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Blog da Lúcia Helena

O hábito de lanchar açaí puro ajuda os hipertensos a baixar a pressão

Lúcia Helena

04/04/2019 04h04

Crédito: iStock

Esqueça o leite condensado ou em pó, a banana e a granola cheia de mel. Deixe de lado tudo ou quase tudo o que as pessoas resolveram misturar à polpa dos frutos da Euterpe oleracea, a palmeira tropical mais conhecida como açaizeiro da Amazônia, quando ela pegou a estrada em direção ao sul, conquistando, primeiro, a turma frequentadora de academias em várias bandas do país.

Hoje, de tão difundida pelo território nacional, viajando congelada para todos os cantos. é até fácil encontrar em cada esquina uma tigela cheia do creme roxo e espesso. Só que, em geral, deslocada de suas origens,  ela já vem bombada com outros ingredientes. Se for pelo coração, recuse. Peça um açaí sem nada a mais. 

No que depende da ciência, precisamos respeitar um pouco mais a tradição dos nortistas: açaí bom é açaí, de preferência, puro. O que me faz lembrar até o meu sogro Titinho, do Pará, quando urrava à mesa revoltado se lhe ofereciam, na melhor das intenções, um açaí misturado com um xarope de guaraná para lá de doce. Aliás, no caso dos hipertensos,  certo ele: guaraná nem pensar!

Se der, experimente tomar o açaí sem açúcar. Se não der, se for realmente difícil de engolir, com pouco açúcar então. Aí, a novidade é que o hábito ajuda a baixar a pressão, o que acaba de ser publicado no International Journal of Cardiovascular Sciences  da Sociedade Brasileira de Cardiologia pelo nutricionista mineiro Heitor Oliveira Santos, pesquisador da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Santos investiga o impacto da dieta na saúde cardiovascular. Para o artigo, ele se debruçou sobre nove trabalhos sobre a ação da fruta no peito. E, apesar da merecida fama entre os seus consumidores de melhorar o perfil lipídico, isto é, os níveis de gorduras no sangue — o que é verdade também — , o efeito mais importante do açaí para o coração parece acontecer nas paredes dos vasos sanguíneos, que simplesmente ficam mais relaxadas após o consumo.

"Isso ocorre por causa das antocianinas", explica o nutricionista. E antocianinas, ah, isso  o açaí tem de montão: estou falando dos pigmentos que lhe dão aquela cor inconfundível, um roxo bem escuro justamente pela concentração dessas substâncias. Além de potentes antioxidantes, as antocianinas inibem as moléculas da enzima conversora da angiotensina. 

Sei, o nome é complicado, mas já diz tudo: uma enzima que ativa outra, a qual, por sua vez, tensiona os vasos. Tensos, eles se tornam estreitos e o sangue só consegue passar fazendo força extra — daí, pressionando além da conta, como se tivesse de abrir caminho, entende? "Já é conhecido o potencial das antocianinas para barrar essa reação em cadeia que colabora para a hipertensão. A flor do hibisco, por exemplo, vem sendo estudada pelas mesmas antocianinas", conta o pesquisador.

Mas a Medicina no tubo de ensaio é uma e toda essa teoria ficava bonita neles. Será que o mesmo ocorreria em nós? Em ratos, a história já poderia ser outra — e tudo bem que um time da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ano passado, demonstrou nesses bichinhos que o açaí protegeria os rins de danos que costumam ser provocados pela pressão alta. Ah, sim, provavelmente por dilatar os vasos, tirando essa dupla de órgãos de maiores sufocos. No vamos-ver do organismo humano, porém, os resultados poderiam ser diferentes ou nulos. Ainda bem que, nesse caso, não são.

Em seu artigo, Heitor Santos conta que a ingestão de 150 gramas de polpa de açaí por gente como a gente é capaz de provocar um aumento de 1,4% na dilatação das artérias. Um nadica, talvez você pense.  Mas já ajuda um bocado. A dilatação acontece nas horas subsequentes ao consumo dos tais 150 gramas.

Os cientistas usaram o ultrassom com doppler, exame de imagem que mostra ao vivo e em cores  o fluxo de sangue. Na experiência, conduzida com 23 voluntários, eles ficaram de olho na artéria braquial, o principal vaso sanguíneo dos nossos braços. E este logo ficou mais relax depois de uma tigela de açaí.

"Como o efeito é agudo, fácil deduzir que, em matéria de pressão, o consumo ocasional não trará resultado. Nem adianta comer açaí uma vez por semana", diz o nutricionista. "Melhor seria se virasse lanche entre as principais refeições com certa frequência ou todos os dias", opina.  

No entanto, aposto que só de ouvir a dica há quem se arrepie imaginando a questão calórica. Medo à toa: a polpa do açaí purinha, pesando os tais 150 gramas, tem menos de 100 calorias, de acordo com a tabela TACO criada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Boa parte delas, é fato, vem de gorduras. "Mas estamos falando de tipos monoinsaturados, benéficos ao peito,  semelhantes aos que encontramos no abacate e no azeite de oliva", diz Heitor Santos.  E isso sem contar fibras, vitaminas e minerais que agem contra os radicais livres. "Por causa dessa composição nutricional, os trabalhos a respeito da frutra apontam alguma redução nos níveis de colesterol e de triglicerídeos no sangue", diz ele. Bem, esse mix fecha com chave de ouro, melhor, com doses consideráveis de beta-sitosterol (só mais um palavrão!).

O beta-sitosterol tem cara de colesterol, mas não é. E engana direitinho receptores do intestino onde o colesterol legítimo se encaixaria para ser reabsorvido. Encontrando os receptores das paredes intestinais ocupados pelas moléculas do açaí, o colesterol derramado com a bile no processo da digestão e presente nos alimentos só tem uma saída — e você deve imaginar qual…

Não há, porém, benefício que resista quando o açaí é servido com outras frutas — aí, você pode aumentar excessivamente a porção de carboidratos, inclusive.  Açucará-lo demais então, nem se fala. O risco é engordar, favorecer o diabetes… Enfim, obesidade e diabetes andam de mãos dadas com pressão alta e tudo se perde. Aliás, o guaraná — embora tenha efeitos interessantes para a saúde em outras situações — costuma provocar a aceleração dos batimentos cardíacos, que nunca é bem-vinda para os hipertensos.

O jeito é não inventar moda. E, se for para inventar, pegue literalmente leve. Menos mel, nada de granola pronta — "se for o caso, melhor acrescentar você mesmo algumas amêndoas, castanhas e nozes picadas para deixar crocante, se isso agrada o paladar", dá a dica o pesquisador. A farinha de mandioca dos nortistas, se não for em exagero,  não será pecado. Se quiser misturar mais alguma coisa, arrisque um pó de cacau puro para aumentar os teores de bioativos bons para o coração — outra sugestão de Heitor Santos. Ou experimente sentir o gostinho de Amazônia que tem um bom açaí com… açaí!

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.