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Blog da Lúcia Helena

Para o intestino, a manga desbanca o papaia. E que novidade existe nisso?

Lúcia Helena

05/03/2019 04h00

Crédito: iStock

Pois é, sugeriram que eu me lambuzasse no clima de folia e escrevesse sobre algo levinho. Então, está combinado. Diria que minha escolha de pauta é leve em muitos sentidos. Afinal, trata-se de um erro histórico, pior do que a lorota de não misturá-la com o leite, dizer que a manga acaba com a dieta, com as tímidas 50, quando muito 70 calorias em cada 100 gramas da fruta. 

Encontrei três bons motivos para escolhê-la como tema do nosso Carnaval — e três é um número até um bocado modesto para falar de uma espécie, nativa da Índia,  que hoje apresenta uma fartura de mais de 1,5 mil variedades pelo mundo. 

Tem uma questão de gosto, não nego. Jogo confete para o meu antigo jardim, onde há muitos carnavais plantei uma mangueira que, até eu ir embora, me presenteou com verões de sombra e doçura, uma doçura sem prazo de validade. O segundo motivo é mais pé no chão, uma questão de safra: estamos em plena época de mangas suculentas. E não quero que desperdice o prazer de bancar o cão com fiapo nos dentes.

O terceiro, para você, talvez seja o mais bacana, embora nem me surpreenda. É o seguinte: cientistas americanos da Universidade Texas A&M publicaram recentemente um estudo no qual ofereceram 300 gramas de manga por dia a um grupo que penava com o intestino preso. Essa quantidade equivale a uma unidade de tamanho médio, assim de olho. Passados três meses, praticamente todos os participantes tinham aumentando a frequência de idas ao banheiro para fazer você sabe o quê. Sete em cada dez deles ficaram com a velocidade do trânsito intestinal normalizada graças ao hábito de chupar manga.

O verbo chupar, aqui, foi licença poética. Lá fora, o povo sempre come manga de garfo e faca, uma etiqueta à mesa que importamos, que mania insossa… Aliás, descobri com a equipe da Embrapa Semiárido (uma das unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, que concentra um time entendedor de mangas) por que é cada vez mais difícil encontrar as variedades cheias de fiapos, prontos para serem chupados com gosto e com aquela sensação das travessuras. O que está por trás do sumiço: a fruta é um produto que o Brasil vende à beça para os gringos e eles apreciam bem mais aquelas mangas de carne macia, como a grandalhona palmer, de casca vermelha. De todas, diga-se, a palmer é a campeã em vitamina C.

Já a tommy, originária da Flórida, nos Estados Unidos, ganha em outro quesito e hoje é uma das mais cultivadas por aqui para agradar em cheio as exportações. Uma fatia média dela têm 2,1 gramas de fibras, enquanto outras mangas, na mesma porção, têm sempre em torno de 1,6 grama.

Perto de muitas variedades que desfilam em nossas feiras, a haden parece ter mais polpa só porque seu caroço é proporcionalmente menor. Mas carnuda pra valer é a manga rosa dos pernambucanos, já que a sua polpa representa 67% do quanto pesa. Já eu amo a pequenina manga coquinho, mais redonda do que suas primas e dominada pelos fiapos que dividem opiniões. Em matéria de fiapos, também não posso me esquecer da espada, mais comprida e de casca verde,  outro tipo comum nos nossos mercados.

Mas não se fixe na variedade, se está pensando em m…, hmm,  melhorar a digestão. A mais macia das mangas ainda reúne fibra de montão. Montão mesmo. Praticamente o dobro do que encontramos em uma porção do mesmo peso de mamão papaia, aquele que tem presença garantida no desjejum dos constipados nos dois hemisférios do globo.

Aliás, no sentido de botar o intestino para sacolejar, a manga chega a empatar com a ameixa, outra queridinha dos enfezados.  Por isso, cá entre nós, a revelação dos texanos sobre os efeitos na constipação equivale sair contando que chuva molha. Se bem que — pensei duas vezes —  reforçar essa qualidade pode ser bacana, lembrando que 26% da população daqui e de acolá têm algum grau de prisão de ventre.

Os cientistas do Texas não ficaram só nisso, sendo justa. Eles constataram um menor grau de inflamações pela parede do intestino de quem passou a consumir o fruto da mangueira regularmente. Tanto que, agora, querem iniciar uma nova etapa da investigação enfocando a incorporação dessa fruta  na dieta de portadores de Crohn, doença marcada por inflamações gravíssimas no trato intestinal. Porém, qualquer conclusão que a gente tirar a partir desta linha será precipitada. Doenças inflamatórias intestinais são tão complexas, ligadas inclusive com uma maior incidência de infartos no coração, que seria um tanto fantasioso dizer que uma fruta sozinha seja capaz de fazer verão. 

Aliás, o mesmo time da Universidade Texas A&M parece ter ideia fixa com as mangas e já realizou uma série de outros trabalhos com essa musa da etação, até relacionando o consumo no dia a dia à prevenção de infartos e tumores. O  teor de antioxidantes é realmente de cair o queixo. Difícil apenas apontar com precisão qualquer quantidade deles porque — novamente, debruçando-me sobre pilhas de trabalhos da Embrapa Semiárido — há tremendas diferenças de teores entre as espécies. Ainda assim, um pouco a mais de vitamina C em uma, um pouco a mais de polifenois em outra, toda manga tem efeito contra inflamações.

Também é garantida a oferta de carotenoides — os pigmentos que colorem as mangas do amarelo ouro ao laranja solar. Eles , além antioxidantes potentes, são precursores da vitamina A no seu corpo. E, para completar,  todas as variedades são uma fonte de potássio de primeira. Não à toa, outro trabalho americano fresquinho — este da Universidade da Califórnia —  mostra que a inclusão de manga na dieta ajuda no controle da pressão arterial. 

Faz sentido. Você provavelmente não encontrará na sua fruteira nada que ofereça uma quantidade maior de potássio, mineral crucial nessa história de pressão. Uma palmer, a campeã das mangas em matéria desse mineral, tem 785 miligramas dele, de acordo com pesquisadores da  Unicamp ( Universidade Estadual de Campinas), contra 564 miligramas de uma banana nanica. Sim, a manga é a fruta número 1 no ranking do potássio. Mas eu entendo o Gustavo Kuerten, tenista que celebrizou o fruto da bananeira nas quadras para abastecer seus músculos de potássio entre os sets: ele não ia querer manchar o uniforme.

Manga, papaia e banana, eu me divirto com essas falsas competições — embora publique comparações com informações absolutamente checadas e verdadeiras. O bom da vida (e das dietas)  é prestigiar um pouco de tudo. Mas saboreio a ideia de que você tenha maior consciência em cada mordida (ou chupada) e, assim, ao saber que a manga é tudo o que de fato é,  ela se torne até mais gostosa, como se isso fosse possível. E salve o verde, o rosa, as mangueiras e a Mangueira.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.