O "lado Z” da carne: o zinco é fundamental para suportarmos várias doenças
Ele é o segundo mineral mais presente no organismo humano, ficando atrás do ferro. E, no entanto, se você juntar todo o zinco de um adulto para colocar na balança, o ponteiro vai marcar só uns 2,3 gramas, algo capaz de encher, quando muito, a metade de uma colher de chá. Boa parte está guardada na musculatura esquelética. Mas se faltar um nadica de zinco no líquido seminal dos moços, onde se encontra de 0,08 a 0,2 miligrama do mineral, os espermatozoides já penam para sobreviver. E muita gente não consegue nem sequer ter essa quantidade minúscula dando sopa, porque não engole doses suficientes para distribuir esse micro-nutriente por todos os órgãos e os tecidos.
As fontes à mesa também não ajudam. Ora, ostras e mariscos, no topo do ranking com seus 75 miligramas do mineral em cada porção de 100 gramas, não são exatamente uma opção no nosso dia a dia, vamos combinar? E as vice-campeãs em zinco, com cerca de 5 miligramas por 100 gramas, são as carnes vermelhas, que andam ficando cada vez mais raras no cardápio. Ok, tem a história da gordura saturada de cada bife, a ameaça ambiental de cada pum da vaca — não quero polemizar, só preciso dizer que, em matéria de zinco, isso nos deixa em uma sinuca de bico.
O mineral é essencial para mais de 500 reações enzimáticas pelo corpo e faz parte da estrutura de 10% das nossas proteínas, algumas delas essenciais para que tudo em nós funcione direito. São o que os fisiologistas chamam de sinalizadoras. Se não tem carne, caçamos zinco com o quê? Não teime! Pode me citar a lista do supermercado do cabo ao rabo e verá que temos um tiquinho irrisório de zinco ali, outro tantinho tímido acolá. Precisaríamos nos entupir de calorias, o que faria um mal danado — comendo punhados e punhados de amendoim, por exemplo — para dar conta do recado se não temos um bife todo santo dia no prato.
Uma mulher adulta precisa de 8 miligramas de zinco por dia, enquanto o organismo do homem pede 11 miligramas diários. E olha que esses são os valores para gente saudável. Em uma série de enfermidades, a necessidade do mineral pode subir para 40 miligramas diariamente, dependendo da avaliação médica — em casos de diabetes, depressão, doenças hepáticas… Diria que a vida fica pior quando estamos doentes e bem pior quando estamos doentes e sem zinco disponível.
Por isso, me chamou a atenção uma revisão que saiu neste mês na Clinical Nutrition, respeitada publicação científica no universo da nutrição. O artigo, que aponta a influência do zinco em uma série de condições de saúde, é assinado por três pesquisadores — um deles da Universidade de Lisboa, em Portugal, outro da City University em Nova York, nos Estados Unidos, e o terceiro, o nutricionista Heitor Oliveira Santos, da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. Claro que não perdi tempo para conversar com o cientista mineiro, querendo entender o tamanho da falta que o zinco faz.
Heitor Santos, primeiro, estudou o que a literatura científica tinha de informação a respeito de suplementos de zinco em pacientes com hipogonadismo, a queda do hormônio masculino testosterona. Ele menciona experiências em que homens jovens e saudáveis foram submetidos a uma dieta com baixa oferta do micro-nutriente— menos de metade do ideal. Após oito semanas nesse esquema, os níveis de testosterona dos rapazes caíram dramaticamente.
"Na contrapartida, naqueles homens com deficiência do zinco obtido pela dieta, a suplementação melhora tanto a produção hormonal quanto os parâmetros do espermograma", conta o pesquisador de Minas. Sinal de efeito contra a infertilidade — mas, atenção, longe de significar que consumir suplementos do mineral, por interferir na testosterona, resultaria em um bíceps de Schwarzenegger na juventude. Não há qualquer evidência científica nesse sentido.
A suplementação também é importante para quem sofre de doenças do fígado. E aqui a gente tem de lembrar de uma boa ação que o zinco faz como poucos: ele é um tremendo antioxidante, integrando as enzimas que o corpo produz naturalmente para dar cabo dos radicais livres. E essas moléculas nocivas se formam aos borbotões no fígado adoentado, especialmente em casos de alcoolismo. Ninguém aqui está dizendo que beber demais e consumir zinco termina em um zero a zero para o fígado. "Doses elevadas de zinco são apenas um coadjuvante e podem retardar o aparecimento de uma cirrose", explica Heitor Santos. Retardar, veja bem…
Na depressão, embora existam trabalhos sugerindo que o mineral em doses mais altas inibiria alguns sintomas, o que a revisão da literatura científica feita por Santos e seus colegas aponta é uma diminuição da inflamação na massa cinzenta. "Pessoas deprimidas têm uma maior produção de substâncias inflamatórias no cérebro, que pioram o quadro e ainda as deixam com risco de desenvolver doenças neurodegenerativas, como demências", explica Santos. "O que o zinco faz é uma espécie de faxina nessas substâncias dentro da massa cinzenta." Para ele, os médicos deveriam cogitar a suplementação lado a lado com remédios antidepressivos.
A interferência do mineral no diabetes tipo 2, por sua vez, não é surpresa: já se sabia que o zinco melhora a ação da insulina. É como se esse hormônio tocasse a campainha das células para abrirem a porta para a glicose que está no sangue. E, se há zinco por perto, essa campainha é disparada com mais força, agilizando a entrada doaçúcar. Sem contar o tal efeito antioxidante que, no diabetes, é bem-vindo dos pés à cabeça.
Já no tratamento do câncer, justamente por isso, Santos e os outros autores recomendam cautela. Faz sentido. A quimioterapia gera uma montanha de radicais livres para agredir o que, no caso, é o inimigo — o tumor. E ninguém vai querer engolir algo que atrapalhe esse serviço, neutralizando os radicais. "No entanto, quando os quimioterápicos são interrompidos, o zinco ajuda na recuperação dos pacientes, inclusive atuando ao lado de proteínas para reconstruir a massa muscular abalada pela doença", diz ele.
A pitada de controvérsia fica por conta do coração. Alguns estudos revisados pelo trio de cientistas apontam que a suplementação em doses altíssimas — no caso, de 58 miligramas, em média — corta em até 7% as taxas do HDL, o colesterol bom. Outros trabalhos, porém, mostram uma redução no colesterol total quando a suplementação é mais suave, mal interferindo na quantidade da versão boa da gordura. "Tudo leva a crer que o zinco é feito o cafezinho, que protege o peito até certo ponto e passa a atrapalhar quando consumido em exagero", compara. E ainda existem outros benefícios cardiovasculares, como a capacidade de provocar uma ligeira diminuição da pressão.
Por tudo ser tão sensível, fica clara a importância de dosar o zinco no plasma sanguíneo de vez em quando, especialmente em crianças: "ele é fundamental para o crescimento, mas a meninada nem sempre come carne vermelha o bastante", diz Heitor Santos. Assim como o exame é importante para idosos, até por conta de o mineral fazer parte dos glóbulos brancos e ser peça central nas táticas de defesa do sistema imune.
"Para os mais velhos, o zinco dá uma contribuição extra, atuando diretamente nas papilas gustativas e melhorando o paladar, o que pode ajudar em questões de falta de apetite", lembra Santos. Aliás, um efeito desejável em muitas enfermidades também. Em tese, a suplementação é só para casos de carência. Mas eis a dura realidade moderna: ela é comum para quem, cheio de bons motivos, sempre recusa um churrasco, um picadinho ou um filé. É o "lado Z" da história. Afinal, quem come ostra aí?
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