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Blog da Lúcia Helena

As várias vaginas de uma mulher ao longo de um único mês

Lúcia Helena

30/05/2019 04h00

Crédito: iStock

Eu fiquei fascinada — e você, creio, ficaria também. Uma, duas, três…, eu contava. Quatro, cinco… Cinco metamorfoses em um mês. Entre as pernas, toda mulher seria camaleoa, então? Garanto, ainda que se conheça muito bem, que já tenha explorado a geografia desse território de vales e montanhas, terra firme e solo escorregadio, aventurando-se nas cavernas e nas crateras da própria vagina, qualquer mulher ficaria como eu, repito, fascinada. Era, afinal, uma aula do professor Eliano Pellini.

Na tela, não só as cinco mudanças de um mês, mas um total de nove imagens de microscopia. Nove figuras tão diferentes, mas que poderiam ser de uma mesma vagina em seus vários tempos. E eu as descrevo assim, feito a visão de um caleidoscópio, sem o menor exagero. As pedrinhas seriam as células dançando no ritmo dos hormônios femininos. A intimidade da nossa… intimidade. Retratos do que os olhos, por mais ousados que sejam, mas igualmente nus, nunca poderão enxergar. Mas eu vi. E vou contar.

Só que antes preciso apresentar quem deu a tal aula para uma plateia lotada de ginecologistas  e depois ainda conversou comigo para o blog. Eliano Pellini é o chefe do setor de Saúde e Medicina Sexual da Faculdade de Medicina do ABC. Como professor é figura incomparável. Mistura ciência e artes plásticas, filosofia e ginecologia para chegar no ponto. E o ponto, ali naquele momento, era a mucosa vaginal. "Muitos estudantes, futuros médicos, mal viram essas imagens que, nos meus tempos da faculdade, a gente reconhecia num piscar, sabendo em que fase a mulher estava de tanto fazer exames", comentou com os colegas.

É que até a década de 1970, em vez de se dosar hormônios pelo sangue, o que se fazia muito era o chamado exame de histologia hormonal, capaz de mostrar no microscópico a função dos tecidos vivos. "E o ambiente da vagina é um reflexo da produção de hormônios sexuais, que cumpre um ciclo natural de 28 dias", diz ele.  

São dez dias sob a batuta do estrogênio que, no pico, deixa o óvulo pronto para se encontrar com o espermatozoide. Depois, calcule aí uns 14 dias em que esse ambiente será banhado pela progesterona, o hormônio que prepara a camada interna do útero para a gestação. Já o fluxo menstrual, bem, ele é o sinal de que todo esse projeto falhou — o "date" do espermatozóide com o óvulo não deu certo. Mas parou de sangrar e a vagina parte para outra. Devíamos aprender com a vagina, aliás.

Não saímos tão bem na primeira foto, a da vagina estrogênica, aquela que inaugura o ciclo. Suas células  parecem folhas achatadas e grandalhonas. Um tanto imaturas. "É uma mucosa pouco estimulada", diz o professor. Preço da inexperiência: é menos lubrificada. Não há Brad, nem Clooney, nem qualquer gostosão capaz de alterar de vez essa característica.

Calma, porque a vagina número 2 é uma belezura.  É a ovulatória. "A pele é visivelmente mais espessa e firme", explica o professor Pellini. Ou seja, está pronta para a festa, para o rala-e-rola —  diria que especialmente para o rala. Que venha!, convidam suas células (muitas!),  todas posando para o microscópio redondas, estufadas e organizadas. Essa é a vagina que aguentaria a fricção sem dar um "ui" —   só se for de prazer.

Para quem está de fora — ou dentro, vai saber… — o sinal dessa fase nem precisa de lentes de aumento. É o líquido gelatinoso que escorre por essa mucosa.  Tão viscoso que, se mergulhar os dedos nele e os separar, logo se formará um fio. Daí o nome: muco filante. Não pense que ele está ali só em favor do entra-e-sai do parceiro. Sua principal função vem depois: facilitar a viagem do espermatozoide.

Aí surge nossa vagina número 3. Sabe aquelas células redondinhas? Já eram. Com células meio amontoadas, diria que a minha (a nossa!) terceira vagina do mês, a progestacional, é aquela que acha que já deu o que tinha de dar. Você está grávida, pensa a natureza um tanto conservadora.

Acabou-se o que era doce de vez quando essas células se dobram. Sim, elas se dobram descaradamente e assumem um formato de barquinho de papel. Meigo, né? Só que não. Na fase navicular , a da nossa quarta versão mensal de vagina— que, aliás, tem esse nome justamente porque, de perto,  lembra navios —  a mucosa já está quase pulando fora. O que fará de vez, inflamando-se, na menstruação. Eis a foto das células ardentes, pontilhadas de vermelho. Quinta vagina. É, não deu certo aquela ideia de engravidar…

Se tivesse vingado o plano original do corpo, a vagina na gravidez — a sexta! — é até que úmida. Mas na lactacional — a sétima — as células assumem uma postura de espantar o pai da criança. Hora de mamar não é hora de sexo — de novo, essa natureza que não percebeu que a brincadeira agora já não tem hora.

A vagina das mulheres que amamentam é outro Saara e só perde para a vagina atrófica, a das mulheres na menopausa, com suas células visivelmente encolhidas como um punhado de minúsculas passas. "É uma mucosa frágil, que pode ficar toda ferida", descreve Pellini. Isto é, se a mulher não se cuida.

A saída seria repor os hormônios, além de sempre hidratar a região interna e a externa com cremes apropriados. Não são lubrificantes para tudo escorregar, estes que só funcionam, quando funcionam, na hora agá. São hidratantes mesmo.  Mais úteis, vitais, fundamentais do que nossos inseparáveis cremes de mão. Eles podem ser usados até por mulheres mais jovens, mas que conhecem as limitações da sua umidade nas semanas em que não ovulam. Ou que fazem sexo com o mesmo homem há tanto tempo que já sabem o fim do filme antes de a sessão começar. Acontece…

O que vi como bolinhas rechonchudas, folhas esticadas, barcos no cais feminino é mais do que mera curiosidade. "Se toda mulher soubesse que tem cinco vaginas diferentes por mês, talvez tirasse mais proveito", opina o professor Pellini. Tabelinha por exemplo, para ele  é a pior roubada — e não se refere ao aspecto contraceptivo. "Ora, quem usa esse método faz sexo até o quinto dia do ciclo e depois do décimo-sétimo,  as piores épocas, porque a vagina estará bem seca."  E a secura talvez persista, mulherada, mesmo que essa vagina seja estimulada. Nessas fases, ela terá menor capacidade para capturar líquido. 

Pois aqui tem outra história, digo, outra lubrificação, bem diferente daquela primeira, a viscosa, que é hormonal.  É a lubrificação subjetiva, que pega a água da circulação. Umas mulheres têm maior facilidade do que outras no campo da subjetividade. E algumas parcerias sexuais facilitam mais ou menos também. Homem com… repertório ruim? Pouca chance. Gente apressada? Menos ainda.  O bicho mulher precisa de aquecimento. Do sangue quente.  

"A fisiologia nos mostra que o orgasmo feminino é uma conquista", afirma o professor. E justifica: um pênis, para ficar ereto, precisa de cerca de 50 mililitros de sangue entregues no seu endereço. Já para mulher ficar excitada a ponto de gozar,  o volume de sangue que precisa tomar o rumo da vagina é dez vezes maior.

Sim, 500 mililitros, meia garrafa de leite (contra aquela xícara de café solicitada pelos rapazes) para preencher até arrebentar em prazer o clitóris, os grandes e os pequenos lábios, por aí. Mulher não goza com pouca bobagem, senhores. Chamar todo esse sangue exige foco, habilidade e prática — enfim, toma tempo. Ainda bem, se descesse meio litro de sangue para o local da diversão de hora para outra, a gente teria um treco.

Mas uma coisa vi com meus próprios olhos. Existe a nona vagina e ela é a chamada receptiva, com camadas de células claramente inchadas e tenras. Pergunto ao professor o que seria uma vagina receptiva e a resposta é direta: "É aquela que, quando o parceiro se aproxima, já está pronta." Bem cuidada, com a tal hidratação em dia  em qualquer fase do mês ou idade, ela só faz uma exigência (e é sério).  A vagina receptiva precisa ser usada para manter esse sorriso nos lábios, — com massageadores, mãos, brinquedos ou com uma bela parceria, garantindo sua firmeza, umidade. Receita da felicidade.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.