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Blog da Lúcia Helena

Tempos nervosos merecem capim: capim-cidreira, capim-santo, capim-limão

Lúcia Helena

22/08/2019 04h00

Crédito: iStock

O mundo anda rodando esquisito. Ainda há pouco, o céu da cidade onde vivo se vestiu de luto por milhares de espécies florestais cremadas, jogando suas cinzas em nossas cabeças. A minha, pelo menos, saiu da tarde fúnebre sentindo-se pesada. O noticiário, no dia seguinte, ainda arrastou meu olhar por outras perdas. E antes que eu somasse as minhas próprias — a perda de humor, a de paciência e a de esperança… —, em vez de me afogar em nervosismo, mergulhei em uma xícara de chá. Tão simples assim. O líquido de um verde límpido, perfumado, gole a gole foi me devolvendo serenidade. Se quer saber o que eu acho de verdade: tempos difíceis merecem um santo capim. 

Claro, tinha o calor do bule amenizando a frieza do tempo invernal — e a destes tempos por tabela. Tinha também uma doce memória afetiva do capim-limão, o capim-cidrão, um chá-de-estrada. Aliás, fui atrás da origem deste nome engraçado, gravado na infância, e descobri que no passado o DER realmente plantava touceiras e mais touceiras de capim-cidreira nas beiras das estradas de terra. Ah, sim, a espécie Cymbopogon citratus — que é de origem indiana, mas que se deu muito bem por aqui —  também é chamada assim, de cidreira. A ideia de plantá-la pelas estradinhas era conter a água da chuva carregando lama. Guardo a lembrança morna do meu pai parando o carro no acostamento para colher umas folhas e fazer o tal chá-de-estrada.

Mas, pois é, o apelido de cidreira ao santíssimo capim-limão de estrada — ufa, é muito nome para um capim só! —  aumenta um tanto a confusão. Isso porque três plantas caíram na boca do povo com a mesmíssima alcunha. Tem a erva-cidreira, o capim-cidreira e a cidreira brasileira, é mole ou quer mais? E elas nem parentes são!

Três cidreiras

A erva-cidreira original, por assim dizer, é a melissa, ou Melissa officinalis, que veio da Ásia e da Europa, com suas folhas que lembram demais às da hortelã, com um cheirinho mais leve e adocicado. Apesar de o assunto aqui ser uma outra cidreira, a melissa merece a colher de chá de algumas linhas, até por ser, dentro da fitoterapia, a espécie mais usada no mundo para abater a ansiedade.

No cérebro, seus princípios ativos se ligam nos receptores gabaérgicos e, então, é como se segurassem a onda, derrubando a agitação do sistema nervoso. "Também agem em receptores envolvidos com uma melhora na memória e na cognição, o que contribui para a calma, porque as pessoas se sentem mais centradas", me explica o farmacêutico Luís Carlos Marques, professor aposentado da Universidade Estadual de Maringá, no Paraná, e diretor da Associação Paulista de Fitoterapia.

O fato de a melissa ter alguns óleos essenciais em comum com outras plantas, entre eles o citral — dos cítricos, como o limão, a laranja, a cidra —, fez com que aquelas com o aroma parecido e que, digamos, chegaram depois recebessem a mesma denominação popular. Viraram todas cidreiras.

A segunda delas é a lípia, ou Lippia alba, a menos estudada, que ficou conhecida como cidreira brasileira — embora, cá entre nós, cresça em toda a América do Sul, em pequenos arbustos com flores rosas. As folhas lembram as da melissa, só que menores. Já o capim-cidreira  — santo ou limão, se preferir — é o diferentão do trio. Poxa, é um capim! Botanicamente, não tem nada a ver com as outras. 

Dá-lhe capim!

Se a gente pensar em um efeito ansiolítico, o capim não tem o mesmo reconhecimento que a melissa, cuja indicação para casos de estresse nas alturas consta na Anvisa, na Organização Mundial de Saúde e nas sociedades europeias, depois de muita pesquisa. "Mas o capim-santo está a caminho disso", pensa o professor Marques.

Não é de hoje que ele é usado em chás para acalmar. Luís Marques me conta que, justamente por causa do uso tradicional, a planta foi selecionada pelo governo nos anos 1980 para ser alvo de estudos na Universidade Federal de São Paulo. Empregou-se então folhas secas e os resultados foram negativos para decepção geral. "Mas não havia padronização e talvez faltassem princípios ativos em um lote ou outro da erva, por uma secagem exagerada causando a perda de óleos essenciais", pondera.

Trabalhos posteriores, porém, mostraram bons efeitos em animais, só que aí usando as folhas frescas. "Portanto, o capim-limão deve ser consumido de preferência dessa forma", ensina. Segundo o professor, seus óleos essenciais têm mostrado que são capazes de diminuir a pressão arterial, efeito bastante interessante para quem é hipertenso, tem problemas para pregar os olhos à noite ou vive estressado.

Chá, tintura, óleo, suco, brigadeiro…

Pergunto então se o chazinho funcionaria mesmo. E ouço do professor: "Essa é uma pergunta estranha. Ora, a fitoterapia se desenvolveu pelos chás, quando inexistia indústria farmacêutica. Se obtivermos uma planta de qualidade e prepararmos um chá da maneira correta, não há motivo para não fazer efeito". A nutricionista Vanderlí Marchiori, uma das fundadoras da Associação Paulista de Fitoterapia, vai além: "O chá de capim-santo é extremamente eficaz para ansiedade. Ele também age nos receptores gabaérgicos, como a melissa, melhorando quadros de nervosismo e favorecendo o sono", garante.

Para preparar a bebida, ela indica no mínimo 1 colher de sobremesa da planta picada para 300 mililitros de água fervente e deixar no fogo por no máximo 3 minutos para extrair todos os seus componentes. Outro caminho, este recomendado pelo professor Marques,  é fazer uma infusão, isto é, esperar a água levantar fervura, desligar a chama e deixar o capim-santo ali sem ultrapassar 10 minutos. Mas então será preciso uma quantidade maior da erva — de 2 a 3 colheres de sopa.

O que você não pode deixar é que os óleos essenciais —  o citral, que representa até 75% deles, o geranial e o neral —, voláteis por natureza, acabem indo para o espaço. A regra é manter a panela bem tampada durante o preparo. E tentar tomar o mais depressa possível quando bebida alcançar uma temperatura que não queime a boca. É que tempo, no caso, é oportunidade para esses óleos sumirem pelos ares.

"Outro caminho é comprar a tintura da planta em boas farmácias de manipulação", ensina Vanderlí. "Se vejo alguém muito estressado, recomendo umas 10 gotas diluídas em água logo de manhã e mais 5 gotinhas de manutenção a cada três ou quatro horas." Você também pode lançar mão do óleo essencial em aromatizadores,  lembrando que ele nunca é para uso interno, até porque não se sabe se foi extraído de maneira segura. "Além disso, imagine que uma única gota do óleo equivale a cerca de 30 xícaras do chá. Aí, claro, o exagero não pode fazer bem", observa Vanderlí.

Nesse campo, aliás, o exagero é sempre um tiro no pé. Colocar na chaleira um punhado de ervas para acalmar — hortelã, melissa, capim-santo e o escambau, tudo junto e misturado — é roubada. "Ocorre um excesso de fitoquímicos. Aí, a pessoa pode ficar excitada e até perder o sono", alerta Vanderlí. No outro extremo,  se o objetivo é ir além do deleite gastronômico e conseguir uma ação calmante, não dá para facilitar a vida com um chá de saquinho. " Quando muito, haverá 1,5 grama da planta dentro, um nada para acalmar. E não sabemos há quanto tempo foi seca. Então, não vale", informa Vanderlí. Para ela,  você pode comprar a versão seca em boas lojas de produtos fitoterápicos, mas sempre preferindo a fresca, quando puder. "Que, aliás, é mais gostosa", opina.

Aproveito que Vanderlí é nutri e esmiuço o capim-santo na cozinha: "Ele, muitas vezes, serve para realçar o sabor de outros ingredientes, tanto em doces quanto em salgados, mas ninguém fica sereno comendo brigadeiro de capim-santo", diz rindo. E os sucos? "Também não têm efeito fitoterápico. Seria preciso uma quantidade muito maior da erva", explica. Portanto, do suco só espere gostosura.

Para quem busca a calma, voltando ao chá, algum efeito é sentido cerca de 40 minutos após os primeiros goles. Mas a ação terapêutica pra valer só surge depois de três dias. "Minha família toma cafezinho no final do jantar e se alguém tem insônia não sabe por quê!", nota o professor Luís Marques. "O mesmo vale para ônibus-leito servindo café a quem pagou para dormir. Por que não um chá de capim-cidreira?"  Todos avisam: os efeitos nunca serão fortes como os dos remédios benzodiazepínicos vendidos tarjados em farmácias e que agem nos mesmos receptores cerebrais. No entanto, por isso mesmo, o velho chá-de-estrada será sempre mais seguro.

Mas é preciso cultivar o hábito para sentir todo o seu potencial. Como brinca Vanderlí Marchiori: "Se quer baixar a  ansiedade, é para tomar o chá todo santo dia e nos dias pecadores também". Diria que não nos faltam dias pecadores. Neles, optar pelo destempero é pedir outro capim, que não é comestível para humanos, nem pode ser servido em xícara.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.