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Blog da Lúcia Helena

Água de beber, ingrediente fundamental para afastar o diabetes tipo 2

Lúcia Helena

07/05/2019 04h00

Crédito: iStock

Ela é insípida, inodora e incolor. No entanto, se transforma em um dos temas de maior visibilidade e com sabor de desafio entre os cientistas que estudam a alimentação e as doenças do metabolismo. Todos querem encontrar maneiras de fazer a humanidade matar a sede com água. Purinha. Água de beber. Simples assim? Que nada…

Em um estudo conduzido pela Danone Research, os pesquisadores avaliaram o consumo do líquidos por pessoas de todas as idades em 13 países, incluindo o Brasil. Qualquer líquido, no caso. Nós, brasileiros, deixamos de tomar cerca de um copo cheio diariamente, pensando na indicação média de 2 litros para o período de 24 horas. Mas a diferença ou o quanto ficamos devendo de hidratação ao nosso corpo pode ser até maior na prática, dependendo do indivíduo e dos ponteiros da balança. Isso porque a indicação precisa seria de 35 mililitros de reposição por quilo de peso. Então,  feitas as contas, um adulto de 70 quilos deveria beber 2,4 litros todo santo dia.

O pior é que, no exemplo brasileiro, só 42% desse volume é de água pura. E, olha, até que estamos bem. Assisti à apresentação da fisiologista francesa Jeanne Bottin, a principal autora do estudo da Danone Research, durante o Congresso Europeu de Obesidade, o ECO. Segundo ela, 81% dos brasileiros — adultos e crianças — tomam mais do que um copo de água por dia.

Imagine que, na França, só um quarto da população adulta bebe mais do que um único copo e apenas 48% das crianças dão esses goles. "No caso delas, isso graças a um esforço das escolas, depois de campanhas de educação disponibilizando garrafinhas dentro da sala de aula", contou a pesquisadora. Na Europa inteira os números são parecidos. No Oriente, a coisa  piora bastante: oito em cada dez japoneses tomam menos de um copo de água por dia e essa falta de hábito também é observada em seus vizinhos chineses.

Para uma corrente de cientistas que ganha cada vez mais força, só a  água — portanto, friso, nenhum outro líquido —é capaz de afastar a ameaça do diabetes tipo 2. O resto? "O resto, apesar de conter água na formulação, vem com açúcar e até mesmo com outras substâncias que, embora não sejam doces nem calóricas, acabam obrigando o organismo a usar parte dos seus fluidos para processá-las. Quer um exemplo? A cafeína, que além de tudo é diurética.", me ensina o professor Evan Johnson, da Universidade do Wyoming, nos Estados Unidos. Então, em matéria de manter os fluidos do corpo humano, seria como dar um passo à frente e um passo atrás.

O que você retém da água de um cafezinho não é o volume exato daquela xícara de café que sorveu. Quer ver? Só 90% da água do chá, do café e do coco ficam em seu corpo. O restante entrou por aqui e saiu por ali. Refrigerante tipo "cola"? Apenas 85% do volume contam como hidratação — e, mesmo assim, em teoria e olhe lá. Na realidade, se o refri ou qualquer bebida tiver açúcar e ele ficar em excesso no sangue, o organismo vai produzir mais urina na tentativa de varrer a glicose dando sopa. Então, na lógica da fisiologia, muita bebida desidrata tanto quanto hidrata, conforme o caso e o cidadão que a bebe.

Em sua aula no ECO, o professor Johnson apresentou um estudo com diabéticos tipo 2. Metade do grupo tomou água na quantidade justa para o seu peso. A outra metade bebeu menos água do que seria a recomendação, embora pudesse tomar outros líquidos sem açúcar. Esses outros líquidos, porém, não compensaram completamente a falta de água, justamente por causa do fenômeno entrou-por-aqui-e-saiu-por-ali.

Em média, os pacientes ficaram com 1,6% menos fluidos no organismo e, passados apenas três dias nessa condição,  já apresentaram alterações na glicose sanguínea — seguindo a mesmíssima dieta da turma que matou a sede com água, bem entendido. "Não tenho dúvida de que beber água deve fazer parte da prescrição para o diabético controlar a sua doença", diz ele.

Já há um consenso de que o hábito ajudaria a prevenir ou ao menos a adiar o aparecimento do diabetes tipo 2. O primeiro estudo robusto  já tem oito anos e veio da Universidade de Paris-Diderot, acompanhando 3.615 indivíduos com glicemia normal por duas décadas.

Nesse período, 565 deles começaram a apresentar taxas de açúcar mais elevadas no sangue, enquadrando-se no chamado pré-diabetes. Outras 202 pessoas se tornaram diabéticas pra valer. Em comum,  ninguém bebia muita água. A conclusão dos cientistas franceses foi de que tomar 1 litro de água pura por dia  — veja, apenas 1 litro — já diminui o risco do diabetes tipo 2 em 28%, o que não é pouca coisa.  

"Por que não tratar a água como um macronutriente? Este é um excelente ponto de discussão", opina a endocrinologista Fabiana Paoli, da Clínica Paoli, na capital paulista, com quem cruzei algumas vezes pelos corredores do evento europeu, onde parecíamos duas formiguinhas alucinadas entre uma sala e outra.

No final, perguntei à doutora o que ela tinha achado mais interessante no congresso sobre obesidade e não deu outra: "O espaço que o consumo de água teve na programação". De fato, sem contar apresentações sobre o tema espalhadas ao longo de cinco dias, houve uma manhã inteira só para discutir esse assunto.

Alguns apostam que a falta de uns goles de água  foi a gota que faltava para disparar uma série de doenças muito comuns hoje em dia. O elo com o diabetes seria apenas o mais conhecido até o momento — se bem que Jeanne Bottin mostrou dados até mesmo de desenvolvimento cognitivo em crianças para provar seu ponto de vista de que esse líquido faz total diferença para o bom funcionamento de qualquer célula do corpo humano.

"No caso do diabetes, sabemos que, para se proteger da desidratação, o organismo eleva os seus níveis de vasopressina", me explica a doutora Fabiana Paoli, traduzindo ao blog o  emaranhado moléculas dos trabalhos relacionando o consumo de água à prevenção da doença. Faz sentido: a vasopressina também atende por hormônio anti-diurético, ou seja, evita que a gente escoe o líquido que já está  ameaçando faltar no corpo na forma de xixi.

O fato é que a elevação da tal vasopressina provoca uma reação lá no fígado. E o órgão, então, libera mais glicose, que tinha armazenada para casos de necessidade. Essa glicose ligeiramente aumentada, por sua vez, é uma provocação para o pâncreas —  dia após dia, sendo  obrigando a produzir mais insulina do que o normal. E a partir daí, pela falta de um copo de água, tudo começa a sair do lugar. Com o tempo, surge uma resistência à ação desse hormônio. Mas não só isso.

"A própria insulina mais alta atrapalha uma enzima importante para o seu corpo quebrar gordura. Então, sem água seria mais difícil emagrecer", diz a doutora Fabiana Paoli. Como se não bastasse, outra enzima fica ativada na presença da vasopressina e faz o serviço inverso: deposita gordura, principalmente na região abdominal. Tirou daí alguma deducão? Sim, em tese — apenas em tese —  deixar de beber água poderia aumentar a  barriga. Sem querer fazer tempestade no copo, mas é bem isso.  Sinto sede só de imaginar.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.