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Blog da Lúcia Helena

Acne na mulher adulta não é questão hormonal. E antibiótico não resolve

Lúcia Helena

28/03/2019 04h00

Crédito: iStock

Se você acha que sabe o que é acne, apague tudo e vamos começar do zero. Especialmente quando a gente fala em acne na mulher adulta, aquela que pode aparecer — ou persistir, se vem desde os tempos de adolescência  — após os 25 anos de idade. Absolutamente tudo mudou na compreensão do problema. "Não é exagero afirmar que estamos diante de uma novíssima doença crônica", me disse o dermatologista Marco Rocha, médico voluntário do setor de Cosmiatria do Departamento de Dermatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), autor de uma pesquisa que, de certa maneira, vira de cabeça para baixo antigos conceitos sobre cravos e espinhas. E olha que poucos entendem de acne no Brasil como ele. 

Formado há 19 anos, a acne foi tema de doutorado do médico, que a investiga em profundidade há mais de década. Se naquele tempo a doença era considerada infecciosa, hoje se sabe que a bactéria  P. acnes está tanto ali, na face espinhuda, quanto no rosto com pele de pêssego.

A bomba é a seguinte: as espinhas não são resultado de uma infecção, mas de uma reação forte, intensa mesmo, do sistema imunológico. Ele que cria a encrenca, inflamando as glândulas sebáceas. Ou seja, estamos diante de uma doença inflamatória. Portanto, aquele antibiótico tópico ou oral, muitas vezes prescrito por até um ano, agora é carta fora do baralho na terapêutica. Não tem por que desejar o fim da P. acnes. "Ela está em todo mundo. Se você toma  antibiótico, a bactéria volta — é natural — e o problema continua. Já desconfiava: não era esse o caminho", diz professor Marco Rocha ao blog.

A reviravolta é sentida na pele de adultas, que cansaram de ouvir que suas espinhas pipocavam por causa dos hormônios. A AMA, ou acne da mulher adulta, está distante da questão endócrina. Só 30% das pacientes com esse problema estampado no rosto têm algum distúrbio hormonal. "Na maioria delas, se eu fizer um exame de sangue para checar os hormônios, não vou encontrar nada", afirma o professor.

Para esclarecer: uma doença tem fundo endócrino quando a produção de certas glândulas está aumentada ou, ao contrário, diminuída, afetando órgãos à distância. Decididamente não é o caso da AMA. Esqueça, por exemplo, falsas acusações responsabilizando os ovários policísticos por pontos pretos e brancos na pele. Quem tem muitos cravos e espinhas até pode apresentar a síndrome ovariana e ela piora a AMA, mas só piora. Tampouco adianta apontar as supra-renais. Certeza: as integrantes do sistema endócrino não têm culpa nesse cartório. Saber disso revoluciona a maneira como a Medicina encara a acne tardia.

Um problema, diga-se, que não é pequeno. São cerca de 16 milhões de brasileiras adultas com acne. Elas têm, em média, 34 anos de idade. Oito em cada dez apresentaram o problema quando eram adolescentes e nunca se livraram dele. As outras — 20% do total — foram surpreendidas com uma adolescência fora de hora bem na sua cara. 

Em anos maduros, o impacto da acne na qualidade de vida é até maior do que na juventude quando — consolo besta — a colega ao lado também pode ter um rosto cheio de espinhas, assim como o namorado. Ou seja, na adolescência, a acne faz parte do jeitão da tribo.  Mais tarde, porém, além do aspecto estético, há uma sensação de deslocamento, de uma pele fazendo birra para não crescer, em descompasso com as pessoas na mesma faixa etária.

Enquanto na adolescência a acne se concentra na famosa zona T — testa, mais a linha do nariz e do queixo —, na mulher adulta ela desenha uma espécie de 'U", acometendo mais a mandíbula e o pescoço. Também costuma ser  mais moderada. Só que irrita um bocado, ao pé da letra, até porque a pele adulta com acne tende a ser sensível. 

A sensibilidade deixa o tecido ainda mais propenso a inflamar. Logo vem a  incompreensão: "ora, por que comigo?!" Dá para entender o lamento,   depois de peregrinar por consultórios —  de dermatos, endócrinos e ginecologistas — , ainda mais se não encontrou um ovário policístico que entraria de gaiato na história.

Na pesquisa realizada na Unifesp, o professor Marco Rocha examinou a pele de 60 mulheres. A diferença que encontrou nas portadores de AMA foi em receptores que atendem pelo nome de TOLL-like-2. Eles não apenas são mais numerosos, como se encontram mais ativados nessas pacientes. 

É justamente nesses receptores que as bactérias P. acnes se agarram, deixando-os hiperativados  'É uma característica herdada geneticamente", avisa o professor. "'E faz com que a comunicação entre a pele e as bactérias se torne mais intensa." Resultado: o sistema imunológico responde a essa ligação forte demais e, graças a essa reação,  a glândula inflama.

Como isso é herdado, vale observar nas meninas se há parentes de primeiro grau exibindo espinhas —inclusive homens, embora a acne tardia seja mais rara neles. Isso acende a lâmpada amarela: há risco de a AMA aparecer mais tarde.

Cuidadoso, o doutor Marco Rocha examinou pequenas áreas de pele sadia nas voluntárias da pesquisa, entre uma espinha e outra. Ali, também achou receptores, digamos, desejosos para encontrar depressa uma bactéria. Se isso ocorre, bom explicar, também dispara os cravos, que não têm a ver simplesmente com uma pele suja, como antes a gente pensava. Já na pele de outras mulheres, que não tinham AMA, a diferença não foi na população de bactérias, mas na ausência dos receptores ativados. "É um achado que deve mudar muita coisa. Estamos no meio do furacão", conta o médico.

De cara, já dá para deduzir que esse tratamento será longo, para não dizer pelo resto da vida,. Controlar a AMA implica em tomar remédios para domar a inflamação, claro. E nem adianta olhar para o medicamento da vizinha. A estratégia terapeutica costuma ser pessoal e instransferível. Até porque envolve  — como sempre! — todo um estilo de vida. Desde evitar noites mal dormidas, capazes de aguçar inflamações pelo corpo, até abandonar suplementos esportivos que pioram os quadros.

Nos cuidados do dia a dia, será preciso usar produtos específicos, geralmente para peles sensíveis e não para as acneicas, como na adolescência. Estes podem ser muito fortes para peles com AMA,  que dizem "ui" por qualquer bobagem. 

É tudo tão fresco que a Sociedade Brasileira de Dermatologia acaba de juntar um grupo de médicos com grande experiência em acne — o professor Marco Rocha entre eles — para criar um guia capaz de orientar seus colegas sobre como agir. 

As emoções também nunca podem ser deixadas de lado. O professor nos lembra que, no embrião, a pele é formada pelo tecido que dá origem ao cérebro. A mesma substância P que, no sistema nervoso, age como um neurotransmissor na ansiedade está envolvida nas inflamações cutâneas, assim como nas dores — de uma espinha ou na alma. Interessante, não? Daí a razão, talvez, de  a incidência da acne aumentar nas mulheres que fazem duplas ou triplas jornadas. São mães, namoradas, profissionais dedicadas e com espinhas no rosto. É, meninas, não está mesmo fácil, nos diz o espelho.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.