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Blog da Lúcia Helena

Zumbido no ouvido tem cura e a causa pode estar no estômago, no pescoço…

Lúcia Helena

12/02/2019 04h00

Crédito: iStock

No Brasil, 40 milhões de pessoas perderam o sossego. Umas parecem ter uma maria-fumaça dentro dos ouvidos e escutam a todo instante os seus apitos. Outras reclamam de um chiado desagradável, como o de um rádio mal sintonizado. Há quem descreva o tormento como se fosse um escape de ar pelas orelhas ou o barulho de uma panela de pressão. Existe até mesmo quem sinta um tatu cavando a terra bem dentro de sua cabeça  e quem já comparou o som zunindo ao de uma pastilha efervescente se dissolvendo na água. 

"O zumbido é mesmo esse camaleão", diz a otorrinolaringologista Tanit Ganz Sanchez, professora da Universidade de São Paulo e, sem dúvida, a maior especialista do país no assunto. Digo mais: ela foi um dos primeiros profissionais, se não foi a primeira pessoa propriamente dita, a erguer a voz em congressos mundo afora para dizer que esse inferno ruidoso poderia ter fim. E pode mesmo.

É que, perdão, mais teimosa do que o zumbido é a doutora Tanit. Vem dos tempos de residência, quando chegavam casos assim e ela ia procurar  seus professores, que então diziam que não tinha jeito. "Como eu poderia mandar alguém para casa naquele estado?", relembra. "Precisava dar um jeito nisso." Em meados dos anos 1990, foi estudar o problema fora do país e voltou para cá com as mangas arregaçadas para investigá-lo.

Logo entendeu por que existia o mito de que ele não teria saída. Nos congressos internacionais, por exemplo, o universo do zumbido é dominado por psicólogos e fonoaudiólogos. Opa, ninguém aqui está desprezando profissionais dessas áreas. Mas o foco dos psicólogos costuma ser recuperar a qualidade de vida apesar do zumbido. E o dos fonos é a terapia sonora, que pode ser apenas parte do tratamento, já que, para calar um zumbido, é preciso atacá-lo em várias frentes — e, diga-se, como não há pílula mágica, o comprometimento do paciente em mudar seu dia a dia é fundamental.

O zumbido pode surgir de mansinho, agravando-se aos poucos, ou surgir com tudo e do nada — a pessoa dorme em silêncio e acorda com o zunzunzum. A doutora Tanit gosta de compará-lo  à dor de cabeça, que pode ser do tipo tensional ou a da enxaqueca, pode estar ligada a uma doença no cérebro, como um tumor, ou a uma infecção, como a gripe. Assim também são os zumbidos. Eles diferem entre si e são sintomas de vários problemas. Aliás, o que os provoca não necessariamente está nos ouvidos.

É bem verdade que 90% dos casos têm mesmo a ver com eles e geralmente são consequência de condições que envolvem a perda de audição.Só que, em geral, o paciente nem nota que não está ouvindo direito. A perda da capacidade auditiva pode ser sutil e só é percebida no exame de audiometria.

Nos outros 10% dos casos, porém, os ouvidos funcionam às mil maravilhas. No entanto, a gente não pode se esquecer que eles têm uma vizinhança do barulho. O pescoço, por exemplo, quando vive dolorido por causa da tensão muscular ou de um problema nas vértebras, manda uma reclamação para o cérebro, mensagem que por sua vez pode cruzar com as informações enviadas pelo ouvido para o sistema nervoso. A linha cruzada resulta em zumbido.

Dentes desalinhados e dificuldades de mastigação também são capazes de fazer esse estardalhaço, quando atrapalham a articulação da boca. "'É como um infarto", compara a doutora Tanit ao blog. "O problema está no coração, mas a dor irradia para o braço. No caso da articulação problemática, a irradiação é para os ouvidos. Mas não são eles, assim como no infartado não é o braço, que têm algo de errado."

O cérebro é outro que costuma chiar. Faz isso quando tem doenças físicas, mas também provoca zumbidos quando sofre de problemas emocionais, como crises de ansiedade e depressão — e dá para você imaginar uma coisa piorando a outra, uma vez que o barulhinho danado  vai aumentando o estresse.

Se a zoeira tem origem no estômago, pesa o que você come — se anda ingerindo muito doce, muita gordura e muita cafeína, entre outros. Ou, na contramão, o estopim pode ser o hábito de ficar em jejum prolongado — se fizer atividade física de barriga vazia então…

A investigação clínica dos zumbidos começa separando os 90% dos pacientes que têm alguma questão auditiva com aqueles 10%, que precisam ser ainda mais escarafunchados. Mas veja: a pessoa que tem uma leve perda de audição também pode comer excesso de fritura, assim como quem come muito doce também pode ter tensão exagerada na nuca. Ou seja, às vezes os fatores se acumulam.

Por isso, haja paciência, de pacientes e profissionais,  para calar o bico de um zumbido. "Até que se prove o contrário, tudo pode ser culpado. Não vou proibir o cafezinho de quem só bebe uma xícara de vez em quando, porque provavelmente esse hábito não teria influência", exemplifica a doutora Tanit. "Mas, por segurança, proponho tirar a cafeína de quem ultrapassa quatro xícaras por dia. Depois, se por acaso notar que ela não tem a ver com a história, voltará com moderação à rotina."

Ao lado de uma mestranda, a médica acaba de publicar a primeira pesquisa sobre a cura do zumbido, com uma coletânea de 63 casos de gente de que livrou desse barulho por caminhos diversos — tão variados quanto as formas e as origens do sintoma.  O critério de cura foi ter ficado um período de pelo menos seis meses sem nada zumbindo nos ouvidos. Ou seja, quem tinha um zumbido insuportável, mas que melhorou— o som aparecendo só de vez em quando e bem baixinho — acabou descartado. Só valia gente com o "modo zumbido" totalmente desligado.

O estudo leva a reflexões bem interessantes. Uma delas: sete em cada 10 casos de cura são de mulheres e, aí, a especulação é de que elas caprichem mais no tratamento . Ora, a cura é mérito da dedicação.

Outro ponto importantíssimo: entre os curados, existem pacientes de 14 a 89 anos de idade. Isso rompe o preconceito de que ouvir zumbidos é coisa da idade. Lenga-lenga. Idosos podem, sim, desligar de vez o zumbido e jamais devem se conformar com ele. 

Mais um aspecto sensacional é que os participantes sofriam de zumbidos há quatro anos, em média. E, entre eles, havia casos de quem ficou atordoado por esses sons por nada menos do que quarenta anos — qua-ren-ta! Isso derruba o conceito de que, quanto antes tratar, melhor. Do ponto de vista da qualidade de vida, claro, buscar logo ajuda faz muito sentido. No entanto, o zumbido, por mais antigo que seja, sempre pode ser silenciado.

Claro, ele também pode voltar — até por estar relacionado a uma série de fatores, de um desvio na cervical a mudanças na dentição. Mas o tempo médio de ausência do sintoma, de acordo com esse trabalho inédito, foi de sete  anos, sendo que um participante já não ouvia zumbidos há 37 anos.

E olha, como chama a atenção a doutora Tanit, ninguém aqui está falando de zumbido "levinho". A maioria dos participantes, em uma escala de zero a dez, relatou um incômodo acima da nota 7. A questão é entender que é preciso investigar — e tratar ou afastar da rotina— um bocado de coisas. Mas, por um minuto de silêncio, já valeria a pena. Imagine, então, por uma vida inteira de paz e sossego aos seus ouvidos.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.