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Blog da Lúcia Helena

Os erros que fazem a gente criar gerações cada vez mais sedentárias

Lúcia Helena

05/12/2019 04h00

Crédito: iStock

Eu acredito em uma teoria de conspiração: tudo neste mundo aí fora ou, se duvidar, dentro de casa ou até da mesmo da escola é feito para criar gerações sedentárias, que levarão o costume de ficar com o corpo paradinho, sentado ou largado no sofá pela vida afora. Engordando as já infladas taxas de obesidade, claro — mas não só elas. Sobe a pressão (sim, já na infância) e o colesterol salta junto. Diminui a autoestima, despenca a disposição física, a imunidade, o humor e, acredite, até a nota do boletim. Opa, queria que você visse a série de trabalhos científicos mapeando a atividade cerebral da moçada que sacode o esqueleto em alguma atividade física. É muito diferente do cérebro, um tanto mais letárgico, dos jovens que preferem ficar sempre sentados.

É, tudo parece ser contra a ideia de deixar a criança em movimento e quem me botou de vez essa ideia na cabeça foi o professor Luís Carlos de Oliveira, do Celafiscs, o Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul, que é um dos maiores núcleos brasileiros de pesquisa na área das ciências do esporte. Repare: ninguém em sã consciência vai querer o seu o filho se tornando mais um sedentário, já que não praticar exercício é o fio de uma meada de encrencas. Mas há um bocado de erros que passam despercebidos por aí.

Aposto que todos sabem de cor e salteado a importância de um esporte na juventude, de correr, pular, brincar … No entanto, espere chegar a noite e, com ela, o cansaço da jornada, só para dar um exemplo bem trivial (aviso, eu mesma já diz isso). Aí, então, é um tal de "menino, para quieto", "menina, para de ficar pulando na minha frente" ou tem esta, tirada do baú pelo professor Luís de Oliveira: "essa criança está com um bicho-carpinteiro". Cá entre nós, nunca entendi o que o escaravelhozinho roedor de madeira tem a ver com o corpo pedindo movimento…

Luís de Oliveira falou no Simpósio A Pesquisa na Obesidade, realizado a partir de uma parceria da Fundação José Luiz Egydio Setúbal com o Instituto de Estudos Avançados da USP em São Paulo. E, ali, projetou a imagem de uma mãe com a filha na escada rolante do nosso metrô: "A criança é arrastada pelas mãos do adulto para o sedentarismo. A mãe não se dá conta de por que raios não está usando a escada normal logo ao lado. E, na medida em que a gente cresce, alguns comportamentos semelhantes a esse, sempre repetidos, se tornam condicionados", disse. Portanto, erro mais sutil do que a sempre citada falta de exemplo, quando os pais não fazem esporte nem ginástica, é levar a criança junto como quem agarra um filhote de preguiça — junto na tal da escada rolante, junto no sofá diante da tevê, junto no carro para ir só até a esquina.

A revista científica Lancet Child and Adolescent Health acaba de publicar o panorama assustador de 1,6 milhão meninos e meninas entre 11 e 17 anos de 146 países. De acordo com o estudo, quatro em cada cinco adolescentes do planeta são sedentários. Sim, na média, 81% dos jovens não cumprem a meta estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de uma hora de atividade física por dia— e atenção, minha gente, no caso da garotada, criança ou adolescente, essa atividade física não pode, segundo a mesma OMS, ser levinha. Só vale se for de moderada a vigorosa. Todo dia. É, sim, pra suar. E olha que aqui, entre nós, a situação é pior do que a média planetária: 84% dos meninos e meninas não se mexem nessa intensidade durante uma hora.

Outro erro remete àquela velha história: se a mulher poderá ser o que ela quiser, a menina deveria brincar do que bem entendesse, ora! Futebol, por que não? Luta marcial, quem sabe? Por que a garotinha, é sempre induzida a se divertir com boneca e a fazer balé? Parênteses: a dança pode ser, óbvio, um excelente exercício, desde que seja a escolha legítima da pequena bailarina a partir de um leque de opções. 

"No mundo inteiro, as taxas de sedentarismo são maiores entre as mulheres e isso começa cedo, por causa dessa mentalidade", observa Luís de Oliveira. De novo, no estudo publicado na Lancet, em 43 dos 146 países analisados, a diferença de porcentagem de meninos e meninas sedentários excedeu 10 pontos. Sim, eles se mexem muito mais em qualquer continente. Então, mamãe e papai, não cismem com as sapatilhas, nem com a brincadeira de casinha, e coloquem a possibilidade de a menina querer calçar um par de tênis, vestir um quimono, experimentar uma calça de capoeira, querer uma bola em vez de um bicho de pelúcia. É simples.

Outro estudo internacional,  citado durante a aula no simpósio, foi o ISCOLE. Ele teve a participação de 12 países, sendo o Brasil um deles, com a co-autoria do professor Victor Matsudo, também do Celafiscs."Nós colhemos dados de 584 pré-adolescentes de 10 anos de idade, estudantes de 22 escolas, sendo duas delas privadas", descreveu Luís de Oliveira. "Além de tirar as medidas de todos e checar o volume de gordura por exames de bioimpedância,  levantamos  os hábitos alimentares, o comportamento da família e muito mais." Durante dez dias, os alunos e as alunas participantes desse trabalho ainda usaram um acelerômetro, equipamento portátil para medir o nível de atividade física. Só o tiravam na hora do banho.

Assim, espantosamente, em todos os países a garotada de 10 anos mostrou que passava, em média, mais de oito horas sentada dia sim e dia sim também. "Se você julgar por tempo de cadeira, a China é notoriamente a campeã", conta Luís de Oliveira. "No entanto, quando a gente analisa o tempo diante de tela, os adolescentes chineses ficam menos de duas horas na frente delas. Sinal de que devem ficar sentados estudando, por exemplo.", deduz Oliveira. Já o resultado do Brasil foi o seguinte: mais de quatro horas por dia só assistindo à televisão.  Ou seja, sem contar o tempo com os olhos grudados em outras telas, como a do celular, e com o bumbum colado na poltrona.

Esse longo período parado provavelmente ajuda a entender nosso lugar no pódio da obesidade infantil — "estamos falando de obesidade pra valer, e não de sobrepeso", frisa Luís de Oliveira. "Olhando só para esses 12 países, somos os segundos colocados entre as meninos, perdendo para a China. E também os vice-campeões entre as meninas, ficando atrás dos Estados Unidos", informa o professor. Ou seja,  com o segundo lugar no time feminino e com o segundo lugar também no time masculino, no final do campeonato ganhamos de todos. Sim, quietinho, sem fazer barulho, o Brasil já é o campeão em obesidade infantil no estudo ISCOLE, se juntarmos os dois gêneros. Erro maior é fingir que isso não está acontecendo. Já passou da hora de nos mexermos.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.