem há sofreu disso, sabe de antemão que tem problemas se circulação — há tratamentos preventivos que podem ser prescritos pelo médico antes do embarque — gente recém-operada que quer voltar voando, em todos os sentidos, para casa, fumantes (fumar não faz bem em nenhuma altitude), mulheres que fazem reposição hormonal ou que estão grávidas, pessoas com varizes, obesos e idosos. E detalhe: os sinais podem aparecer até um mês depois do embarque. Portanto, repito, água, movimento e uma boa orientação do médico.

Espero que tenha aproveitado as informações. Foi um prazer vê-lo embarcando em mais um dos meus textos.

FONTES:

Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Sociedade Brasileira de Medicina Aeroespacial.

 

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.