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Blog da Lúcia Helena

"O carro do ovo chegou!" O que você não sabe na hora de comprar o alimento

Lúcia Helena

26/03/2019 04h00

Crédito: iStock

Ai, que preguiça me bateu quando, na semana passada, o periódico científico JAMA deu espaço para um estudo associando o ovo aos problemas cardiovasculares — afe, de novo? Tudo bem que sou fã de uma gema, ainda mais se for molinha, contrariando as recomendações de segurança. Penso assim: se é para viver perigosamente, que seja vendo uma gema mole molhar o arroz ao toque sutil do meu garfo. Mas não discutiria o estudo por questão de gosto. Acredite, independentemente da minha gulodice por doces portugueses, suflês com sotaque francês e pelo nosso mexidinho, o trabalho em questão é mesmo bem questionável, por mais que impressione ao alardear que levantou informações de 30 mil pessoas durante 17 anos. 

De cara, o método de coleta de dados foi espinafrado pela comunidade científica do mundo todo e, ainda que estivesse correta, vamos usar a cabeça: o tal estudo com pretensão de devolver os ovos ao tronco fala que consumi-los aumentaria de 6 a 8% a probabilidade de um piripaque no coração. Só que, veja bem, o risco cardiovascular aumenta de 200 a 400 % se você acende um cigarro e de 50 a 80% se você é mulher e faz uso de certos anticoncepcionais orais. Para salvar o peito, temos muito mais com o que nos preocupar. A não ser que você queira encontrar polêmica em migalhas. Então, que sejam migalhas molhadinhas na gema…

Gema que — aviso, façam o que eu digo, não façam o que eu faço — deveria estar bem cozida para o calor do fogo espantar o risco de intoxicação. A mais temida é a por salmonela, bactéria encontrada em um a cada 20 mil ovos. O perigo diminui se a gente faz tudo certo. E nesse ponto — até nesse ponto — sobram enganos e desenganos.

Por exemplo, um colega — vou entregar o moço! —, aqui mesmo do VivaBem, vive ressabiado com o carro do ovo. Primeiro achei que a cisma era o estardalhaço de sua chegada na rua, acordando a família cedinho, sendo que ele acabou de virar pai. Depois entendi um real interesse. Ora, ovos baratinhos, desembarcando diante da sua casa diretamente da granja, quando a tentação é muita… Seriam de fato seguros? Fui ciscar a resposta e acabei conseguindo outras tantas informações.

Lanço, portanto, mais uma campanha contra bodes expiatórios à mesa, criados por quem quer culpar um alimento sozinho por todo um estilo de vida torto. Assim sendo, vamos lá: pelo direito a comer ovo sem medo sempre, cozido ou estalado, frito ou pochê, mexido ou em omelete!

Por essa nobre causa, compartilho o que aprendi com o Ricardo Santin, que está à frente do conselho do Instituto Ovos Brasil. A entidade reúne produtores de todo o país para melhorar a qualidade e incentivar o consumo do alimento. Santin também é diretor-executivo da Associação Brasileira de Proteína Animal. E eu o peguei no pulo, digo, no aeroporto, voando para Ribeirão Preto, onde justo hoje acontece, por coincidência, o Congresso Paulista de Ovos. Pois bem, começo pelo começo: um viva ao carro do ovo!

Onde comprar? Ntz, ntz, pergunta errada

A questão primordial seria: o que exigir na hora da compra? Resposta: um selo de inspeção federal, estadual ou municipal. "No caso do ovo, qualquer um dos três vale e garante que o produto veio de granjas em que há boas práticas, como cuidados de higiene e um mínimo de bem-estar animal", explica Santin.

E o calor?

Você, como eu, também já leu que o ideal é comprar esse alimento em locais onde ele fique refrigerado. Agora atire um ovo bem na minha cara quem o encontra dentro da geladeira no mais premium dos supermercados! Eu, pelo menos, nunca vi. Ora, nem há tanto mal nisso. Fora da geladeira, qualquer ovo dura menos, este é o fato. E a gente pode até imaginar, na paranoia,  o calorão dentro do famoso carro do ovo. Mas ninguém garante que chegue aos supermercados em condições, digamos, mais refrescantes. Nem é vendido geladinho.

Dura mais, dura menos

A data de validade, que algumas boas marcas já imprimem na casca para donas e donos de casa não perderem a noção do tempo, é calculada para o ovo que ficou — atenção —  em temperatura ambiente, partindo do princípio que não enfrentou um verão escaldante, com temperaturas acima dos 30 graus Celsius. Em geral, são 21 dias do momento em que saiu da galinha até o instante feliz do consumo. Se enfrenta muito calor — no transporte, no ponto de venda ou na sua casa, não importa — , esse prazo vai diminuindo. Difícil calcular quanto é capaz de despencar. Talvez você tenha a má surpresa de um ovo estragado antes do combinado por causa de uma temperatura alta. Mas o calor não estraga o ovo assim, pá-pum, no mesmo instante. Ele só dura menos, o que já é chato, admito.

Na geladeira de casa

Este é o lugar certo para guardar os ovos. Já sabe: nunca na porta. Ali, de tanto abrir e fechar, nada se mantém tão frio. Por falar em frio, ele estica o prazo de validade. "Assim, um ovo que suportaria 21 dias em condições ideais de produção, transporte e estocagem, aguentará firme até uns 30, indo além da validade na caixa", ensina Santin. E, por exemplo,  um ovo que, graças ao clima quente, não alcançaria prazo  prometido, na geladeira acaba chegando lá. Mas o perigo pode morar no momento solene de você guardar os ovos na tal geladeira…

Opa, você pode ser um perigo para os ovos!

Todo mundo lava as mãos na hora de cozinhar — quer dizer, espero que sim. E na hora de guardar os ovos? Saiba que a casca é porosa. Por ela, passam gases — ora, como acha que, se houvesse um pintinho ali dentro, ele respiraria? — e também pode passar todo tipo de sujeira. Incluindo germes, que irão se deliciar (e se multiplicar) com os nutrientes da gema. Aliás, por isso mesmo nunca leve ovos sujos. Péssimo negócio. Mas, sim, a contaminação também acontece dentro de casa — pelas suas mãos sujinhas, recém-chegadas das compras.

Lavar? Só na hora de usar

Tem gente que, atenta à questão da sujeira, joga o ovo com sabão e tudo embaixo da torneira antes de guardá-lo. Só que esse banho arranca uma película externa, a cutícula, que serve como barreira para a entrada de microorganismos. O ovo, apesar de perecível, é um alimento que já vem embalado pela natureza— e que embalagem! Dentro dele, há mais duas películas que às vezes, ao quebrá-lo, você ainda consegue enxergar. São as membranas testáceas, que controlam a evaporação do seu conteúdo, já que a casca é cheia de microscópicos furos. E, para evitar contaminação, a clara ainda está lotada de lisozima, substância que arrasa bactérias invasoras.

Portanto…

É tanta proteção que chega a ser azar, fazendo tudo certinho, encontrar um ovo podre na cesta. Compre direito, deleite-se, ostentando aos maledicentes. Apesar de exigir moderação, é sabido que apenas um terço do colesterol da gema acaba absorvido. Fechar a boca para essa porção é abrir mão de doses consideráveis de proteína da melhor qualidade e de substâncias, como a colina, que literalmente fazem bem à cabeça. Se acreditarmos em tudo o que sai por aí na onda do terrorismo nutricional, estaremos — nós, sim — fritos.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.