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Blog da Lúcia Helena

Novas terapias: ficar careca não é destino de quem enfrenta o câncer

Lúcia Helena

14/02/2019 04h00

Crédito: iStock

 

Se há uma coisa de que todos nós já devíamos estar carecas, mas de saber, é que o tratamento do câncer mudou de cara. E a aparência de quem enfrenta a doença, se quisermos ficar só nela, consequentemente já não é mesma. Mas para muita gente a preocupação ainda é ficar sem os cabelos.

Até o final deste ano, serão cerca de 600 mil brasileiros com essa espécie de síndrome de Sansão. Este é o número de novos casos de tumores malignos estimados pelo Instituto Nacional do Câncer, o Inca. Um medo que, para parte dessa gente, será à toa. Melhor conversar com um especialista antes de se imaginar tosando os fios, porque hoje nem todo mundo perde a cabeleira. E, para os que perdem, há saídas.

Fui conversar com a oncologista clínica Solange Moraes Sanches, do A. C. Camargo Cancer Center. Queria entender se boa parte dos que batalham contra o tumor já consegue evitar a alopecia, o  nome cientificamente correto para a queda dos fios.

Fácil falar que é o de menos já que a pimenta não está na nossa boca, insistindo que a pessoa deveria focar na cura, que exibir o couro cabeludo nu tem lá sua altivez — eu, por exemplo,  sempre enxergo uma guerreira ou um guerreiro diante de mim. Ou, ainda, dizer que há maneiras muito charmosas de usar o tal lenço, no caso da mulherada. Há mesmo, mas é preciso respeito com o sentimento de quem vive a situação: "Talvez poucas coisas mexam mais com o emocional dos pacientes", observa Solange Sanches. E nessa guerra o emocional é arma potente. Então, vamos lá falar de cabelos e câncer.

Primeiro: a quimioterapia já não é necessariamente sinônimo de queda livre dos 150 mil fios, aproximadamente, que nascem em nossa cabeça. Uma parcela cada vez maior de quimioterápicos não têm mais esse poder de Dalila, a  mulherzinha safada que, segundo o mito bíblico, cortou as madeixas Sansão enquanto ele dormia  — e assim mandou para o brejo a força do herói, entregando seus cachos aos inimigos filisteus. 

Mas, pensando bem, injustiça brava comparar os quimioterápicos que causam alopecia com a figura dessa traidora. Pois, no fundo, no fundo, cada fio caído representaria um pedaço do câncer virando vapor. Não forço a barra da imaginação: essas drogas destroem todas as células que se reproduzem em uma velocidade impressionante, como é o caso daquelas do folículo piloso, de onde brota o cabelo. Ora, as células de um tumor também se multiplicam em um zás-trás. Portanto, quando cai um fio,  imagine paralelamente um pedacinho do maldito câncer indo embora. Com incrível vantagem: os cabelos voltam a crescer logo após o fim do tratamento. A doença, espera-se, pode ter partido para nunca mais voltar.

No caso dos quimioterápicos que não deixam a pessoa careca, eles costumam ir mais diretamente ao alvo — às células doentes —,  em vez de sairem pelo corpo destruindo tudo o que cresce depressa. Já consigo antecipar a sua pergunta: quais cânceres recebem a quimioterapia que preserva as mechas? Impossível informar ou, melhor, generalizar. "Depende do esquema do tratamento, isto é, da mistura de drogas eleitas por serem as mais eficientes para um caso específico e, não, por tipo de câncer", foi o que ouvi da doutora Solange Sanches.

A médica ressalta ainda o crescimento de uma bela alternativa à quimioterapia convencional e que nunca leva à alopecia: a imunoterapia, estratégia terapêutica que faz o próprio organismo reconhecer o tumor para atacá-lo. Apesar de ter outros efeitos colaterais, que podem ser controlados assim que dão as caras, a imunoterapia é um sucesso em  alguns linfomas, câncer de pulmão e de rins, entre outros. E, com o tempo e muita pesquisa, deve se expandir para mais tumores.

No entanto, mesmo quando os fios estão fadados a cair na velha químio, existem maneiras de dar um jeito na aparência ou até mesmo tentar segurá-los. Uma delas é batida: a peruca. Aí, dá a dica a doutora Solange: "As pessoas deveriam experimentar os modelos  antes de ficarem sem os cabelos. Faz diferença para comparar para escolher aquela com resultado mais natural", diz ela. Porque, mesmo que ninguém note que os cabelos não "de fábrica", às vezes a peruca não resolve a questão de identidade. A criatura sabe que seus cabelos naturais nunca foram daquele jeito. Para uns e umas, isso pega.

Uma pedida é a prótese, que exige um bocado mais de investimento. Ela é feito uma peruca, mas criada para imitar à perfeição os cabelos de qualquer um, incluindo detalhes de cor, volume, ondulação e até mesmo proporção de fios brancos. Melhor: é fixada com fitas com adesivos especiais que não irritam o couro cabeludo e que permitem lavar a cabeça, entrar na piscina se o oncologista permitir, fazer escova, chapinha, rabo de cavalo e — por último o melhor — ganhar um cafuné na hora de dormir. Os adesivos devem ser trocados a cada vinte dias.

Mas a sensação, agora, é falar da touca inglesa que, feito uma touca térmica ligada à tomada, coloca a cabeça em uma fria, mantendo a temperatura do couro cabeludo entre 18 e 22 graus Celsius por um período que começa meia hora antes da  químio  e se prolonga até uma hora depois da sessão.

O sistema foi inventado por um dono de cervejaria em terras britânicas, comovido com a situação de sua esposa que lutava contra um câncer. E ele usou uma tecnologia que dominava — aquela para refrigerar a cerveja durante a sua produção. O princípio da touca é , com esse frio todo,  provocar uma  tremenda vasoconstrição. Com isso, as drogas  injetadas no sangue não conseguem alcançar a região, encontrando os vasos praticamente fechados à sua passagem.

A doutora Solange Sanches apenas adverte que a touca não é tão simples. Primeiro, porque até metade dos fios pode cair mesmo assim. Outro tanto despenca se a pessoa lavar os cabelos de um jeito mais brusco ou escovar com força. Quem tinha muito cabelo talvez note apenas uma perda do volume. No entanto, o resultado em quem já tinha cabelos mais ralos…

Outro ponto negativo é que alguns pacientes não toleram ficar tanto tempo nesse gelo — sentem-se incomodados durante a químio por causa da baixa temperatura, sofrem de dores de cabeça e, pior, há quem desenvolva sinusite. Pode acontecer com alguns…

Assim como pode acontecer — e, aliás, isso é bem comum — de os cabelos, passado o período da careca, reaparecerem diferentes. Ninguém sabe o motivo, mas eles costumam renascer mais crespos e cacheados logo no início. Em alguns casos, chegam a mudar de cor, surgindo mais claros ou mais escuros do que antes. E a doutora Solange me conta que, por isso, diante do espelho algumas pessoas ficam um tanto chateadas. É que, de novo, tem aquela história da sensação de perda, como se o câncer, ao se afastar, tenha arrastado junto a sua identidade. Só acho que não vale se descabelar por isso, desculpem eu palpitar: a tendência, com o tempo, é que o tom e a textura dos fios retomem o seu aspecto do passado. Até lá, para quem queria tanto os seus cabelos de volta, uma ideia feliz é curtir o bem precioso da vida com seus novíssimos caracóis.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.