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Blog da Lúcia Helena

O Brasil perde fôlego: maioria dos asmáticos nem desconfia que tem a doença

Lúcia Helena

09/05/2019 04h00

Crédito: iStock

Os números são de tirar o ar. Um em cada dez brasileiros tem asma. E, em média no país, morrem seis pessoas todo dia por causa dela —  um absurdo, por ser doença sem cura, mas que poderia ser perfeitamente controlada. Isto é, se não fosse tão, mas tão negligenciada. Quem sabe que tem asma, especialmente se os sintomas forem leves, às vezes não leva essa condição tão a sério, ignorando sua gravidade. Muitos só tomam remédio nas crises, o que é um erro danado. Mas o que falta mesmo é diagnóstico. 

Apesar de ser, de longe, o problema pulmonar não infeccioso que mais leva gente para o hospital, apenas de 10 a 12% dos asmáticos respiram bem, obrigado, porque estão com tudo sob controle. O resto… Bem, o restante sai tossindo seco de vez em quando ou chiando por aí — é a poluição ou é a friagem, pensa essa gente asmática. Às vezes acorda com um aperto no peito, sente falta de ar por bobagem, fica com a respiração curta — é a ansiedade tão moderna, cogita. 

A asma passa batido, primeiro, porque suas manifestações confundem, já que são as mais variadas. Elas podem começar na infância, tomar chá-de-sumiço na juventude, até reaparecerem lá adiante.  Ou podem surgir cedo e nunca mais irem embora. Ou, ainda, podem surpreender pela primeira vez gente crescida. Um ponto: asma não tem idade.

Nem todos vão sentir com força o clássico bronco-espasmo, quando os brônquios, corredores de ar nos pulmões — naquela imagem clássica que fazemos desses órgãos, eles seriam os galhos — se contraem sem dó nem piedade e a sensação é de total sufoco, de tentar puxar o ar em vão. 

Essas crises têm, na Medicina, um nome bonito: exacerbação. Mas a beleza fica no nome. A cada vez que se repetem, vão deixando os brônquios mais depenados, sujeitos inclusive a outros problemas, como infecções graves feito a pneumonia. E, pior, crise após crise, os brônquios são remodelados — outro termo que os médicos usam.  Suas células ficam pouco a pouco alteradas, surgem fibroses terríveis… Ah, isso tudo, acontecendo na calada dos pulmões sem que o sujeito se dê conta, não tem volta. Até a hora em  que tocar o barco do dia a dia será difícil. 

Mas, como dizia, a asma avança invisível. Em alguns indivíduos, o único sinal do aperto nos brônquios é o chiado. Ele soa porque, ao passar pelo caminho estreito, o ar provoca aquele som característico de apito. Não importa: o pânico de sentir faltar o ar e o mais audível dos chiados, acredite, ainda são o de menos.

"As crises e os ruídos são apenas a pontinha do iceberg", avisa pneumologista Roberto Stirbulov, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. "O ruim pra valer é o blocão de gelo lá embaixo, que ninguém está enxergando: a tal da inflamação." Ela, diga-se, é constante. 

Então, não adianta se tratar só durante um piripaque e, depois, respirar aliviado. "O tratamento do asmático é como o do hipertenso ou o do diabético. Esses pacientes não vão tomar medicação só quando tiverem pico de pressão ou hiperglicemia, não é mesmo? ", compara o professor Stirbulov ao blog.  Para que as crises não voltem e, mais importante, para que a inflamação não vá silenciosamente arrasando os brônquios, a medicação para a asma deve ser dia sim e dia… sim, novamente.

Stirbulov conta que a raiz do problema está sempre nos genes. Na verdade, são vários genes por trás, herdados do pai ou da mãe ou, sem escapatória, dos dois. Portanto, pista número 1 para o diagnóstico: todo asmático tem parente asmático. A asma é um mal de família.

Sei que não ajudo tanto com a informação, se por acaso pai e mãe fizerem parte do time dos que ignoram sua condição. Então, vamos à outra: você ou alguém de sua casa é portador de rinite? "A rinite e a asma têm por trás os mesmíssimos genes", foi o que ouvi do professor Stirbulov. Para brincar com números outra vez e reforçar o tamanho da encrenca de que estou falando, quase um terço dos brasileiros tem rinite e, por sua vez, 30% dos que penam com a rinite têm ou terão, um belo dia, a asma. 

O componente genético cria o ambiente no organismo para a doença aparecer. Aí basta um empurrãozinho externo, como uma partícula de mofo, uma poeirinha miserável no ar e  — pronto! — é deflagrada uma reação imune contra os brônquios. Se nada for feito, eles viverão assim, inflamados, sendo castigados do nada.

Além da investigação do histórico familiar e da existência de uma rinite, essa irmã gêmea da asma, o diagnóstico é feito por meio de uma série de exames. Entre eles, testes de alergia e, ainda, a espirometria, que avalia a função pulmonar. Confirmada a doença, a base do tratamento, voltado para atenuar a inflamação, costuma ser o corticosteroide inalatório. Muita calma nessa hora: atenção, ele não tem os efeitos colaterais de aumentar o peso e elevar o risco de diabetes como os corticosteroides que a gente engole. A forma oral só é indicada para 3% ou 5% dos casos, que são asmas severas.

Estas, sinto informar, matam mais do que o próprio câncer de pulmão. E, para 1,5% dos asmáticos brasileiros — uma multidão de 300 mil pessoas —, só caríssimos remédios biológico de última geração podem lhes salvar a vida. 

 "Na maioria dos casos, porém, que são aqueles de asmas leves e moderadas, se os sintomas forem um pouco mais intensos, recomendamos apenas  bronco-dilatadores ao lado dos cortiscoteroides inalatórios", diz Stirbulov. Outra recomendação é praticar esporte: a atividade física bem orientada ajuda quem tem asma, diminuindo a inflamação perene em seus pulmões. 

Já o dispositivo inalatório, que o povo chama de "bombinha', repleto de dilatadores mais fortes, fica reservado só para os momentos de crise aguda. Mas, se tudo for feito certinho, será quase improvável que ela apareça. Quer dizer…

O problema é o tempo  em que a asma correu solta. As crises fazem os brônquios descamarem, deixando os receptores nervosos expostos e sensíveis à toa. Então, eles respondem com a maior sensibilidade a qualquer bobagem. Alguém passou fumando? O ar parece fugir. Mudou a temperatura? O ar não entra. Bateu uma emoção mais forte e você chegou a perder o fôlego? Cuidado, não acredite de cara que é paixão. Não quero decepcionar ninguém, mas pode ser asma mesmo.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.