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Blog da Lúcia Helena

Os enganos que você pode cometer se tem alguém com covid-19 em casa

Lúcia Helena

22/09/2020 04h00

iStock

Chega o diagnóstico de infecção pelo novo coronavírus e a casa cai. Se a pessoa não tem indicação para ser internada porque passa bem, como se nada estivesse acontecendo com ela, ou se fica no seu canto porque tem sintomas brandos que podem ser administrados fora de um hospital, é um alívio para todos — e, ao mesmo tempo, uma confusão geral. O que fazer? Todo mundo acha que sabe a resposta até a hora em que o bicho pega. 

A confusão pode começar no instante da suspeita de ter contraído o vírus. "Só o exame de RT-PCR, realizado com aquela espécie de cotonete comprido enfiado pelo nariz, é capaz de dizer se alguém está mesmo com a covid-19", vai logo avisando a infectologista Raquel Stucchi, que é professora da Universidade Estadual de Campinas, no interior paulista, e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Na opinião da médica, não é para ninguém morrer de susto nem, ao contrário, sair confiante se o exame realizado foi o de sorologia. "Ainda estamos na primeira geração desses testes de anticorpos e eles continuam dando muito falso-positivo e muito falso-negativo" , justifica. 

Daí que covid-19 confirmada pra valer é aquela em que o RT-PCR acusa rastros do material genético do Sars-CoV 2 no organismo.  "E, diante de um caso assim, o correto seria que todas as pessoas vivendo sob o mesmo teto fizessem esse exame também" , diz a médica.

Tem lógica. A probabilidade de alguém de casa já ter o novo coronavírus é alta. Ele, afinal, não está para brincadeira e começou a ser transmitido três, cinco dias antes de o sujeito com a covid-19 confirmada apresentar sintomas, se é que os apresentou. 

Mas vamos imaginar que, por sorte, só uma pessoa na família esteja infectada: "No mundo ideal, ela ficaria imediatamente em um quarto sozinha, com um banheiro para si. Mas sabemos que as condições de moradia são muito diversificadas e isso quase sempre é impossível", reconhece Raquel.

Seja como for, e o restante dos moradores? Sem pisar na rua, oras!  Mesmo que eles tenham um resultado negativo do RT-PCR em mãos. Isso porque, enquanto a pessoa infectada se recupera, sempre pode acontecer a contaminação de quem está por perto, embora esse risco caia se tudo é feito como manda o figurino da pandemia. 

No entanto, o que mais se vê é gente cometendo pequenos deslizes que liberam o Sars-CoV 2 para fazer a festa no endereço. E essas falhas são um perigo ainda maior quando, entre os habitantes da moradia, existem diabéticos, hipertensos, indivíduos com obesidade e idosos. Se alguém está relativamente bem apesar de infectado, nem todos ao redor poderão ter a mesma sorte.

Isolamento: a partir de quando a gente começa a contar?

Ter ou não ter sintomas não faz qualquer diferença. Nesse ponto, todos são iguais perante o novo coronavírus. Se o indivíduo está tossindo, com ligeira falta de ar e com dores de cabeça, se o corpo parece moído e se há febre, se deixou de perceber cheiros ou se sente maravilhosamente bem, pouco importa: são sempre dez dias no maior isolamento e ponto. "Isto é, se ele não tiver alguma condição que o obrigue a usar medicações capazes de suprimir suas defesas, como pacientes de certas doenças reumatológicas e transplantados", ressalva a infectologista. "Daí, então, o isolamento dura vinte dias." 

Dez ou vinte dias, aceite. "Pode pegar um livro, ligar o computador, trabalhar e estudar, se está disposto. Só o que não pode, de preferência, é sair do quarto", orienta a professora Raquel.

A contagem dos dias de isolamento começa a partir do primeiríssimo sintoma. Já para quem não sentiu nadinha e descobriu a covid-19 por acaso, depois de entrar em contato com uma pessoa infectada e fazer o exame, o cronômetro é acionado a partir da data em que coletou a amostra para o RT-PCR.

A rigor, o restante dos moradores que o Sars-CoV 2 colocou de castigo só poderá sair quando a pessoa infectada estiver liberada."Nesse meio-tempo, o ideal é eleger um único indivíduo com teste negativo para fazer compras emergenciais no mercado ou na farmácia. Ou, ainda, para descer até uma portaria ou ir até o portão para apanhá-las", explica a infectologista. 

Para a turma isolada, a máscara certa é a cirúrgica

Importante: a pessoa não infectada que, excepcionalmente, precisar atravessar a porta de casa, deverá estar vestindo uma máscara cirúrgica. Não se trata da famosa N95, modelo que, de fato, deve ficar reservado aos profissionais de saúde. "Mas também não é a máscara de tecido comum, que todos nós passamos a usar no dia a dia", aponta a professora.

As fibras com que são feitas as versões cirúrgicas são um obstáculo muito maior ao novo coronavírus."Por isso, quem está infectado deve vestir essa máscara sempre que outra pessoa entrar, igualmente de máscara cirúrgica, em seu quarto", diz a professora Raquel. "Depois, quando estiver sozinho, poderá até tirar.  Também deverá usá-la se quiser ir a um banheiro que seja compartilhado e, claro, ficar com ela o tempo inteiro se não houver um espaço para estar completamente isolado, sendo obrigado a permanecer em cômodos com mais gente."

A máscara cirúrgica, diga-se, está sendo distribuída em todas as Unidades Básicas de Saúde quando há um diagnóstico de covid-19 — para o paciente e para quem convive com ele. Ela é descartável e, se usada ininterruptamente, dura de seis a quatro horas. Então, é para ser colocada em um saquinho plástico e este deve ser depositado no lixo do banheiro, por ser um ambiente de onde ninguém sai — espera-se! — sem lavar bem as mãos. 

O problema é a umidade, que faz a máscara cirúrgica perder a eficiência. Ou seja, quem mora em locais muito úmidos não deve arriscar todo esse tempo para trocar o acessório. "Idem, quem acaba falando demais porque está trabalhando durante o isolamento", exemplifica a médica. "Aí, o tempo máximo de uso da máscara cirúrgica gira em torno de umas três horas."

Como fica a limpeza do lugar

Segundo Raquel Stucchi, se a pessoa infectada está disposta, ela bem que poderia cuidar da higienização do seu quarto, evitando o entra-e-sai de pessoas. "Basta fazer essa limpeza uma vez por dia", ensina. Maçanetas, botões de descarga, torneiras de pias e chuveiros merecem um cuidado especial.

Para isso, serão necessários panos e um desinfetante. Qual? "Qualquer um que você encontre no supermercado e que alegue ser desinfetante no rótulo", simplifica a médica.

Mas, se outro morador entrar para limpar tudo, ele deverá usar não apenas a máscara — sempre! — como luvas. Atenção para o detalhe: "Elas, depois, deverão ser lavadas. Faça isso como se você estivesse lavando as mãos, só que enluvadas, por 20 segundos, realizando todos aqueles movimentos para limpar bem cada área", ensina a professora Raquel.

Outro aviso: o pano usado na limpeza do ambiente onde está o morador infectado deve ir direto para um balde com água e sabão ou para máquina de lavar, sem ser esfregado em nenhum canto pelo caminho. Depois de lavado e estendido no varal, quando já estiver bem seco, poderá ser usado mais vezes, inclusive em outros lugares da casa.

Uma poltrona para chamar de sua

Se não existe um local para a pessoa infectada se isolar dos outros, então fica o convite para ela escolher um canto exclusivo: por exemplo, uma poltrona da sala e, se for comer à mesa, deve procurar se sentar sempre no mesmo lugar.

"Essas áreas, no caso, precisam de limpeza duas vezes ao dia", conta a Raquel Stucchi. E o certo, então, é que o banheiro compartilhado com os familiares seja higienizado a cada uso — de novo, com zelo dobrado nas maçanetas, na descarga e na torneira da pia. "Eu ensino os pacientes a ensaboá-la bem e deixar a espuma ali enquanto lavam as próprias mãos, para então enxaguarem tudo de uma vez", comenta a médica.

Não custa reforçar: se quem tem a covid-19 precisa circular pelos cômodos, aí mesmo é que ninguém deve encostar as mãos na boca, nos olhos e nem sequer no nariz. Também se aconselha que todos passem o álcool em gel mais vezes, friccionando esse produto entre os dedos e fazendo uns bons movimentos circulares punhos, antes de esparramá-lo pelos antebraços.

E copos, louças, talheres?

Não, você não precisa separar pratos, garfos e facas para a pessoa que está com a covid-19, muito menos comprar descartáveis. Sossegue: o Sars-Cov 2 não suporta um detergente de pia no capricho. Lavou bem o copo, colocou no escorredor e… está novo. "Qualquer um poderá beber nele depois", assegura a infectologista.

Roupas e lençóis: aqui tem um cuidado

Vale repetir: o Sars-CoV 2 odeia uma boa espuma. Portanto, não resiste ao sabão de lavar roupa, seja em pó ou líquido. "E, a não ser que aconteça algum incidente, como sujar de vômito ou de fezes, ninguém precisa trocar o jogo de cama ou de banho com maior frequência do que a habitual", diz a professora Raquel. 

O único senão é aquela sacudida no pano que algumas pessoas dão, ao retirar os lençóis da cama ou ao tentar dobrá-los para levá-los à área de serviço. Pare com isso já! Essas manobras aéreas, dignas de propaganda de sabão, são ótimas para espalhar o novo coronavírus.

Procure deixar as janelas escancaradas

Estudos indicam que essa atitude simples também faz diferença, inclusive — ou principalmente — no quarto da pessoa em isolamento, se o clima permitir. Quanto mais o ar circular, menos o novo coronavírus ficará pairando por lá, à espreita de novas vítimas.

A volta à vida normal 

Não há necessidade de fazer novos testes passado o período de isolamento prescrito, garante a professora Raquel Stucchi. Mas, sinto dizer, se mais tarde outra pessoa da mesma residência ficar com covid-19, será como em um jogo de tabuleiro em que todos voltam umas dez casas: isolamento no lar, doce lar, outra vez. 

"Vale eu lembrar que existem cada vez mais comprovações de ser possível uma reeinfecção", alerta a infectologista. Em outras palavras, não é porque alguém pegou a covid-19 e se recuperou que poderá perambular por ruas sem máscara e promover aglomerações. Isso é irresponsabilidade consigo e com o outro.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.