Inédito: teste brasileiro para flagrar o coronavírus apresenta vantagens
Cientistas do Grupo Fleury desenvolveram um teste inédito no mundo que, hoje mesmo, já está disponível em todo Brasil. Mais acessível e mais rápido do que o exame padrão-ouro, o RT-PCR, ele leva algumas vantagens para acusar a covid-19 em um país como o nosso, em que muitas vezes o teste genético não conta a verdade — isto é, não acusa o inimigo — por causa de grandes distâncias entre as cidades e até diferenças de clima.
O teste brasileiro também poderá indicar em um futuro breve quem pegou o vírus, mas já não está transmitindo a doença, podendo deixar o isolamento com tranquilidade. Isso porque o PCR de uma pessoa que foi infectada costuma dar positivo por um longo período. No entanto, hoje se sabe, muitas vezes o que resta em seu corpo é comparável a um vírus já caindo aos pedaços, que perdeu toda a capacidade de infectar outras pessoas. Portanto, não haveria mais perigo. O novo exame dá sinais de que apontará se esse coronavírus se tornou capenga ou ainda não. Isso, claro, terá um belo impacto.
Alternativa para quem vive onde não existe o exame genético
Em boa parte do território nacional, fazer o famoso teste RT-PCR que flagra o material genético do novo coronavírus é um problema e tanto. E não só porque podem faltar reagentes para realizá-lo, drama que o Brasil experimentou do Oiapoque ao Chuí no início da pandemia. Tampouco apenas por não existir um lugar com essa tecnologia por perto.
O perrengue maior é outro: é que o tal material genético do Sars-Cov-2 calha de ser um RNA, uma molécula frágil, que não suporta muito bem longas viagens até chegar a algum canto com um grande laboratório onde o exame do RT-PCR possa ser feito. Na verdade, o RNA nem aguenta variações de temperatura.
Exigente, só chega bem ao seu destino se a amostra colhida pelo swab — aquela espécie de cotonete longo enfiada pelo nariz ou pela garganta — for mantida no gelo seco. "Pouca gente faz ideia, mas existem capitais no país onde simplesmente não existe gelo seco", comenta o infectologista Celso Granato, diretor médico do Grupo Fleury, que apresenta uma solução para essa e outras dificuldades. Não à toa, o artigo científico sobre o teste brasileiro, submetido a uma revista de peso fabuloso nos meios acadêmicos, já foi acessado por mais de 3 mil pesquisadores ao redor do globo em uma única semana.
Há dois meses, cientistas do Grupo Fleury — liderados pelo biólogo Valdemir Melechco Carvalho e pela bioquímica Karina Cardozo — se debruçam em uma alternativa fora do campo da biologia molecular. Ou seja, saíram da caixinha onde era guardada a ideia fixa de caçar o material genético do vírus. Fizeram isso até pelo trauma justificável de o mundo inteiro disputar na queda-de-braço para comprar os reagentes do bendito RT-PCR. Os brasileiros, então, miraram para outro lado.
O pulo do gato: as proteínas exclusivas do Sars-CoV-2
Para entender o que fizeram, o professor Granato compara um vírus a uma uva, que tem a pele, a semente — que seria o RNA — e a polpa. Pois bem: imagine que os pesquisadores olharam para a polpa. Ali, no caso do novo coronavírus, existem proteínas de montão. "Afinal, é um vírus grande, que tem três vezes o tamanho de um vírus do resfriado comum", explica o médico.
Mas, entre essa série enorme de proteínas, três delas — descobriram os pesquisadores do Fleury — estão no maldito Sars-CoV-2, nele e em nenhum outro vírus mais. Aliás, o trio não está nem sequer em outros coronavírus que já se encontravam entre nós. É bem específico mesmo.
Para flagrá-lo, o equipamento usado é o da espectometria de massas. Embora não seja comum em laboratórios pelo Brasil afora, no Fleury já ele é usado há dez anos para flagrar drogas como a cocaína ou substâncias envolvidas em tumores neuroendócrinos, citando dois exemplos.
"A especificidade dessa tecnologia para detectar o novo corovírus é de 100%', garante o professor Granato. Em outras palavras, se dá positivo, é ele que está no pedaço sem sombra de dúvida. Porém, a sensibilidade é mais baixa do que a do PCR — hoje, está em torno de 84% e a meta é que suba para 90%. Por ora, isso quer dizer que entre as quase 600 pessoas que foram testadas desse jeito, para a validação científica da novidade, o exame não percebeu a presença do coronavírus em 16%.
"Por isso, o PRC continuará sendo usado em lugares onde ele é disponível", conta o professor Granato. Nas demais regiões, porém, o novo exame, que é o de proteômica dirigida — grave, pois este é o nome —, deverá ser de longe a melhor opção. Entenda o motivo: a sensibilidade altíssima do RT-PCR só vale quando a amostra é fresquinha, colhida na hora e processada depressa. Ela despenca se o RNA viral precisa pegar um ou até mais voos. Aí, pode chegar a ser bem inferior a esses 84%. O novo teste, então, compensará mais.
Como é o teste de proteômica dirigida
O nome é complicado, mas no processo com o paciente não há grande novidade. Continua sendo o velho swab. Só que agora ele poderá pegar de boa um avião do Acre ou do interior da Bahia para São Paulo, por exemplo, depois de a amostra ser colhida em um laboratório local — laboratório que poderá, se for o caso, fazer parcerias com o SUS.
Durante a viagem, a amostra aguenta firme, mantida apenas em uma simples solução de água e sal estéreis e — atenção — na temperatura ambiente típica do nosso clima por até longas cinco horas. "Se seguir viagem em um recipiente com gelo comum, então, esse tempo pode se multiplicar", observa o professor Granato.
Por falar em multiplicação, a capacidade atual do Grupo Fleury é de realizar 1,5 mil desses novos exames por dia, porque foram destacadas até o momento três máquinas para essa finalidade e cada uma dá conta de 500 testes diários. Claro, se o número de equipamentos aumentar, essa escala mudará também.
Uma vez no laboratório, a amostra passa por um processo que separa as proteínas em várias porções. Ele é chamado de cromatografia. "O nome vem de cor porque, no passado, essa tecnologia era empregada para corantes", conta o professor Granato. Depois, na segunda etapa, são detectadas as tais três proteínas exclusivas do Sars-Cov 2. Tudo leva cerca de quatro horas. Ou seja, a novidade é também mais rápida do que o RT-PCR, que consome seis horas de bancada, no jargão da ciência.
O teste por proteômica é ligeiramente mais barato também. "Não muito, mas cerca de 15% mais em conta do que o de PCR", informa Celso Granato. O Grupo Fleury vai praticar um preço entre 170 e 180 reais por exame.
O RNA pode enganar e prolongar o isolamento
Este é um fato. Uma vez que foi infectado, o indivíduo pode continuar apresentando o RNA do novo coronavírus por quatro semanas ou até mais. Na pior das hipóteses, a mucosa que reveste o nariz, que fica impregnada do vírus, se renova a cada dois ou três meses. "Mas isso não significa que persista ali um vírus que ainda seja capaz de ser transmitido de uma pessoa para outra", diz o professor Granato. "Por isso, a positividade do RT-PCR não é tida como bom critério para definir a duração do isolamento. Já o teste por proteônica dá sinais de que poderá revelar se o vírus já perdeu sua capacidade de infectar", conta.
Da mesma maneira como isso ainda está sendo avaliado, os cientistas começam a aplicar o novo teste em outros fluidos do corpo. Por exemplo, em amostras do líquor, já que infelizmente o coronavírus mostrou ser capaz de causar danos neurológicos. Outra suspeita sob investigação é de que a quantidade daquelas três proteínas virais, no caso, tenha uma relação com a gravidade ou o estágio da doença.
E por que não sair testando assim os assintomáticos?
Porque testes para dizer que uma pessoa está com o vírus naquele momento — seja este novo ou o RT-PCR — exigem uma carga viral razoável. E é muito improvável que alguém sem qualquer sintoma, ainda que bem leve, carregue coronavírus o suficiente para ele aparecer no resultado, embora possa transmiti-lo.
Além disso, esses testes precisam ser realizados no espaço entre o sétimo e o décimo dia após a infecção, sendo que o auge da replicação é, em média, no quarto dia de sintomas. Antes disso? Dificilmente será descoberto. "E depois do sétimo dia, por sua vez, a sensibilidade do próprio RT-PCR pode cair para menos de 50%", avisa Celso Granato. O que isso quer dizer: a pessoa que faz esse teste tarde demais pode ter o vírus e o exame não dedurá-lo.
No sentido oposto, o exame pode dar positivo para um coronavírus que até está ali, mas deixou se ser ameaça. Que momento é esse em que o perigo passa? Seria preciso entender mais, muito mais da fisiologia do próprio vírus e, parece, a observação dessas três proteínas exclusivas dele poderá oferecer boas explicações. Por enquanto, ter em mãos um teste que resolve a situação onde o RT-PRC não era viável já é um enorme passo. E já passa da hora de a gente ter uma boa notícia.
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