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Blog da Lúcia Helena

Covid-19: o que é pior, um lugar com janela aberta ou com ar-condicionado?

Lúcia Helena

23/07/2020 04h00

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Ande pelas ruas usando a sua máscara e sem ficar tocando no tecido nem levando as mãos aos olhos.  Também mantenha aquela distância básica de 1,5 metro de quem ameaçar cruzar o seu caminho. Agindo assim, você estará 18 vezes mais protegido de pegar o Sars-CoV 2 nesse passeio por calçadas do que no instante em que entrar em qualquer lugar fechado. O perigo só ficaria equiparável se houvesse aglomerações — a rigor, não há céu aberto que nos proteja em uma praia lotada, por exemplo.

Essa comparação do risco de transmissão foi calculada por um estudo chinês que avaliou 7.324 casos de infecção pelo novo coronavírus. Não é o único trabalho científico nessa linha. Mas todos os outros estudos apontam para uma probabilidade bem maior de contaminação naquela loja de bairro, no salão de beleza, no banco, no mercado, na farmácia… Enfim, em tese a situação é mais grave quando a gente passa por uma porta e fica entre quatro paredes. 

Ah, sim, o risco já cai bastante com o uso de máscaras nesses recintos. Mas vamos imaginar que um sujeito infeliz a tire por um instante — se estiver infectado, será só ele expirar ou falar qualquer coisinha para o coronavírus dar uma escapulida. Ou talvez a máscara esteja úmida, saturada, sem tanta eficiência.

Nessa hipótese, aerossóis repletos de coronavírus, expelidos pelo nariz e pela boca, irão pairar feito nuvem e a discussão é se o ar-condicionado não ficaria jogando-os de volta, prolongando sua permanência ali, embora não existam evidências claras do fenômeno. Seria então o caso de desligar o equipamento preferindo abrir portas e janelas?  Adianto a resposta: depende.

O papel quase desconhecido do ar-condicionado 

"O que a covid-19 faz é escancarar um problema, o da qualidade do ar", diz o engenheiro civil Leonardo Cozac, diretor de operações da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento, a ABRAVA. Há 25 anos, ele trabalha justamente com isso.

"A gente aprende ainda na escola sobre a importância de a água ser limpa, insípida, incolor e inodora. E, se lhe servirem uma água diferente, você irá reclamar por ameaçar a saúde", compara. "Certíssimo, mas lembre-se que você bebe 2 litros de água por dia e respira, nessas mesmas 24 horas, cerca de 10 mil litros de ar.  No entanto, sobre o ar a gente não pensa. Só respira."

E, ao simplesmente abrirmos as janelas de casa ou do escritório, o que inspiramos não é diferente do que está na cidade lá fora. É aí, segundo Leonardo Cozac, que o ar-condicionado pode até ajudar, ao filtrar boa parte da sujeira que veio da rua. E, sobretudo, se puder trocar o tempo inteiro o ar do interior, dispersando até mesmo gotículas com o vírus, se existirem por ali.

Claro, ninguém compra ou liga o aparelho pensando nisso, ou seja, em respirar um ar mais saudável. "O que as pessoas querem é o conforto térmico e nem fazem ideia de que esse é apenas um pedaço — talvez o mais atrativo, mas não o mais importante — dessa tecnologia", observa o engenheiro.

No entanto, o ar-condicionado também pode piorar bastante as coisas. É quando o equipamento não é instalado por um profissional especializado. Ou quando não cuidam de sua manutenção. Nesse ponto, o Brasil tem uma lei há 22 anos, segundo a qual todo e qualquer estabelecimento que não seja residencial precisa manter o seu ar-condicionado em perfeitas condições. O problema é que não há braços para fiscalizar tudo, inclusive a lojinha de bairro. 

"O sistema de ar-condicionado pode ser comparado a um carro", diz o engenheiro Cozac. "Se eu dirigir com pneus carecas, será um perigo." Para bom entendedor, nestes tempos, aparelhos sem manutenção agravam o risco de contaminação. E a ameaça vai para as alturas se não há ou se não é acionada a função de renovação.

A atmosfera de casa 

Em matéria de coronavírus e outros contaminantes, para quem tem um ar-condicionado em casa, se ele estiver em dia com a manutenção, não prejudica em nada. Mas também traz pouco benefício. Os equipamentos usados em residências em geral são do tipo split,  uma espécie de refrigerador de ar, que fica botando para circular novamente o que já estava no ambiente, enquanto o ar da nossa casa deveria ser trocado.

Portanto, sim, aproveite alguns horários do dia para deixar as janelas abertas. A boa ventilação é fundamental para a saúde, ainda mais em tempos de covid-19, embora a casa da gente não seja um local de grande circulação.

Em lojas maiores, supermercados e edifícios corporativos

"Alertados sobre a importância da ventilação para diminuir os riscos durante a pandemia, alguns estabelecimentos estão desligando o ar-condicionado, que em alguns casos não têm mesmo essa função, achando que é melhor deixar tudo aberto. Só que não é tão simples, porque depende da área, do tamanho das janelas para o ar circular, do clima externo, se está ventando ou não…", avisa Leonardo Cozac. 

Noutro dia, o engenheiro entrou em uma grande loja que estava assim, com o equipamento desligado e as portas escancaradas. "Chamei o gerente e expliquei que, no máximo, o ar de fora passava uns 5 metros adentro", conta. "Desse jeito, agentes contaminantes como o coronavírus poderiam continuar pairando no fundão do local".

No caso dessa loja, o ar-condicionado era central e os funcionários só não tinham noção de que deveriam acionar o modo renovação. Cá entre nós, muitas vezes isso — que deveria ser feito sempre, com ou sem coronavírus — é deixado de lado para cortar despesas com energia. No calor, o ar de fora chega aquecido, então é preciso gastar mais para tornar o clima fresco. 

Segundo Cozac, existem ainda muitas empresas com o tal do split que só climatiza. O exigido, então, é que façam a adequação do sistema — por exemplo, criando aqueles buracos nas paredes com ventiladores, que obrigam o ar interno a sair fazendo o de fora entrar.

Mas, em suma, fique esperto: um local de médio ou grande porte com ar-condicionado desligado é risco na certa. Não basta que escancarem portas e  janelas. Elas não dão conta.

Os ares dos shopping centers

Na pandemia, os  shoppings são obrigados a ligar o sistema para renovar o ar duas horas antes de abrirem para o público e devem mantê-lo funcionando até duas horas depois de todo mundo ir embora. "Justamente para mandar para fora partículas com o vírus, caso alguém contaminado tenha ido às compras", explica Cozac.

Importante, uma coisa de que eu não sabia: os shoppings geralmente são responsáveis pelo ar das áreas comuns. Mas cada loja que trate de cuidar do seu próprio sistema de ventilação. Opa, só que muitas vezes ele inexiste — embora a lei exija —, porque, de novo, elas só têm o split para deixar a temperatura amena.

Se é assim, essas lojas devem deixar as portas abertas –  credo, essas de shopping nem têm janelas! E lá ou em qualquer canto que não seja moradia, é direito do frequentador pedir ao gerente ou ao responsável para ver o certificado comprovando que estão tomando todos os cuidados com o ar daquele ambiente interno para evitar, inclusive, a transmissão de doenças. Você fazia ideia disso?

Bares, restaurantes pequenos, lojinhas de rua…

É a mesma coisa sempre: todos deveriam garantir a renovação do ar por lei. Como, na prática, muitos não instalaram esse sistema, por segurança procure entrar só naquele estabelecimento de pequeno porte que mantém portas e janelas bem abertas. "No caso de bares e restaurantes, se houver área externa, melhor se sentar nelas", aconselha Cozac.

Em salas de aula ou de escritório

Certa vez, o engenheiro viu uma escola que, por causa do verão escaldante, instalou splits nas salas que abrigavam cerca de 30 crianças. E, claro, mantinha as janelas fechadas para o friozinho não escapar.

"Pedi licença para levar  um equipamento que media o nível de gás carbônico e encontrei 5 mil ppm ou partes por milhão", lembra. O limite saudável é 1 mil ppm. Mas claro: confinadas ali dentro, as crianças iam consumindo o oxigênio e liberando cada vez mais  gás carbônico. "O excesso desse gás provoca cansaço, sonolência e dores de cabeça", fala o engenheiro. Em tempos de covid-19, isso é até o de menos…

O que o novo coronavírus tem a ver com o CO2

O gás carbônico, no caso, é um marcador, um dedo-duro que entrega se aquele ar está sendo trocado ou não. Se um lugar está dentro do limite de 1 mil ppm, é possível garantir que eventuais produtos voláteis e nocivos quando inalados estão de fato se dispersando.

"Em um salão de beleza, poderiam ser as  moléculas do removedor de esmalte ou de tratamentos químicos para os cabelos", exemplifica. Por sua vez, se tudo isso está se espalhando, não seria diferente com eventuais aerossóis carregando agentes causadores de doenças, como o Sars-Cov 2. Ou seja, indiretamente, pouco gás carbônico em ambiente interno indica um ar seguro para a gente respirar.

E dentro do carro?

"Todo veículo tem um botão de renovação do ar no painel", chama a atenção Cozac. O problema é você ligar o ar-condicionado sem apertá-lo. "Certa vez, não o liguei e fiz uma medição no meu carro. A temperatura permaneceu em agradáveis 22 graus Celsius, parecia o paraíso. Mas em dez minutos já encontrei 4 mil ppm de gás carbônico", conta Cozac."Imagine o risco para uma família que pega a estrada à noite, com todos respirando dentro do veículo e o motorista ficando cada vez sonolento."  

Hoje, além do risco de acidente, o medo é da covid-19. Portanto, ao pegar ou dar carona, entrar em táxis ou chamar carros de aplicativos, foque no painel e note se o tal botão de renovação está acionado. Se não estiver, peça para abrir totalmente as janelas do carro, diminuindo o azar de se contaminar. Afinal, a ideia é essa — que bons ventos levem o Sars-CoV 2 para bem longe de nós.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.