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Neste calor, fazer esporte é uma jogada mais perigosa do que você imagina

Lúcia Helena

04/01/2018 04h00

Crédito: iStock

Só alguém com cérebro derretido para desdenhar do aquecimento global  — um pouco do velho bom senso é que cairia bem, devolvendo a bola para o presidente americano Donald Trump, que andou zombando (de novo!) da elevação da temperatura na Terra há alguns dias. Mas, por falar em bola,  a subida dos termômetros mexe com a saúde dos atletas, amadores ou não. Está cada vez mais difícil suar a camisa. Quero dizer, suar o suficiente.

Eu, você, todos nós somos animais homeotérmicos. Esse palavrão quer dizer que o nosso corpo tem a maior trabalheira para manter a temperatura interna constante, pertinho dos 37 graus Celsius. A regra do jogo é clara: ela só pode variar 0,5 grau a mais ou a menos. É  rigorosamente nessa faixa que as suas reações químicas, milhares delas a cada instante, acontecem direito. Esquentar ou esfriar além desse ponto, por um tempo que não seja relativamente curto, é falta grave.

Daí que, para garantir a sobrevivência, o organismo tem mecanismos para regular sua temperatura. Em um clima de verão desses, produzir suor é o principal deles. Se estratégias com essa não dão conta, surgem as doenças do calor. Isso mesmo. Doenças do calor é o nome que ciência passou a dar às consequências do superaquecimento corporal. E o termo não é nada exagerado.

Aprendi com um especialista no tema, o fisiologista do exercício Orlando Laitano, professor licenciado da Universidade do Vale do São Francisco, em Pernambuco, e pesquisador da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, que o aquecimento interno excessivo provoca uma reação do sistema imunológico similar à da invasão por uma bactéria nociva. Só que, pior, tudo costuma ser ainda mais rápido e intenso. Um quadro de intermação — a mais grave das doenças do calor — equivale ao de uma sepse, uma infecção generalizada. Por isso  é capaz de matar ligeiro. E, sim, entre as vítimas preferenciais da intermação estão os praticantes de esporte. Faz sentido.

É que as fibras musculares só transformam de 5%  a 25% da energia que obtêm em contrações, ou movimento. O restante é eliminado como calor — ora, por isso a atividade física torra calorias. Ou seja, quando você faz exercício, seus músculos viram potentes aquecedores internos e haja suor para compensá-los.

Talvez questione se esse papo é mesmo com você,  se ele não valeria mais para o atleta de alto rendimento. É relativo. Parece haver, aqui, um empate técnico. A musculatura preparada do esportista profissional produz bem mais calor em menos tempo. Ou seja, seus músculos superaquecem depressa. Em compensação, sua pele acaba adaptada para suar mais também. Esse sistema aprimorado de refrigeração é um ponto de vantagem.

Só que, na prática, atletas amadores logo passam mal se a temperatura interna sobe demais e isso, no fundo, é bom: zonzos e extenuados, tendem a parar com o exercício. Já o organismo adaptado dos profissionais do esporte pode mascarar os primeiros sintomas das doenças do calor durante o treino ou a competição. Resultado desse placar: amadores e profissionais devem se cuidar. Todos estão sob o mesmo sol escaldante.

E fique esperto: a duração do exercício em um dia quente ou, pior, quente e  úmido, faz total diferença. Não há registros de queda dos níveis ideais de sódio, mineral que escoa do corpo com o suor, em corridas de 100 metros, por exemplo. Mas a encrenca se torna cada vez mais frequente nas modalidades que exigem resistência, como o triatlo, a maratona, o futebol e todos os esportes de campo, o tênis e até mesmo as lutas e os coletivos de quadra a partir da barreira dos 30 minutos de esforço.

Quando a sensação térmica se iguala ao calor do corpo — calor que, como disse, não para de aumentar enquanto os músculos se exercitam — ,  a produção de suor se intensifica e, mesmo assim, não costuma dar conta. Nem adianta virar uma garrafinha de isotônico. Quer dizer, tomar líquido adianta em parte, porque alivia a forte ameaça de desidratação. Mas, por si, não apaga o fogaréu interno.

A dificuldade para se refrescar cresce na mesma medida da umidade relativa do ar, para a qual muita gente nem dá muita pelota.  Aliás, passe a dar, se pretende treinar. A atmosfera úmida forma sobre a pele um manto espesso de suor que não consegue virar vapor. Perigo. Afinal, o princípio da suadeira é justamente molhar toda a superfície corporal para o líquido evaporar e dissipar o calor. No entanto,  praticar esporte em um tempo úmido é como estender um lençol molhado no varal em um dia chuvoso — o tecido pendurado vai continuar ensopado.  Assim como a a pele vai permanecer empapada e o calor ficará todo com o atleta.

Daí vem a fadiga. E o que fazem os músculos quando começam a ficar fadigados? Produzem mais e mais calor. Círculo pernicioso. Se a pessoa não se dá por vencida, esse jogo termina mal.

Antes de chegar a esse ponto, apita a sede. Atenda a esse desejo ou nem espere que ele chegue para se hidratar. O problema é quando o volume do sangue cai demais de tanto líquido que doou para as glândulas da pele. Então, o processo da sudorese passa a extrair água de outra fonte,  o interior das células. Esvaziadas, elas vão se achatando até morrer — neurônios no pelotão de frente. Nessas horas, primeiro você fica tonto. Depois, desmaia. Na sequência, pode ter uma convulsão e morrer. O risco é maior para crianças e times sêniores, de idosos.

Não quero, com tudo isso, tirar o seu espírito esportivo nem torço para que o verão, nesses tempos insustentáveis, se torne a estação do sedentarismo. Mas vale ajustar horários dos treinos e, tanto quanto pegar a garrafinha de água, adotar o hábito de olhar  as informações sobre o clima naquele dia. Calor excessivo e umidade alta são adversários de respeito. Porque o aquecimento global existe, sim, e a chapa pode esquentar para quem não acreditar nele.

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Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.