Tempos nervosos merecem capim: capim-cidreira, capim-santo, capim-limão
O mundo anda rodando esquisito. Ainda há pouco, o céu da cidade onde vivo se vestiu de luto por milhares de espécies florestais cremadas, jogando suas cinzas em nossas cabeças. A minha, pelo menos, saiu da tarde fúnebre sentindo-se pesada. O noticiário, no dia seguinte, ainda arrastou meu olhar por outras perdas. E antes que eu somasse as minhas próprias — a perda de humor, a de paciência e a de esperança… —, em vez de me afogar em nervosismo, mergulhei em uma xícara de chá. Tão simples assim. O líquido de um verde límpido, perfumado, gole a gole foi me devolvendo serenidade. Se quer saber o que eu acho de verdade: tempos difíceis merecem um santo capim.
Claro, tinha o calor do bule amenizando a frieza do tempo invernal — e a destes tempos por tabela. Tinha também uma doce memória afetiva do capim-limão, o capim-cidrão, um chá-de-estrada. Aliás, fui atrás da origem deste nome engraçado, gravado na infância, e descobri que no passado o DER realmente plantava touceiras e mais touceiras de capim-cidreira nas beiras das estradas de terra. Ah, sim, a espécie Cymbopogon citratus — que é de origem indiana, mas que se deu muito bem por aqui — também é chamada assim, de cidreira. A ideia de plantá-la pelas estradinhas era conter a água da chuva carregando lama. Guardo a lembrança morna do meu pai parando o carro no acostamento para colher umas folhas e fazer o tal chá-de-estrada.
Mas, pois é, o apelido de cidreira ao santíssimo capim-limão de estrada — ufa, é muito nome para um capim só! — aumenta um tanto a confusão. Isso porque três plantas caíram na boca do povo com a mesmíssima alcunha. Tem a erva-cidreira, o capim-cidreira e a cidreira brasileira, é mole ou quer mais? E elas nem parentes são!
Três cidreiras
A erva-cidreira original, por assim dizer, é a melissa, ou Melissa officinalis, que veio da Ásia e da Europa, com suas folhas que lembram demais às da hortelã, com um cheirinho mais leve e adocicado. Apesar de o assunto aqui ser uma outra cidreira, a melissa merece a colher de chá de algumas linhas, até por ser, dentro da fitoterapia, a espécie mais usada no mundo para abater a ansiedade.
No cérebro, seus princípios ativos se ligam nos receptores gabaérgicos e, então, é como se segurassem a onda, derrubando a agitação do sistema nervoso. "Também agem em receptores envolvidos com uma melhora na memória e na cognição, o que contribui para a calma, porque as pessoas se sentem mais centradas", me explica o farmacêutico Luís Carlos Marques, professor aposentado da Universidade Estadual de Maringá, no Paraná, e diretor da Associação Paulista de Fitoterapia.
O fato de a melissa ter alguns óleos essenciais em comum com outras plantas, entre eles o citral — dos cítricos, como o limão, a laranja, a cidra —, fez com que aquelas com o aroma parecido e que, digamos, chegaram depois recebessem a mesma denominação popular. Viraram todas cidreiras.
A segunda delas é a lípia, ou Lippia alba, a menos estudada, que ficou conhecida como cidreira brasileira — embora, cá entre nós, cresça em toda a América do Sul, em pequenos arbustos com flores rosas. As folhas lembram as da melissa, só que menores. Já o capim-cidreira — santo ou limão, se preferir — é o diferentão do trio. Poxa, é um capim! Botanicamente, não tem nada a ver com as outras.
Dá-lhe capim!
Se a gente pensar em um efeito ansiolítico, o capim não tem o mesmo reconhecimento que a melissa, cuja indicação para casos de estresse nas alturas consta na Anvisa, na Organização Mundial de Saúde e nas sociedades europeias, depois de muita pesquisa. "Mas o capim-santo está a caminho disso", pensa o professor Marques.
Não é de hoje que ele é usado em chás para acalmar. Luís Marques me conta que, justamente por causa do uso tradicional, a planta foi selecionada pelo governo nos anos 1980 para ser alvo de estudos na Universidade Federal de São Paulo. Empregou-se então folhas secas e os resultados foram negativos para decepção geral. "Mas não havia padronização e talvez faltassem princípios ativos em um lote ou outro da erva, por uma secagem exagerada causando a perda de óleos essenciais", pondera.
Trabalhos posteriores, porém, mostraram bons efeitos em animais, só que aí usando as folhas frescas. "Portanto, o capim-limão deve ser consumido de preferência dessa forma", ensina. Segundo o professor, seus óleos essenciais têm mostrado que são capazes de diminuir a pressão arterial, efeito bastante interessante para quem é hipertenso, tem problemas para pregar os olhos à noite ou vive estressado.
Chá, tintura, óleo, suco, brigadeiro…
Pergunto então se o chazinho funcionaria mesmo. E ouço do professor: "Essa é uma pergunta estranha. Ora, a fitoterapia se desenvolveu pelos chás, quando inexistia indústria farmacêutica. Se obtivermos uma planta de qualidade e prepararmos um chá da maneira correta, não há motivo para não fazer efeito". A nutricionista Vanderlí Marchiori, uma das fundadoras da Associação Paulista de Fitoterapia, vai além: "O chá de capim-santo é extremamente eficaz para ansiedade. Ele também age nos receptores gabaérgicos, como a melissa, melhorando quadros de nervosismo e favorecendo o sono", garante.
Para preparar a bebida, ela indica no mínimo 1 colher de sobremesa da planta picada para 300 mililitros de água fervente e deixar no fogo por no máximo 3 minutos para extrair todos os seus componentes. Outro caminho, este recomendado pelo professor Marques, é fazer uma infusão, isto é, esperar a água levantar fervura, desligar a chama e deixar o capim-santo ali sem ultrapassar 10 minutos. Mas então será preciso uma quantidade maior da erva — de 2 a 3 colheres de sopa.
O que você não pode deixar é que os óleos essenciais — o citral, que representa até 75% deles, o geranial e o neral —, voláteis por natureza, acabem indo para o espaço. A regra é manter a panela bem tampada durante o preparo. E tentar tomar o mais depressa possível quando bebida alcançar uma temperatura que não queime a boca. É que tempo, no caso, é oportunidade para esses óleos sumirem pelos ares.
"Outro caminho é comprar a tintura da planta em boas farmácias de manipulação", ensina Vanderlí. "Se vejo alguém muito estressado, recomendo umas 10 gotas diluídas em água logo de manhã e mais 5 gotinhas de manutenção a cada três ou quatro horas." Você também pode lançar mão do óleo essencial em aromatizadores, lembrando que ele nunca é para uso interno, até porque não se sabe se foi extraído de maneira segura. "Além disso, imagine que uma única gota do óleo equivale a cerca de 30 xícaras do chá. Aí, claro, o exagero não pode fazer bem", observa Vanderlí.
Nesse campo, aliás, o exagero é sempre um tiro no pé. Colocar na chaleira um punhado de ervas para acalmar — hortelã, melissa, capim-santo e o escambau, tudo junto e misturado — é roubada. "Ocorre um excesso de fitoquímicos. Aí, a pessoa pode ficar excitada e até perder o sono", alerta Vanderlí. No outro extremo, se o objetivo é ir além do deleite gastronômico e conseguir uma ação calmante, não dá para facilitar a vida com um chá de saquinho. " Quando muito, haverá 1,5 grama da planta dentro, um nada para acalmar. E não sabemos há quanto tempo foi seca. Então, não vale", informa Vanderlí. Para ela, você pode comprar a versão seca em boas lojas de produtos fitoterápicos, mas sempre preferindo a fresca, quando puder. "Que, aliás, é mais gostosa", opina.
Aproveito que Vanderlí é nutri e esmiuço o capim-santo na cozinha: "Ele, muitas vezes, serve para realçar o sabor de outros ingredientes, tanto em doces quanto em salgados, mas ninguém fica sereno comendo brigadeiro de capim-santo", diz rindo. E os sucos? "Também não têm efeito fitoterápico. Seria preciso uma quantidade muito maior da erva", explica. Portanto, do suco só espere gostosura.
Para quem busca a calma, voltando ao chá, algum efeito é sentido cerca de 40 minutos após os primeiros goles. Mas a ação terapêutica pra valer só surge depois de três dias. "Minha família toma cafezinho no final do jantar e se alguém tem insônia não sabe por quê!", nota o professor Luís Marques. "O mesmo vale para ônibus-leito servindo café a quem pagou para dormir. Por que não um chá de capim-cidreira?" Todos avisam: os efeitos nunca serão fortes como os dos remédios benzodiazepínicos vendidos tarjados em farmácias e que agem nos mesmos receptores cerebrais. No entanto, por isso mesmo, o velho chá-de-estrada será sempre mais seguro.
Mas é preciso cultivar o hábito para sentir todo o seu potencial. Como brinca Vanderlí Marchiori: "Se quer baixar a ansiedade, é para tomar o chá todo santo dia e nos dias pecadores também". Diria que não nos faltam dias pecadores. Neles, optar pelo destempero é pedir outro capim, que não é comestível para humanos, nem pode ser servido em xícara.
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