O que tomar sol e a vitamina D têm a ver com o diabetes? Ótima pergunta

Crédito: iStock
E a pergunta veio de um leitor do interior paulista, diabético, que ouviu do médico que ele precisava caprichar mais no sol porque seus níveis de vitamina D, ai, ai… A tal da vitamina D, ficou esse senhor sabendo, está cada vez mais enrolada quando o assunto é diabetes. Bem, quem sou eu para tirar da cabeça a resposta para uma dúvida que realmente é importante? Aliás, como todas quando o assunto é a nossa saúde. Se eu pudesse sacar da cartola o que penso sobre vitamina D…
Ainda bem que, na busca por informação confiável, liguei para quem realmente poderia dar uma resposta com aval da ciência, o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto. E ele — que sorte! — tirou da minha boca o que eu gostaria mesmo de falar para todo mundo, mas que, sem direito a jaleco, me calo. "Olha, Lúcia, a vitamina D anda feito remédio do homem da cobra, não sabe?"
Pois é, esse médico mineiro, considerado um dos principais pesquisadores do diabetes no país, investigando o seu tratamento com células-tronco, costuma falar de ciência como quem proseia bebericando um café. E assim foi. "Nas pequenas cidades do interior do país, sempre surge um gaiato com um tabuleiro cheio de garrafas, dizendo que o líquido é remédio para artrite, enxaqueca, hemorroida, ferida, dor de estômago, paixão mal resolvida e, se duvidar, diabetes", continua. "Ah, sim, muitas vezes o sujeito, personagem quase folclórico nas praças, termina seu número de marketing arrancando uma cobra de uma caixa. E com a vitamina D está acontecendo quase isso", diz ele.
De fato, não param de surgir trabalhos dizendo que a sua falta tem a ver com doença cardíaca, obesidade, câncer, depressão, um sem-número de males. Até que se prove o contrário, ninguém vai dizer que é tudo bobagem. Mas há um bocado de exagero e conclusões apressadas. Aliás, de tanto ler a respeito, já tive vontade de pingar vitamina D até na água do banho!
Diabetes? Se você olhar hoje mesmo, são mais de 5,7 mil estudos científicos listados no PubMed, a biblioteca de Medicina americana, que reúne tudo o que foi pesquisado ao redor do globo. Mas nada, nada, até o momento, é muito conclusivo no que diz respeito a diabetes e vitamina D. O elo continua frágil.
A vitamina D é aquela que o prato de comida não oferece. A pele a produz em contato com raios solares e, diga-se, vai saber o porquê, no ensolarado Brasil as pessoas tendem a apresentar doses um pouco aquém do necessário. Contam diversos fatores, inclusive a nossa bem-vinda miscegenação. É que a pele de pessoas morenas e negras produz um tico menos da substância. E é possível que todos nós, não importando o tom, tenhamos essa herança. Somos todos feitos de todos.
Entre os diabéticos essa falta pode, de fato, parecer até maior. O doutor Couri me lembra: "Ora, não é de hoje que a gente sabe: a pele de pessoas com obesidade produz menos vitamina D. E como a maioria dos diabéticos tipo 2 está acima do peso, é esperado que eles tenham níveis abaixo do recomendado dessa substância." Daí a dizer que a falta dela causa o problema é outra história. Mas muita gente aconselha suplementar, supondo a vitamina seria o caminho para reverter a situação, o que até agora não passa de uma bela hipótese.
Uma hipótese barulhenta, é verdade. No mês passado, por exemplo, no encontro da American Diabetes Association, foi apresentado o estudo D2d, realizado por diversos centros de pesquisa em colaboração, com 2.423 participantes de 22 localidades dos Estados Unidos. O objetivo foi testar se suplementos da vitamina D, engolidos diariamente, poderiam evitar que essa gente se tornasse diabética. Sim, a preocupação é imensa porque nada menos do que um terço da população americana está, digamos, quase lá, e tem pré-diabetes. Aqui, deveríamos ficar bem preocupados também. Mas parece que não acordamos para a explosão de casos que logo mais acontecerá.
No D2d, os participantes foram divididos entre os que tomaram e os que não tomaram suplementos. Todos fizeram exames de sangue a cada seis meses durante um período que variou de dois a cinco anos, no máximo. Note o seguinte: americanos, ao contrário de nós, têm um organismo que é uma verdadeira fábrica de vitamina D. Portanto, a suplementação fez com que seus níveis fossem parar nas alturas. E mesmo assim… Pode esperar frustração: em geral, não se viu grandes diferenças em matéria de diabetes.
No entanto, os cientistas ficaram alvoroçados com uma parcela dos voluntários — neles, sim, a suplementação pareceu dar um leve resultado.""Mas eram aqueles que tinham hipovitaminose D desde o início do estudo", frisa Barra Couri. Hipovitaminose é o termo médico para a falta de uma vitamina.
Ainda é cedo para alarde. "Em ciência, o resultado encontrado em um subgrupo tem pouco valor, porque o estudo inteiro foi desenhado para avaliar outra coisa, no caso a população inteira, misturando gente de todo tipo", explica o endocrinologista, que falará sobre o assunto no encontro de mais de 600 especialistas que ele organiza mais uma vez em São Paulo no final de julho, o Endodebate . Na minha opinião, um dos mais palpitantes eventos da Medicina, porque faz a ligação da ciência de ponta com a prática clínica. E, na prática, o que se sabe por enquanto sobre vitamina D é que todo diabético tem forte probabilidade de precisar de suplementação mesmo. Não para curar — atenção! —, mas para manter o organismo em ordem, evitando quedas e fraturas. Que são, sinto dizer, o que temos para hoje como provas de benefício.
Justamente por terem uma baixa na vitamina D, as diretrizes para o tratamento do diabetes determinam metas ligeiramente mais ambiciosas para os portadores dessa doença do que para a população em geral — recomendação que, antes que me perguntem qual seria, varia de indivíduo para indivíduo. "Precisamos dosar as vitaminas e os minerais de cada um e dar especificamente aquilo que está faltando. Ainda mais quando se trata da vitamina D, que nem é mais considerada mais uma vitamina pra valer, apesar do nome. Ela é um hormônio."
Isso é sério. Sair tomando vitamina D sem necessidade pode ser tóxico. A substância se acumula nas células da gordura. Por isso, quem usa suplementação — diabéticos incluídos — deve fazer dosagens periódicas e até interromper o comprimido por uns tempos quando os resultados se mostrarem okay. "As pessoas tomam vitamina D como se fosse inócua. Ela não é!", esclarece o doutor Couri. "O excesso gera complicações no fígado e nos rins", exemplifica.
Em relação ao sol, o médico pede cautela. "Para o diabético, já com uma deficiência da vitamina D, o que resolveria seria tomar banhos de sol em horários menos saudáveis, o que decididamente não indico para ninguém", diz ele. O sol é para todos, mas a moderação é palavra de ordem para os diabéticos que, saiba, têm uma pele por natureza mais fragilizada a todo tipo de problema, incluindo nesse pacote o câncer. Abusar — no sol e nos suplementos — não é mais seguro do que comprar remédio do tal sujeito da cobra.
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