A barriga saltada e flácida de quem teve filho nunca é só problema estético
![](https://conteudo.imguol.com.br/blogs/218/files/2019/07/iStock-969666006.jpg)
Crédito: iStock
A mulher engravida e é natural: os músculos abdominais vão criando espaço para o bebê. O próprio útero, cada vez maior, os empurra. Eles então, primeiro, se alongam e, aos poucos, ficam mais e mais abertos. Mais e mais… Mais e mais… Opa, demais! Demasiadamente afastados em alguns casos. Passam dos limites em seis de cada dez mães de família, revelam as estatísticas. É quando o tecido conjuntivo central, que os manteria unidos, se estica além da conta e, completamente flácido, perde aquela tensão necessária para juntar tudo. Ou, pior, quando ele se rompe pra valer. Aí, nada volta para o devido lugar depois de um tempo, como seria o esperado.
Toda mulher tem diástase na gestação, o nome cientificamente correto desse afastamento, que em princípio é natural e fisiológico. Embora seja uma realidade dura de encarar no espelho da maternidade quando, no primeiro banho — o nosso, não o do bebê — , a gente enxerga aquela pele, que antes parecia o couro de uma bola firme, despencada feito um avental, dobrando-se em pregas sobre musculatura absolutamente molenga.
O problema é se por acaso a situação muscular se torna lesiva e resta aquela barriga de souvenir da sala de parto. Pode acontecer só do umbigo para baixo, daí fica aquela pochete perene. Ou pode ocorrer do umbigo para cima — sabe aquele estômago alto? Em grande parte das mulheres, contudo, a diástase é de norte a sul do que outrora foi a planície de sua barriga. E, nesses casos, o corpo perde uma verdadeira parede de contenção que são os seus músculos abdominais posicionados no lugar certo.
Temos um problema estético? Sim, nos diz o espelho de casa. Mas ele não conta que, de lambuja, temos o risco de outros 27 problemas de saúde descritos na literatura científica— de gases e indigestão à incontinência urinária, passando por dor no ciático. Achando que o alardeado padecer no paraíso inclui aquela pança — você convivendo bem com ela de biquini ou não —, muitas mulheres não associam um incômodo aqui e outro acolá com a tal diástase. Chamo a atenção: alguns deles só surgem quando seus "bebês" já são adolescentes.
Ironia é quando a mãe fresquinha faz de tudo para voltar à forma e, disciplinadíssima, dá um tiro no pé, pra não dizer na própria barriga: 30% das pacientes com diástase só apresentaram o problema de dois a três meses, em média, depois da alta na maternidade. Ou seja, os músculos abdominais, em seu devido tempo, já estariam pegando o seu caminho de volta e se fechando. "Mas, apressadas, elas resolveram se dedicar a horas e mais horas de exercícios abdominais e, forçando demais, rasgaram o tecido conjuntivo que sobrou intacto", conta Gizele Monteiro, professora de educação física que, há 20 anos, mergulhou no estudo da diástase, com direito a um mestrado na área de fisiologia do esforço na Universidade Federal de São Paulo.
Foi nessa época, anos 1990, que encontrou trabalhos de biomecânica, área que estuda os nossos movimentos, mostrando que determinados exercícios pioravam o quadro de pacientes com diástase. Quer exemplo? "Aqueles abdominais em canivete, com o corpo e as pernas erguidos ao mesmo tempo, formando uma espécie de "V". Ou, ainda, os famosos burpees, tão em voga", lista Gizele, que ganhou fama como personal de gestantes.
Treinos com esses exercícios são para atletas. Para quem acabou de ter um bebê ou até mesmo para mulheres que permanecem com diástase anos depois, eles são equivocados. "Até pioram a situação, já que, sem a devida força para realizá-los, desorganizamos de vez a postura e também esgarçamos mais aquele tecido conjuntivo", alerta Gizele.
A má postura, diga-se, é um dos fatores que favorecem a diástase. Ela, ainda que leve, pode surgir bem antes de a garota pensar em engravidar, se empina o bumbum e, como consequência automática, projeta o abdômen para frente. Ou se ela sempre se larga na cadeira, comprimindo os órgãos contra a musculatura. A pressão interna no abdômen, então, afrouxa os músculos. Daí, no dia em que chega um bebê pedindo passagem, ô, dó.
Na gestação, os fatores que favorecem uma diástase fora dos limites são uma criança muito grande, abrigar gêmeos em um corpo que a natureza em princípio fez para gerar um de cada vez, muito líquido amniótico estufando ainda mais o ventre, o diabetes, a hipertensão e, acima de tudo, a obesidade.
"Se alguém engorda demais, vamos imaginar que uns 20 quilos, esse excesso de peso já sobrecarrega várias áreas do corpo, mas ao menos se distribui por ele", ilustra Gizele. "Agora, imagine uma grávida que ganha os mesmos 20 quilos. Boa parte deles estará concentrada na barriga", explica. Veja bem, se a musculatura abdominal já não entrou nessa aventura de nove meses em forma, a hora de despencar é essa.
Uma das consequências comuns da diástase são as hérnias umbilicais. Por causa da abertura bem no meio do músculo reto anterior do abdômen — aquele que desce feito um paredão da altura das costelas até a pelve, bem na parte da frente da barriga —, o umbigo é empurrado para fora pela pressão interna. "Um dos sinais da diástase exagerada é quando ele fica exteriorizado a partir do quinto, sexto mês de gestação", diz Gizele. Mais tarde, o quadro poderá causar dores. Exercícios corretos — orientados, básicos e nada afobados –aliviam e até melhoram a sua aparência, mas só a cirurgia resolve uma hérnia umbilical.
A parede muscular fraca também provoca a sensação de inchaço por qualquer bobagem. Comeu? Ela logo fica distendida. Tomou um copo d'água, ela infla. Engolir qualquer coisa a mais é sentir vontade de abrir o botão da calça. Sem a musculatura formando uma cinta, as vísceras se tornam folgadas. Se, por exemplo, o estômago fica cheio, ele não se aperta diante disso. Ao contrário, se espalha.
Os órgãos da digestão, quando bancam os espaçosos, formam gases com maior facilidade e não se movimentam tão bem para empurrar a comida. Tudo frouxo, indigestão na certa após beliscar qualquer porcaria. E tendência a constipação também, assim como ao refluxo. "Aí é um tal de culpar glúten, lactose…", observa Gizele.
Na hora do sexo, meninas, a sensação é de que tudo chacoalha por dentro. Para algumas mulheres, ela chega a ser dolorosa. O pior é quando os órgãos caídos, por assim dizer, pesam sobre a musculatura do períneo. Ela então vai cedendo. Aí surge o escape de xixi. Ele nunca é normal, por mais discreto que seja. É o períneo que está avisando: você corre o risco de desenvolver uma incontinência urinária quando aquele bebê que alargou seu ventre estiver na faculdade.
Outros problemas comuns são os nas costas. Com a barriga saltada, a coluna sai do prumo para encontrar um novo ponto de equilíbrio. Isso pode esmagar o ciático, que inflama, porque o quadril vai exageradamente para trás. Hérnias de disco também costumam surgir com o tempo.
O jeito é procurar a ajuda de um profissional de educação física ou de fisioterapeuta focado em pós-parto, recebendo orientação sobre o exercício certo. "E sem pular etapas, porque estamos diante musculatura abdominal fraca em um corpo que pode, de resto, estar todo sarado", avisa Gizele.
Fundamental perder alguns quilos, se for o caso. "E a correção da postura é igualmente necessária. Não adianta tentar fortalecer o abdômen, sem organizá-la", diz, ainda, a especialista no assunto. O períneo é outro que, nessa altura, vítima indireta da frouxidão do abdômen, precisará de uma força.
Quem já tem filhos crescidos, não desista. Mexa-se — não pela barriga chapada, mas pela barriga saudável. Que, sim, tem uma vocação fisiológica para ser firme. O ideal mesmo seria fortalecê-la na própria gestação, porque se a diástase termina exagerada… Bem, não sei qual a sua ideia de paraíso, mas sei que isso é padecer.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.