Água de beber, ingrediente fundamental para afastar o diabetes tipo 2

Crédito: iStock
Ela é insípida, inodora e incolor. No entanto, se transforma em um dos temas de maior visibilidade e com sabor de desafio entre os cientistas que estudam a alimentação e as doenças do metabolismo. Todos querem encontrar maneiras de fazer a humanidade matar a sede com água. Purinha. Água de beber. Simples assim? Que nada…
Em um estudo conduzido pela Danone Research, os pesquisadores avaliaram o consumo do líquidos por pessoas de todas as idades em 13 países, incluindo o Brasil. Qualquer líquido, no caso. Nós, brasileiros, deixamos de tomar cerca de um copo cheio diariamente, pensando na indicação média de 2 litros para o período de 24 horas. Mas a diferença ou o quanto ficamos devendo de hidratação ao nosso corpo pode ser até maior na prática, dependendo do indivíduo e dos ponteiros da balança. Isso porque a indicação precisa seria de 35 mililitros de reposição por quilo de peso. Então, feitas as contas, um adulto de 70 quilos deveria beber 2,4 litros todo santo dia.
O pior é que, no exemplo brasileiro, só 42% desse volume é de água pura. E, olha, até que estamos bem. Assisti à apresentação da fisiologista francesa Jeanne Bottin, a principal autora do estudo da Danone Research, durante o Congresso Europeu de Obesidade, o ECO. Segundo ela, 81% dos brasileiros — adultos e crianças — tomam mais do que um copo de água por dia.
Imagine que, na França, só um quarto da população adulta bebe mais do que um único copo e apenas 48% das crianças dão esses goles. "No caso delas, isso graças a um esforço das escolas, depois de campanhas de educação disponibilizando garrafinhas dentro da sala de aula", contou a pesquisadora. Na Europa inteira os números são parecidos. No Oriente, a coisa piora bastante: oito em cada dez japoneses tomam menos de um copo de água por dia e essa falta de hábito também é observada em seus vizinhos chineses.
Para uma corrente de cientistas que ganha cada vez mais força, só a água — portanto, friso, nenhum outro líquido —é capaz de afastar a ameaça do diabetes tipo 2. O resto? "O resto, apesar de conter água na formulação, vem com açúcar e até mesmo com outras substâncias que, embora não sejam doces nem calóricas, acabam obrigando o organismo a usar parte dos seus fluidos para processá-las. Quer um exemplo? A cafeína, que além de tudo é diurética.", me ensina o professor Evan Johnson, da Universidade do Wyoming, nos Estados Unidos. Então, em matéria de manter os fluidos do corpo humano, seria como dar um passo à frente e um passo atrás.
O que você retém da água de um cafezinho não é o volume exato daquela xícara de café que sorveu. Quer ver? Só 90% da água do chá, do café e do coco ficam em seu corpo. O restante entrou por aqui e saiu por ali. Refrigerante tipo "cola"? Apenas 85% do volume contam como hidratação — e, mesmo assim, em teoria e olhe lá. Na realidade, se o refri ou qualquer bebida tiver açúcar e ele ficar em excesso no sangue, o organismo vai produzir mais urina na tentativa de varrer a glicose dando sopa. Então, na lógica da fisiologia, muita bebida desidrata tanto quanto hidrata, conforme o caso e o cidadão que a bebe.
Em sua aula no ECO, o professor Johnson apresentou um estudo com diabéticos tipo 2. Metade do grupo tomou água na quantidade justa para o seu peso. A outra metade bebeu menos água do que seria a recomendação, embora pudesse tomar outros líquidos sem açúcar. Esses outros líquidos, porém, não compensaram completamente a falta de água, justamente por causa do fenômeno entrou-por-aqui-e-saiu-por-ali.
Em média, os pacientes ficaram com 1,6% menos fluidos no organismo e, passados apenas três dias nessa condição, já apresentaram alterações na glicose sanguínea — seguindo a mesmíssima dieta da turma que matou a sede com água, bem entendido. "Não tenho dúvida de que beber água deve fazer parte da prescrição para o diabético controlar a sua doença", diz ele.
Já há um consenso de que o hábito ajudaria a prevenir ou ao menos a adiar o aparecimento do diabetes tipo 2. O primeiro estudo robusto já tem oito anos e veio da Universidade de Paris-Diderot, acompanhando 3.615 indivíduos com glicemia normal por duas décadas.
Nesse período, 565 deles começaram a apresentar taxas de açúcar mais elevadas no sangue, enquadrando-se no chamado pré-diabetes. Outras 202 pessoas se tornaram diabéticas pra valer. Em comum, ninguém bebia muita água. A conclusão dos cientistas franceses foi de que tomar 1 litro de água pura por dia — veja, apenas 1 litro — já diminui o risco do diabetes tipo 2 em 28%, o que não é pouca coisa.
"Por que não tratar a água como um macronutriente? Este é um excelente ponto de discussão", opina a endocrinologista Fabiana Paoli, da Clínica Paoli, na capital paulista, com quem cruzei algumas vezes pelos corredores do evento europeu, onde parecíamos duas formiguinhas alucinadas entre uma sala e outra.
No final, perguntei à doutora o que ela tinha achado mais interessante no congresso sobre obesidade e não deu outra: "O espaço que o consumo de água teve na programação". De fato, sem contar apresentações sobre o tema espalhadas ao longo de cinco dias, houve uma manhã inteira só para discutir esse assunto.
Alguns apostam que a falta de uns goles de água foi a gota que faltava para disparar uma série de doenças muito comuns hoje em dia. O elo com o diabetes seria apenas o mais conhecido até o momento — se bem que Jeanne Bottin mostrou dados até mesmo de desenvolvimento cognitivo em crianças para provar seu ponto de vista de que esse líquido faz total diferença para o bom funcionamento de qualquer célula do corpo humano.
"No caso do diabetes, sabemos que, para se proteger da desidratação, o organismo eleva os seus níveis de vasopressina", me explica a doutora Fabiana Paoli, traduzindo ao blog o emaranhado moléculas dos trabalhos relacionando o consumo de água à prevenção da doença. Faz sentido: a vasopressina também atende por hormônio anti-diurético, ou seja, evita que a gente escoe o líquido que já está ameaçando faltar no corpo na forma de xixi.
O fato é que a elevação da tal vasopressina provoca uma reação lá no fígado. E o órgão, então, libera mais glicose, que tinha armazenada para casos de necessidade. Essa glicose ligeiramente aumentada, por sua vez, é uma provocação para o pâncreas — dia após dia, sendo obrigando a produzir mais insulina do que o normal. E a partir daí, pela falta de um copo de água, tudo começa a sair do lugar. Com o tempo, surge uma resistência à ação desse hormônio. Mas não só isso.
"A própria insulina mais alta atrapalha uma enzima importante para o seu corpo quebrar gordura. Então, sem água seria mais difícil emagrecer", diz a doutora Fabiana Paoli. Como se não bastasse, outra enzima fica ativada na presença da vasopressina e faz o serviço inverso: deposita gordura, principalmente na região abdominal. Tirou daí alguma deducão? Sim, em tese — apenas em tese — deixar de beber água poderia aumentar a barriga. Sem querer fazer tempestade no copo, mas é bem isso. Sinto sede só de imaginar.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.