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Blog da Lúcia Helena

Não faz sentido as grávidas continuarem ignorando o risco de pré-eclâmpsia

Lúcia Helena

12/09/2019 04h00

    Crédito: iStock

Infelizmente, para as que esperam ou planejam um bebê, esse não é mais um papo fofo sobre fraldas, escolha do nome, ultrassom. Todo ano, a pressão de cerca de 150 mil brasileiras dispara vertiginosamente a partir da vigésima semana de gestação — e olha que esse número, na opinião de muita gente, é bastante subestimado, ao representar apenas cerca de 1,5% das grávidas. A estranheza é porque, no resto do mundo,  esse quadro conhecido como pré-eclâmpsia acomete no mínimo o dobro de gestantes, ou seja, em torno de 3% delas.

No entanto, a discrepância mais perversa aparece quando se olha para as mortes de futuras mamães.  Nas regiões mais desenvolvidas do país, praticamente uma em cada 100 grávidas com pré-eclâmpsia não sobrevive, pois a pressão explode, ao pé da letra, uma série vasos pelo seu corpo, o cérebro convulsiona, órgãos vitais como o fígado e os rins dão sinais de esgotamento.

O problema, aposto, é bem maior do que muita grávida imagina e envolve, ainda, a perda de uma enorme quantidade de proteína pela urina, pois os rins são os primeiros a pedir arrego nessa situação de sufoco. Ah, os olhos também podem chegar com cegueira na mesa de parto, pois a delicada retina não suporta tamanha pressão. Desculpa, é horrível, mas é assim, se nada for feito ou se não for feito direito, com o merecido rigor.

Os dados sobre a doença, porém, são ainda mais cruéis se a gente tiver o cuidado de examinar essa mesma história nas regiões mais carentes do Brasil: nelas, até 8% das mulheres com essa forma de hipertensão durante a gravidez simplesmente não resistem. Isso é coerente com o que se vê pelo mundo afora — faz um sentido triste, mas faz. "Ora, 99% dos casos fatais de pré-eclâmpsia se concentram em países pobres ou em desenvolvimento", nota a  ginecologista Maria Laura Costa, professora da Universidade Estadual de Campinas  e membro da Comissão Nacional de Especialidades em Hipertensão da Febrasgo, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. "A pré-eclâmpsia é bem mais grave naqueles locais onde ela deixa de ser flagrada porque não existe um pré-natal adequado", afirma. 

Se essa encrenca aparece, ela nunca — atenção, nunca! — fica estacionada. Só piora e piora. E aí invariavelmente surge uma escolha difícil, sem dar tempo para ninguém ficar pensando demais na resposta: fazer o parto muito antes da hora para salvar a mãe, mas colocando em risco a saúde do bebê que pode nascer extremamente prematuro. Ou segurar a criança na barriga para que tenha prazo para se aprontar para o mundo, só que de olho nas menores alterações da pressão materna. E, se o controle é mal feito, você já viu…

Atualmente, a médica ginecologista participa de um estudo chamado PREPARE, que envolve diversos centros de Medicina do país com o objetivo de avaliar se a dosagem de duas substâncias no sangue poderia oferecer respostas para perguntas vitais como: é caso de internar a gestante para que seja rigorosamente monitorada no hospital? Bastaria mantê-la em completo repouso em casa só para ganhar tempo? Grave por grave, qual a severidade daquele caso de pré-eclâmpsia e o risco de ele virar eclâmpsia pra valer, quando o pico da pressão faz a probabilidade de sobreviver (ou sobreviver sem sequelas) ficar reduzida à beça? Se os resultados dos testes forem bons, no sentido de confiáveis, eles poderão evitar muita complicação, incluindo bebês prematuros.

Esse exame de sangue deverá ser recomendado só para grávidas com suspeita de pré-eclâmpsia, para dar de vez o veredicto, ou para aquelas que já receberam o diagnóstico, apontando o grau de severidade da paciente e como ela deveria ser cuidada. As duas substâncias dosadas atendem por nomes só a Medicina é capaz de nos oferecer de tão rebuscados: fator de crescimento placentário e tirosina quinase-1. Você pode tentar memorizar as siglas, mas elas não facilitam muito as coisas: PIGF e sFIt-1, respectivamente.

Cá entre nós, o que importa é saber que a dupla de moléculas trata de orquestrar o crescimento de vasos sanguíneos para atender à demanda do bebê que está crescendo no ventre. Só existem duas situações na vida em que o organismo fabrica vasos novinhos em folha: quando tem um câncer e o tumor, guloso, quer ser abastecido de sangue cheio de nutrientes ou quando a mulher está grávida e a placenta faz suas exigências  Mas, no caso de quem tem pré-eclâmpsia, há um desequilíbrio nas substâncias por trás desse fenômeno, mais conhecido por angiogênese. 

Mesmo antes de uma pré-eclâmpsia dar as caras, lá pelo final do primeiríssimo trimestre, o PIGF começa a despencar. E, digamos, ele seguraria a onda da outra molécula, a sFIt-1, que faz os novos vasos sanguíneos surgirem. O desequilíbrio provoca todo um rebuliço, inclusive no revestimento de veias e artérias, com prováveis reações imunológicas no meio do enredo, levando a pressão aos píncaros enquanto a placenta e, claro, o bebê estiverem por lá. Ainda está sendo avaliado se a dosagem desses biomarcadores, que já se encontra disponível em muitos laboratórios, poderá de fato predizer se a mulher terá pré-eclâmpsia ou não e qual a sua gravidade. Mas é provável que sim e esse, então, será um instrumento de prevenção dos mais importantes.

Até porque, por incrível que pareça, dar o flagra na situação não é algo corriqueiro. Há, sem dúvida, um componente genético: quem tem outras mulheres na família que vivenciaram uma pré-eclâmpsia deve ficar esperta. E, claro, encabeça o grupo de risco quem teve pré-eclâmpsia em uma gestação anterior ou que já engravidou com uma pressão mais alta do que o normal. No entanto, há um perigo em se fiar apenas nisso: existem, sim, mulheres que sempre ganharam elogios quando sua pressão era aferida e que foram surpreendidas pela doença quando engravidaram. Pior é que, em casos assim, às vezes a grávida volta para casa achando que sua pressão estava apenas ligeiramente mais alta, nada aparentemente tão sério. Pode até ser um quadro leve de primeira, mas lembre-se do seguinte: na pré-eclâmpsia, uma vez que a pressão começa a subir, não para mais.

Não faz sentido — é quase vergonhoso mesmo — termos um número de mortes e de prematuros tão elevado por falta de esclarecimentos básicos. Um deles: cuidado, dor de cabeça a todo instante, durante a gestação, pode não ser excesso de horas diante da tela do computador, por exemplo. Aquele inchaço imenso nas pernas não é o "normal" da gravidez, se os pés parecem pãozinhos roliços que mal cabem nos sapatos. E atenção, que a dica é da professora Maria Laura: esse inchaço costuma a aparecer também no rosto e nas mãos.

Outros sintomas são enjoos e crises de vômitos — que, em geral, deveriam ter passado depois dos primeiros três da temporada de nove meses espera. Eles também acendem a lâmpada amarela. E há ainda quem reclame de uma dorzinha chata no lado direito da barriga, onde fica o fígado, que é mais um órgão que logo é afetado pelas alterações nos vasos sanguíneos. "Para fechar a lista, não podemos nos esquecer de ficar de olho em um ganho de peso importante, de cerca de 1 quilo por semana", enumera a professora Maria Laura.

Tudo isso junto ou mesmo que seja um ou outro sinal desses, somando-se à subida da pressão, por mais suave que seja, deveria deixar todo mundo bem ligado. Não faz o menor sentido ser diferente. Mas agora, pelo menos, há o tal teste de sangue, para já deixar as mamães mais espertas.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.