Os erros que fazem a gente criar gerações cada vez mais sedentárias
Eu acredito em uma teoria de conspiração: tudo neste mundo aí fora ou, se duvidar, dentro de casa ou até da mesmo da escola é feito para criar gerações sedentárias, que levarão o costume de ficar com o corpo paradinho, sentado ou largado no sofá pela vida afora. Engordando as já infladas taxas de obesidade, claro — mas não só elas. Sobe a pressão (sim, já na infância) e o colesterol salta junto. Diminui a autoestima, despenca a disposição física, a imunidade, o humor e, acredite, até a nota do boletim. Opa, queria que você visse a série de trabalhos científicos mapeando a atividade cerebral da moçada que sacode o esqueleto em alguma atividade física. É muito diferente do cérebro, um tanto mais letárgico, dos jovens que preferem ficar sempre sentados.
É, tudo parece ser contra a ideia de deixar a criança em movimento e quem me botou de vez essa ideia na cabeça foi o professor Luís Carlos de Oliveira, do Celafiscs, o Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul, que é um dos maiores núcleos brasileiros de pesquisa na área das ciências do esporte. Repare: ninguém em sã consciência vai querer o seu o filho se tornando mais um sedentário, já que não praticar exercício é o fio de uma meada de encrencas. Mas há um bocado de erros que passam despercebidos por aí.
Aposto que todos sabem de cor e salteado a importância de um esporte na juventude, de correr, pular, brincar … No entanto, espere chegar a noite e, com ela, o cansaço da jornada, só para dar um exemplo bem trivial (aviso, eu mesma já diz isso). Aí, então, é um tal de "menino, para quieto", "menina, para de ficar pulando na minha frente" ou tem esta, tirada do baú pelo professor Luís de Oliveira: "essa criança está com um bicho-carpinteiro". Cá entre nós, nunca entendi o que o escaravelhozinho roedor de madeira tem a ver com o corpo pedindo movimento…
Luís de Oliveira falou no Simpósio A Pesquisa na Obesidade, realizado a partir de uma parceria da Fundação José Luiz Egydio Setúbal com o Instituto de Estudos Avançados da USP em São Paulo. E, ali, projetou a imagem de uma mãe com a filha na escada rolante do nosso metrô: "A criança é arrastada pelas mãos do adulto para o sedentarismo. A mãe não se dá conta de por que raios não está usando a escada normal logo ao lado. E, na medida em que a gente cresce, alguns comportamentos semelhantes a esse, sempre repetidos, se tornam condicionados", disse. Portanto, erro mais sutil do que a sempre citada falta de exemplo, quando os pais não fazem esporte nem ginástica, é levar a criança junto como quem agarra um filhote de preguiça — junto na tal da escada rolante, junto no sofá diante da tevê, junto no carro para ir só até a esquina.
A revista científica Lancet Child and Adolescent Health acaba de publicar o panorama assustador de 1,6 milhão meninos e meninas entre 11 e 17 anos de 146 países. De acordo com o estudo, quatro em cada cinco adolescentes do planeta são sedentários. Sim, na média, 81% dos jovens não cumprem a meta estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de uma hora de atividade física por dia— e atenção, minha gente, no caso da garotada, criança ou adolescente, essa atividade física não pode, segundo a mesma OMS, ser levinha. Só vale se for de moderada a vigorosa. Todo dia. É, sim, pra suar. E olha que aqui, entre nós, a situação é pior do que a média planetária: 84% dos meninos e meninas não se mexem nessa intensidade durante uma hora.
Outro erro remete àquela velha história: se a mulher poderá ser o que ela quiser, a menina deveria brincar do que bem entendesse, ora! Futebol, por que não? Luta marcial, quem sabe? Por que a garotinha, é sempre induzida a se divertir com boneca e a fazer balé? Parênteses: a dança pode ser, óbvio, um excelente exercício, desde que seja a escolha legítima da pequena bailarina a partir de um leque de opções.
"No mundo inteiro, as taxas de sedentarismo são maiores entre as mulheres e isso começa cedo, por causa dessa mentalidade", observa Luís de Oliveira. De novo, no estudo publicado na Lancet, em 43 dos 146 países analisados, a diferença de porcentagem de meninos e meninas sedentários excedeu 10 pontos. Sim, eles se mexem muito mais em qualquer continente. Então, mamãe e papai, não cismem com as sapatilhas, nem com a brincadeira de casinha, e coloquem a possibilidade de a menina querer calçar um par de tênis, vestir um quimono, experimentar uma calça de capoeira, querer uma bola em vez de um bicho de pelúcia. É simples.
Outro estudo internacional, citado durante a aula no simpósio, foi o ISCOLE. Ele teve a participação de 12 países, sendo o Brasil um deles, com a co-autoria do professor Victor Matsudo, também do Celafiscs."Nós colhemos dados de 584 pré-adolescentes de 10 anos de idade, estudantes de 22 escolas, sendo duas delas privadas", descreveu Luís de Oliveira. "Além de tirar as medidas de todos e checar o volume de gordura por exames de bioimpedância, levantamos os hábitos alimentares, o comportamento da família e muito mais." Durante dez dias, os alunos e as alunas participantes desse trabalho ainda usaram um acelerômetro, equipamento portátil para medir o nível de atividade física. Só o tiravam na hora do banho.
Assim, espantosamente, em todos os países a garotada de 10 anos mostrou que passava, em média, mais de oito horas sentada dia sim e dia sim também. "Se você julgar por tempo de cadeira, a China é notoriamente a campeã", conta Luís de Oliveira. "No entanto, quando a gente analisa o tempo diante de tela, os adolescentes chineses ficam menos de duas horas na frente delas. Sinal de que devem ficar sentados estudando, por exemplo.", deduz Oliveira. Já o resultado do Brasil foi o seguinte: mais de quatro horas por dia só assistindo à televisão. Ou seja, sem contar o tempo com os olhos grudados em outras telas, como a do celular, e com o bumbum colado na poltrona.
Esse longo período parado provavelmente ajuda a entender nosso lugar no pódio da obesidade infantil — "estamos falando de obesidade pra valer, e não de sobrepeso", frisa Luís de Oliveira. "Olhando só para esses 12 países, somos os segundos colocados entre as meninos, perdendo para a China. E também os vice-campeões entre as meninas, ficando atrás dos Estados Unidos", informa o professor. Ou seja, com o segundo lugar no time feminino e com o segundo lugar também no time masculino, no final do campeonato ganhamos de todos. Sim, quietinho, sem fazer barulho, o Brasil já é o campeão em obesidade infantil no estudo ISCOLE, se juntarmos os dois gêneros. Erro maior é fingir que isso não está acontecendo. Já passou da hora de nos mexermos.
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