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Blog da Lúcia Helena

Por que a frutose nas frutas faz bem, mas nos industrializados é um perigo

Lúcia Helena

31/01/2019 04h00

Crédito: iStock

Pois é, frutose… O nome vem do latim fructus, porque é lá mesmo, principalmente nas frutas, que se encontra esse açúcar que também está no mel das abelhas e em outros vegetais. Na ponta da língua, falando assim, soa inocente. No entanto, se a gente fica por dentro do que os trabalhos científicos acusam esse monossacarídeo de causar — monossacarídeo por ser uma molécula solitária de açúcar —, ah, passa até a fechar a cara para a banana, a uva, o melão. Injustamente, aviso. Ele de fato aumenta o colesterol e a gordura em torno do fígado, destrambelha o nosso apetite, cria uma resistência inabalável à insulina… Mas eu diria que o problema da frutose é onde ela está. Se está dentro de uma casca, beleza. Se está dentro de uma embalagem, opa, alerta.

O maior perigo, como sempre, está no excesso. E a indústria muitas vezes — muitas mesmo — carrega no ingrediente. No processamento de alimentos, o boom da frutose aconteceu nos anos 1960, quando se descobriu que era possível usar o milho para obtê-la fartamente. Aliás, fique esperto: se não aparece a palavra frutose na lista de ingredientes do rótulo, quando a produção usa um concentrado cristalino geralmente extraído de tubérculos,  esse açúcar ainda assim pode estar ali, sob a alcunha de xarope de milho. 

Aliás, vamos ser honestos: ele quase sempre está presente de um jeito ou de outro, porque a sacarose do açúcar de cana, aquele que usamos em nossa cozinha, também tem frutose. Isso mesmo. A sacarose é um dissacarídeo, ou seja, são duas moléculas agarradinhas, uma de glicose e outra de… ora pois, frutose. Pois é, haja frutose!

Segundo a Organização Mundial de Saúde, seu consumo aumentou mais do que 250% nos últimos vinte anos. Com certeza, esse aumento não veio da fruteira. O brasileiro, por exemplo, mal consome um terço dos cerca de 400 gramas de vegetais que deveria comer todo santo dia. Sem contar que a mais doce das frutas tem uma quantidade muito inferior de açúcar, se comparada a uma porção de biscoito recheado, refrigerante, sucos e bolos prontos… Não é nas maçãs que mora a ameaça. Isto é,  ao menos não nas maçãs que vivem fora da caixinha.

Fui procurar, pra variar, quem entende da pauta: a nutricionista Renata Juliana da Silva, hoje professora do Centro Paula Souza, em São Paulo, e do Centro Universitário Senac, onde leciona nutrição e gastronomia. Por muito tempo, durante a sua especialização e seu doutorado na Universidade de São Paulo, ela pesquisou os efeitos da frutose, um açúcar que, como outros carboidratos, oferece ao organismo 4 calorias por grama. Mas que é incomparável em sua capacidade de adoçar. Seu poder de dulçor chega a ser, segundo a nutricionista, cerca de 60% maior do que o da glicose. Ou 20% maior do que o do açúcar comum, que é metade frutose.

Isso me fez lembrar uma conversa que tive, há tempos, com o saudoso endocrinologista Alfredo Halpern, criador da Dieta dos Pontos. Sempre antenado, ele achava que a indústria não usava frutose só por uma questão de custo — de fato, ela pode ser mais barata lá fora. Segundo Halpern, em um mundo onde as pessoas iam direto na quantidade de calorias ao bater os olhos nos rótulos, haveria no uso da frutose uma pegadinha: a indústria poderia criar alimentos mais doces sem aumentar tanto o valor calórico e espantar a freguesia por causa dele.

Outro aspecto enganador citado pela professora Renata Juliana — e este é da nossa fisiologia — é que a frutose, logo depois de ingerida, não aumenta a glicemia. "Isso fez com que, durante muito tempo, a gente acreditasse que ela poderia ser  consumida livremente por diabéticos, o que não é bem assim", me disse.

Como outros açúcares, ao ser absorvida e cair na circulação, a frutose faz uma escala crucial no fígado. O órgão pode converter uma parte dela em glicose, é verdade. Mas também pode usá-la de outra forma: para produzir colesterol e triglicérides, dupla que é uma bomba para o coração. O consumo excessivo, está mais do que provado, começa por engordar o próprio fígado, na chamada esteatose hepática. É só o início da confusão.

Com o fígado gordo, surgem indiretamente todas as condições, por meio de diversos mecanismos do metabolismo, para a resistência à insulina. Aliás, nesse sentido, esse açúcar não age apenas no fígado, mas há pesquisas apontando que, em excesso, torna alguns tecidos do corpo humano, como os músculos e os do sistema nervoso central, menos dispostos a deixar a insulina fazer o seu serviço, agravando o quadro de resistência que antecede o diabetes. "Ou seja, indiretamente, o excesso de frutose favorece essa doença", resume Renata Juliana ao blog.

Por falar em sistema nervoso, a frutose contribui, segundo a nutricionista, para atrapalhar o controle da fome no cérebro. E aí por causa da sua grande capacidade de adoçar. É que tudo o que presenteia o paladar com a sensação de doçura — em tese, até mesmo adoçantes artificiais — pode, conforme a frequência e a quantidade, aumentar o nosso apetite por itens calóricos. Como se doce chamasse mais doce. E, no caso, a boca saliva não apenas para itens açucarados, mas para aqueles bem gordurosos.

Quero por sinal lembrar que certos alimentos processados são um combo de muita gordura e muito açúcar, embora a gente vislumbre um esforço da indústria para tornar o seu portfólio mais saudável.

Quando tocava suas pesquisas no Instituto de Ciências Biomédicas da USP, a professora Renata demonstrou — no caso, em mamães ratinhas, alimentadas com rações cheias de frutose durante a gestação ou a fase de lactação — que esse consumo afeta a prole. Mesmo que os filhotes não consumam açúcar depois, eles permanecerão com uma tendência a produzir muito colesterol, engordar, ter apetite por itens calóricos… Extrapolando para seres humanos, é uma pista de que grávidas devem maneirar ainda mais no consumo de alimentos com muita frutose. Mas vale frisar que ninguém está falando de frutas.

 Veja, por exemplo: 100 gramas de uvas moscatel, tipinho dos mais doces vindo das videiras, têm 3,9 gramas de frutose, enquanto 100 mililitros de suco de uva industralizado, lembrando que isso dá apenas meio copo, já somam em média 7,3 gramas desse açúcar. Daí a dica: prefira o suco caseiro. Melhor ainda, sempre que possível, coma a fruta em vez de "bebê-la". Fácil entender: para fazer um copo de suco de laranja, você espreme lá dentro umas cinco unidades. E nunca comeria tanta laranja de uma vez na sobremesa, certo?

Não é só uma questão de quantidade. A fruta in natura tem fibras que retardam a absorção da frutose e de outros nutrientes. Isso dá um tempo para o fígado lidar com esse açúcar, sem convertê-lo em gorduras. As fibras explicam ainda por que uma maçã fuji com casca e seus 6,4 gramas de frutose não pode ser igualada a um cookie de chocolate industrializado, que em média contém até um pouco menos, com 6,3 gramas do açúcar.

Aliás, a maçã e outras frutas, de quebra, nos brindam com substâncias bioativas que trabalham na contramão dos malefícios do excesso de frutose, protegendo o coração, entre outros benefícios. Portanto, acho que o meu conselho é válido: frutose boa é frutose que vem na casca.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.