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Blog da Lúcia Helena

"A gente não pode cair na armadilha da corrida pela vacina"

Lúcia Helena

08/09/2020 04h00

Divulgação

Tive um chefe que repetia: uma empresa contrata um funcionário e leva um ser humano junto. Não pude deixar de me lembrar da frase ao entrevistar José Carlos Felner, presidente da GSK no Brasil. Fico imaginando se quem o contratou há mais de 40 anos, quando ele passou a atuar no setor farmacêutico, vislumbrava o quanto a história de vida do rapaz refugiado, que então trabalhava em um posto de gasolina no Rio de Janeiro, impactaria a sua maneira de enxergar os desafios de uma pandemia.

Felner nasceu em Moçambique, como sua mãe, filha de indianos de religiões e castas diferentes que tiveram de abandonar o país de origem, onde o casamento deles jamais seria aceito. Já o pai, um português de família alemã e austríaca, se mudou para a África para trabalhar como engenheiro agrônomo. 

Os amigos de infância eram negros, paquistaneses, indianos e alguns chineses. A educação foi católica, mas boa parte dos colegas era muçulmana. Portanto, o garoto Felner acabava entrando na mesquita umas três vezes por dia nos horários das orações. E assim se familiarizou com o Alcorão tanto quanto com a Bíblia.

"Por conta da diversidade, meus pais fizeram uma lavagem cerebral nos filhos: não deveríamos fazer nenhuma distinção entre seres humanos", ele conta.  E esse ensinamento pesa quando todos correm atrás de uma vacina para a covid-19. Felner se recusa a correr. Porque não acredita que, na disputa de velocidade, vamos chegar em uma imunização para todos.

A GSK, diga-se, distribui 2 milhões de vacinas por dia ao redor do mundo. Só no nosso país, entrega três doses a cada ínfimo segundo. Há mais de três décadas é parceira do Programa Nacional de Imunizações do governo, que derrubou em mais de 77% a nossa mortalidade infantil.

Depois de ter passado por várias áreas da companhia, Felner aterrissou no universo das vacinas em meados dos anos 1990 e nunca mais quis sair. "A ficha caiu: eu não estava mais falando de tratar doenças e, sim, de manter as pessoas saudáveis", justifica.

Como o executivo veio parar aqui? Na Guerra Civil que explodiu em Moçambique no final dos anos 1970, o pai teve autorização para retornar à Europa, levando a esposa e o filho caçula. Mas a Felner, por ser maior de 18 anos, só restou a alternativa da fuga.

As Nações Unidas, então, lhe deram três opções de destino. Ele escolheu o Brasil, inclusive pela lembrança afetuosa do avô materno, anarquista, que organizava protestos pela construção de uma represa ao som de "Tomara que Chova", marchinha de Carnaval das antigas, criada por Romeu Gentil e Paquito.

Hoje, o executivo está tremendamente ligado ao Covax, a coalização de 165 países para garantir que todos, incluindo os mais pobres, tenham acesso a uma vacina contra o novo coronavírus quando ela chegar. E a própria GSK está desenvolvendo uma delas, em uma parceria inusitada com a Sanofi. Inusitada por ser a sua maior concorrente.  E porque não querem ser os primeiros a cantar vitória na tal corrida. Na entrevista a seguir, José Carlos Felner explica por que "' gente não pode cair na armadilha da corrida pela vacina" e ensina um bocado sobre o mundo da produção de imunizantes.

VivaBem: Muitos especialistas dizem que pensar em uma vacina para uso individual é uma coisa e pensar em vacinação para a saúde pública é outra completamente diferente. Por que motivo?

José Carlos Felner: Para explicar, devo esclarecer alguns conceitos. Um deles é a questão das doses. Vamos pegar o exemplo da vacina contra a hepatite A. Se eu faço uma única dose coletiva, isto é, em toda a população, eu contenho a sua transmissão em massa. E talvez você estranhe, porque se for a uma clínica de vacinação particular, vai tomá-la uma segunda vez como reforço. É que, no caso da vacina de hepatite A, a dose ótima equivaleria a duas aplicações. Mas sabemos que os orçamentos dos governos são limitados e que, se eles oferecerem uma única dose, já evitarão um enorme problema de saúde pública. Aí, se a pessoa por acaso desenvolver a doença, ela será branda. E, mais importante do que isso, esse indivíduo que tomou a vacina uma única vez deixará de ser um vetor de contaminação, prevenindo surtos e epidemias. Outro conceito crítico, pensando em saúde pública no contexto de uma pandemia, é o da tecnologia para produzir a vacina.

Como assim?

Felner: Simples, você pode ter a melhor tecnologia do mundo e, se não conseguir produzir vacina para um atendimento global, essa tecnologia não servirá para nada. Em uma pandemia, pensar em vacinação para uso individual é um egoísmo como nação e como classe social. Sem contar que é uma ilusão, porque americanos e ugandenses, ricos e pobres, ninguém está a salvo. Se não vacinarmos todos de uma vez, muitas pessoas continuarão sujeitas a adoecer, porque não ficarão para sempre trancadas em casa. São preocupações assim que a GSK tem em comum com a Sanofi. Daí fazer muito sentido as duas companhias estarem desenvolvendo em colaboração uma vacina contra o novo coronavírus. Sem contar a diversidade de centros de produção que essas duas empresas têm pelos continentes.

"Boa parte das vacinas doadas a países africanos perde eficácia por causa das variações de temperatura no transporte"

Só GSK tem dezesseis fábricas de vacinas ao redor do mundo. Na sua opinião, esse é um ponto importante, digo, a vacina ser produzida em diversos continentes?

Sem dúvida. Não adianta a gente cumprir os requisitos anteriores de uma vacina — como ser eficaz e capaz de ser produzida em massa — , se não distribuí-la direito pelo mundo inteiro. A logística de distribuição sempre se revela um elo frágil durante uma pandemia. E isso vale para qualquer coisa, de comida a sapatos. Mas garanto que, com vacinas, é ainda mais complicado. Para ter ideia, boa parte das vacinas doadas a países africanos pobres perde eficácia por causa das variações de temperatura no transporte e de outras condições logísticas.  Elas se tornam inócuas e, em alguns casos, até perigosas. Por isso que afirmo: ter centros de produção por todo o globo facilitará a distribuição de uma vacina contra o coronavírus.

"Se precisarmos produzir milhões de vacinas e, depois de quatro meses, tivermos de produzir tudo de novo para um reforço, será inviável"

Precisar ou não precisar tomar uma dose de reforço seria outro aspecto crítico?

Existem muitos aspectos críticos. Mas, sim, o que chamamos de sustentação da proteção é um deles. Imagina eu produzir todo esse volume de vacinas e, depois de quatro meses, precisar produzir tudo de novo e distribuir mais uma vez. Depois de um ano, repetir. Isso fatalmente irá estressar o sistema, se tornar inviável economicamente e, pior, é possível que a cobertura vacinal caia com o tempo. Infelizmente, é o que costuma acontecer quando há a necessidade uma sucessão de doses — as pessoas vão deixando de tomá-las. Justamente por termos tantos desafios é que faço a seguinte provocação: a gente não pode cair na armadilha da corrida pela vacina. Se eu pensar só em mim, claro, a vacina que chegar primeiro me interessará bastante. Vou querer colocar no carro a minha família e as pessoas de que gosto para sermos os primeiros da fila. Mas, quando estamos falando de uma pandemia — e, portanto, da humanidade —,  essa não pode ser a discussão central. Temos, aliás, coisas bem mais importantes para discutir.

A questão da propriedade intelectual de quem desenvolver uma vacina contra a covid-19 seria uma delas?

Claro que sim. Não adianta apelar para a solução simplista de quebrar a propriedade intelectual, fazer uma licença compulsória e dizer que determinada vacina é do mundo e não pertence a ninguém. Ora, passaremos por outras pandemias. Como, aliás, já passamos, se a gente lembrar daquela de H1N1 em 2010, quando a GSK forneceu a vacina. Portanto, se você desrespeita a propriedade intelectual, em uma próxima vez em que precisar de vacinas, não irá ter, porque a fábrica irá falir. Quando existe uma pandemia, os investimentos são brutais. Imagine agora: só para o Brasil, vamos precisar de 220 milhões de doses, que deverão ser produzidas em um curto espaço de tempo. Isso exige um complexo industrial enorme, inclusive. E depois, faz o que com essa fábrica?

Agora, vamos falar desse casamento entre a francesa Sanofi e a área de vacinas da GSK, que tem origem belga. As duas são concorrentes há décadas e agora se juntam para desenvolver uma vacina contra o Sars-CoV 2. Como é essa parceria?

A GSK é líder, disparado, em vacinas. A liderança no mercado de vacinas, bom eu explicar, não se mede pelo valor do negócio,  mas pela quantidade de doses distribuídas e pelo tamanho do portfólio, porque esse seria o impacto real na sociedade. Temos uma incrível diversidade de tecnologias — vírus vivo, atenuado, elementos genéticos replicados… Já a Sanofi é a segunda maior companhia de vacinas do mundo. Depois é que vêm os outros, com três vacinas, quatro vacinas cada um, algo assim. Sanofi e GSK, unidas, têm dezenas de centros de produção em quatro continentes e um baralho de opções enorme em termos de tecnologias para criar uma vacina contra o novo coronavírus que atenda aos critérios que já mencionei — eficácia, sustentabilidade de proteção, ser logisticamente viável, tornando possível adaptar rapidamente plantas industriais já existentes e, depois, também depressa, readaptá-las para não termos fábricas ociosas. Sinceramente, não vejo nada de mais em trabalhar em colaboração com uma concorrente por uma causa de saúde pública global.

Nesse trabalho de colaboração, vocês dividiram tarefas, por assim dizer. Quem faz o quê?

Estamos entrando com um sistema do que chamamos de adjuvante — um sistema, diga-se, que já foi bastante utilizado e, portanto, testado na vacina pandêmica de H1N1 e na vacina contra o câncer do colo do útero, entre outras. Toda vacina tem um elemento central, que é o famoso antígeno, aquele que é capaz de gerar anticorpos contra a doença — é no que a Sanofi está se concentrando. Mas toda vacina tem ainda um adjuvante, uma substância com o papel de estimular o sistema imunológico para desencadear a reação de proteção. O mais usado por aí é o hidróxido de alumínio, mas o nosso sistema de adjuvante é bem diferente.

"Há uma hipótese de a vacina oferecer proteção cruzada contra outros tipos de coronavírus, que possam causar pandemias no futuro"

Por que ele é diferente?

Porque, além dessa propriedade de aumentar a resposta imunológica, ele melhora a sustentabilidade desse resultado em uma linha do tempo. Daí que precisamos de muito menos antígeno na produção do que se usássemos o adjuvante tradicional. O que significa que, em uma pandemia como esta, conseguimos produzir mais e mais doses. Além disso, os cientistas que estudam esse nosso sistema de adjuvante pensam que ele talvez possa favorecer o que chamamos de proteção cruzada. Ou seja, imagine que há um vírus com várias cepas, como se fossem primas do ponto de vista genético. Podemos, em tese, desenvolver a vacina contra uma ou duas cepas e ela também se mostrar eficaz contra outras variantes genéticas do vírus que, em princípio, não eram alvo da formulação. Foi o que aconteceu na vacina contra o H1N1, que, embora tivesse sido criada para duas cepas desse vírus, acabou se revelando eficaz contra outras cinco variações que foram aparecendo. 

Pode acontecer algo assim com o novo coronavírus?

Sim, ao menos é no que muitos pesquisadores acreditam. A covid-19 é causada por um tipo de coronavírus. Mas qual será o próximo capaz de disparar uma pandemia? Essa é uma boa preocupação. Por isso a afinidade da GSK com a Sanofi. São duas empresas que não estão na corrida para ver quem chega primeiro. Não temos a menor pressa. Porque queremos uma vacina que realmente colabore para o controle global da covid-19. E, embora a gente tenha feito pré-acordos com a Inglaterra e com os Estados Unidos para distribuir a nossa vacina, porque temos centros de pesquisas nesses dois países, a nossa prioridade é trabalhar com a Covax, a coalização para vacinas da OMS, e a Fundação Bill e Melinda Gates.

Outras vacinas, então, deverão chegar primeiro?

É possível. Essas novas tecnologias que estão sendo usadas na busca de uma vacina para o novo coronavírus são bastante interessantes. Mas precisamos levantar algumas perguntas sobre a segurança.

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"Usar outros vírus, que não nos fazem mal, como um cavalo de Tróia escondendo partículas do novo coronavírus, é um caminho conhecido e mais seguro"

Afinal, essa busca frenética, ao menos para pessoas leigas como eu, dá uma impressão de que algumas etapas para garantir a segurança serão puladas. Exagero?

Todos nós estamos trabalhando muito. Mas entenda: algumas tecnologias aplicadas para produzir uma vacina já são bastante conhecidas e, portanto, dominadas. Assim, podemos criar vacinas com um vírus vivo atenuado. Ele seria um vírus inteiro, completo. O nosso sistema imunológico vai reconhecê-lo fácil e criar anticorpos. O detalhe é que esse vírus teria passado por processos de pasteurização e sido exposto a produtos químicos tornando-se incapaz de desenvolver a doença. Temos ainda a possibilidade de criar vacinas com um vírus inativado. Nada mais é do que um vírus morto. Usamos apenas a sua capa proteica, que seria oca, por assim dizer. E depois temos as famosas partículas virais. É quando pegamos um elemento genético que seja minimamente o suficiente para o organismo reconhecer a identidade desse alvo. No caso do conoravírus, essas partículas seriam relacionadas às suas espículas, estruturas que lhe dão aquela aparência uma coroa de espinhos. E há muitos caminhos para se obter uma vacina a partir de partículas. Vou simplificar e falar apenas de dois. Em um deles, pegamos uma partícula e a colocamos em um hospedeiro que, depois, é injetado no indivíduo.

Qual seria esse hospedeiro?

Normalmente são vírus com letalidade baixa e que a gente conhece muito bem. Agem como um cavalo de Troia. Nós introduzimos nele a partícula genética do vírus causador da doença. Ele a absorve e a carrega para dentro do organismo humano. Mas note bem que esse elemento genético do agente causador da doença está dentro de um outro vírus. E friso: um outro vírus que é bem conhecido, que não nos faz mal. Essa é uma tecnologia segura e o que precisamos agora é cumprir os ritos, testando a eficácia e a sustentação do resultado de uma vacina assim para o Sars-CoV2, lembrando que existem diversas vacinas por aí que já fazem exatamente isso. 

"O que preocupa em algumas vacinas é a ideia de introduzir um elemento genético do novo coronavírus dentro das nossas próprias células."

Mas algumas vacinas que prometem chegar na frente na tal corrida têm uma tecnologia de mensageiro genético…

Sim, e elas estão causando uma euforia no mercado. No entanto, você escuta um ou outro cientista pedindo muita cautela. Eu não vou dizer que essas vacinas serão arriscadas, porque ainda não sabemos. Mas o que está por trás do receio de parte da comunidade científica é o seguinte: em vez de acoplar uma partícula genética do novo coronavírus em outro vírus bem conhecido e inócuo, a ideia é colocar essa partícula genética relacionada à espícula do Sars-CoV dentro das nossas células. E essa estratégia, de cara, dispara duas dúvidas.

Quais seriam essas dúvidas?

Uma delas é, na realidade, praticamente certeza: a proteção não será sustentável. O mais provável é que as pessoas precisem de uma segunda dose dali a seis meses. E alguns defendem que será necessária até mesmo uma terceira dose. Esse tipo de tecnologia costuma criar memória no sistema imunológico, mas sem um número suficiente de anticorpos para as defesas detonarem o seu alvo. O que preocupa ainda mais todo mundo, porém, é introduzir um elemento genético do novo coronavírus dentro daquilo que é o mais íntimo de qualquer ser vivo, que seria a estrutura de sua célula.

E, por experiências passadas, isso pode ser perigoso?

Ao longo dos anos, iremos viver com aquilo, com a partícula do vírus dentro das nossas células. O que poderá acontecer daqui a uma década? É o que me pergunto. Vamos nos lembrar que a primeira vacina assim que chegou a ser testada em seres humanos, criada para combater o HIV da Aids, provocou leucemias em 80% das pessoas que a receberam. Daí que acabou sendo completamente abandonada. Então, esse é um dos grandes medos a respeito do resultado dessa corrida para ver quem chega primeiro. 

"Não adianta proteger só aqueles países que poderão pagar mais"

E a vacina de vocês, pelo que sei, quando muito deverá ficar pronta apenas no segundo semestre de 2021… Em que etapa vocês estão agora?

Estamos na chamada fase 1, em uma etapa bastante preliminar. Em compensação, temos uma razoável certeza de que não iremos dar passos para trás. E nós realmente não faremos parte dessa corrida porque o seu ponto de chegada não será uma solução para a pandemia. Não adianta protegermos dois, três ou quatro países, aqueles que poderão pagar mais, porque no mundo de hoje as fronteiras geográficas são simbólicas. Ninguém vive isolado e o vírus faz a festa, pega avião, pega tudo, circula livremente.

"Começo a configurar o risco de falta de outras vacinas no ano que vem"

A pandemia está afetando a produção de outras vacinas?

A GSK é parceira da Fiocruz, da Fundação Ezequiel Dias e do Butantan com transferência de tecnologia.  E estamos já há dois ou três meses sem a certeza de que as operações para a produção de vacinas não estão sofrendo interrupção. Não sei se sabe, mas os ciclos de produção de vacinas são longos. Alguns chegam até a dois anos. E eu confesso que começo a configurar um potencial risco de falta de outras vacinas no segundo semestre do ano que vem. Alguns processos estão praticamente parados ou muito lentos porque os investimentos do governo andam se resumindo à covid-19. Não sabemos qual o impacto dessa ruptura adiante. E lembre-se: as necessidades do Brasil em volume de vacinas são tão grandes que não temos como buscá-las no mercado internacional.

Por outro lado, as pessoas andam se vacinando cada vez menos. Como vê essa situação?

As nossas coberturas vacinais estão, de fato, muito, muito baixas. E parte disso é efeito do sucesso do Programa Nacional de Imunização (PNI), que é uma referência mundial por ser dos mais completos. Só que, ironicamente, o fato de a gente não ter tido grandes problemas com doenças infecciosas que ainda estão matando gente pelo mundo afora faz com que as campanhas de vacinação percam tração. Até algumas gerações atrás, manter a carteira de vacinação dos bebês em dia era um atributo de uma boa mãe. Hoje isso está se perdendo, o que me preocupa. Sem contar que vacina não é só coisa de criança. 

"Coqueluche, o bebê fica exposto, porque a doença é quase assintomática em idosos"

Pode dar um exemplo menos conhecido das pessoas?

Por exemplo, o PNI oferece a vacina contra coqueluche para gestantes e, no entanto, pouquíssimas grávidas vão atrás. Quando a mãe não se imuniza, o bebê fica três meses sem nenhuma proteção, que poderia obter por meio dela. Ele terá esperar 90 dias, até ter um sistema imunológico maduro para ser vacinado ele próprio. E, nesse período, fica extremamente exposto, porque a coqueluche é quase assintomática em idosos —  no vovô e na vovó que vão pegar o neto no colo com aquela tossinha que a gente confunde com pigarro de quem é mais velho. É uma questão da dor que você quer escolher: o risco de ver o filho ter uma doença séria ou o afastamento da convivência de pessoas queridas? Mas, no Brasil, felizmente, não precisamos fazer essa escolha porque a vacina está disponível e é segura. E assim como a coqueluche, que mata também, temos uma série de doenças graves que não podem voltar a circular, como a poliomielite. Porque, se isso acontecer, será muito difícil controlar. 

"A decisão sobre quem terá prioridade para tomar uma vacina contra a covid-19  não deve ser de uma farmacêutica, nem de um governo"

Por fim, quem deverá ser priorizado quando surgir uma vacina contra o novo coronavírus?

Essa decisão não pode ser da GSK, nem de qualquer outra farmacêutica que desenvolva uma vacina. Nem do governo desse ou daquele país. Não adianta um presidente dizer 'essa vacina foi criada aqui usando dinheiro público'. Estamos em uma pandemia e ninguém tem esse direito, a não ser uma organização supranacional, que zele pelo critério epidemiológico em primeiro lugar e, depois, examine as faixas da população que são mais vulneráveis — e daí não deverá importar se essas pessoas estão nos Estados Unidos ou em Uganda.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.