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Blog da Lúcia Helena

O que nossas células revelam: engordar demais é envelhecer antes da hora

Lúcia Helena

27/02/2020 04h00

iStock

Foi observando crianças bem acima do peso que a fisiologista canadense Sylvia Santosa, professora da Universidade Concórdia em seu país, teve um estalo: muitos desses meninos e meninas apresentavam doenças de velho, por assim dizer. Alguns tinham se tornado hipertensos como seus avós, por exemplo. E outros receberam o diagnóstico de diabetes tipo 2, uma forma da doença que, no passado, já foi até conhecida como diabetes senil  para refrescar a memória. "Certamente, deveria existir algo na obesidade acelerando o envelhecimento", pensou Sylvia. E, como boa cientista, resolveu ir atrás.

Ao lado de colegas de outra universidade canadense, a McGill, ela revisou mais de 200 trabalhos científicos focando os efeitos da obesidade no organismo humano. "E é impressionante como os problemas que aparecem como consequência do excesso de peso são os mesmos que surgem com o avançar da idade", disse, em entrevista ao blog. "Não me refiro apenas a doenças cardiovasculares e ao diabetes, que já mencionei, mas a danos nos genes, fragilidade das células de defesa, declínio cognitivo…".

Não à toa, para ela e os co-autores, obesidade e envelhecimento seriam "dois lados de uma mesma moeda". Aliás, foi mais ou menos esse o nome que decidiram dar ao trabalho que realizaram, recém-publicado no periódico científico Obesity Reviews.

A professora Sylvia Santosa conta que, então, quis entender os mecanismos por trás dessa semelhança entre as duas condições. Isto é, o que se passaria na intimidade das células envelhecidas ou de quem carregava muitos quilos a mais. "E o que vi só confirmou que o envelhecimento e a obesidade são  processos que caminham em paralelo", diz.  Bom eu ressaltar que os canadenses não foram os únicos a notar essa igualdade, mas talvez sejam um dos primeiros times a comparar o que acontece no núcleo celular em uma condição e em outra, por exemplo.

E assim eles perceberam que as extremidades dos cronomossos, os telômeros, se tornam mais curtas nas duas situações. Feito aquelas pontas de plástico nos cardarços de tênis, os telômeros — o nome, do grego, significa "parte final" — em princípio servem como uma espécie de proteção para o material genético. No entanto, na medida em que as células se dividem e se multiplicam durante a nossa existência, eles vão diminuindo de tamanho. 

Recém-nascidos têm telômeros longos. Já em uma pessoa idosa, eles são tão curtos que mal protegem o DNA de danos — que, então, são bem mais prováveis de ocorrer. Podemos dizer que, nesse encurtar ao longo da vida, os telômeros são feito ampulhetas marcando as nossas fases. E é um fato: "Se eu pegar pessoas da mesma idade, os telômeros de quem tiver obesidade serão cerca de 25% menor", diz a professora Sylvia.  Ou seja, sim, do ponto de vista do organismo, a obesidade acelera o envelhecimento. É o que cada célula do corpo, sem exceção, nos diz.

Sylvia Santosa e seus pares também revisaram estudos apontando que determinados processos celulares acontecem de outra maneira em idosos e em quem permanece acima do peso. "A capacidade de reparar danos, como um todo, diminui", resume a cientista. Segundo ela, a obesidade, tal qual o envelhecimento, parece inibir um processo chamado autofagia, que já rendeu um Nobel em 2016 ao seu descobridor, o japonês Yoshinori Ohsumi.  

Graças à autofagia, células que estão dando problemas são destruídas. "Sabemos que a desaceleração desse processo está relacionada ao declínio cognitivo e a males como o Alzheimer, entre muitos outros", exemplifica a pesquisadora. Em compensação, em organismos com obesidade pode existir uma tendência maior à apoptose, uma espécie de suicídio celular, só que em tecidos sadios. Isso ao menos já foi constatado em ratos de laboratório. Quando as cobaias ganhavam peso, os cientistas podiam observar mais apoptoses nos rins, no coração, no cérebro… Nos idosos, essa seria uma possível explicação de por que tudo neles, quando envelhecem mal, funciona fora do compasso.

Tem mais: assim como o sistema de defesa de quem é mais velho parece não agir com a destreza de antes, tanto que o risco de pegar uma infecção é maior, de acordo com o trabalho canadense, sem importar a idade, algumas células imunológicas são particularmente afetadas pelo excesso de peso e deixam de ter a prontidão esperada delas. "Isso ajuda a gente a compreender por que a prevalência de gripe é maior em indivíduos com obesidade, se comparados a pessoas com peso normal", diz a professora.

A esperança dela é de que o trabalho crie novas abordagens da doença e, principalmente, sensibilize os próprios pacientes com peso exagerado. Afinal, as pessoas sempre acham que dá para emagrecer amanhã ou depois, sem terem a noção de que, para quem tem obesidade, o tempo é outro — ele passa mais veloz. Portanto, para a saúde, qualquer espera pode ser maior e mais custosa do que a gente imagina.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.