Não caia nessa fria: os alimentos termogênicos são mais uma bela enganação
Lúcia Helena
11/01/2018 04h01
Crédito: iStock
Noutro dia, comentei: só de ouvir falar em ingredientes termogênicos, sinto calor de nervoso. Será que alguém acredita mesmo que aquela canela em pó salpicada sobre o mingau de aveia acelera o metabolismo a ponto de emagrecer? Ou — haja imaginação! — que o cafezinho fechando o almoço na churrascaria compensará uma única fatia de picanha? Está bem, vou facilitar… Ao menos faria o corpo torrar as calorias de um coraçãozinho de galinha perdido no prato? Ora, ora, se a pimenta do acarajé anulasse o caldeirão de dendê, a baiana atrás do tabuleiro seria sempre magra.
Muita gente anda temperando o discurso para se vender ou vender sua receita de um suposto emagrecimento saudável usando o termo a todo instante. Manda tomar chá verde e elogia: ele é termogênico. Defende o café nosso de todo dia e justifica: ele é termogênico. Joga curry sobre o frango orgânico e exalta que ele deixará a receita ainda mais… funcional? Por aí afora. Só que esse blablablá não faz o menor sentido. E pior: no fundo, ou no raso mesmo, quem propaga os tais termogênicos sabe disso. Daí, entenda aquele calor de nervoso…
Antes de meter a minha mão no fogo, fui ouvir quem entende do riscado. Pois a fogueira das vaidades no território da alimentação arde e não quero sair chamuscada. Procurei o professor Antonio Herbert Lancha Junior, da Universidade de São Paulo, que é doutor em nutrição aplicada à atividade física — e não o escolhi à toa. Além de ele ser um nome dos mais quentes na área, no mundo do fitness não faltam suplementos termogênicos, que são uma roubada bem mais grave do que a dos próprios alimentos termogênicos (fique frio, algumas linhas adiante eu explico por quê).
Logo entreguei de bandeja ao professor Lancha Junior o meu espanto: que eu saiba, para começo de conversa todo alimento faz o organismo produzir calor. Pois é isso, ao pé da letra, o que a expressão "termogênico" quer dizer — capaz de gerar calor. Ufa, alívio! Ele concordou. E ainda me deu o nome certo disso: ação dinâmica específica. Traduzindo, significa que tudo o que você ingere faz o seu corpo gastar energia. Ou seja, queimar calorias para dar conta daquilo. E quando você queima calorias …
Bem, a palavra "caloria" já diz tudo: calor. Portanto, amarrando essa parte da história, qualquer coisa que você engula acende a chama do metabolismo porque tem um custo energético. É claro que, se devora um hambúrguer duplo, o preço cobrado pela digestão parecerá barato e sobrará de troco caloria de montão para você gastar por aí ou poupar na cintura.
E, se todo alimento gera calor, seriam todos termogênicos? Do que, então, estamos falando mesmo? Na verdade, o que caiu na boca do povo com o rótulo-chamariz de alimento termogênico são ingredientes que contêm substâncias com um efeito vasodilatador superficial.
Um dos mais famosos é a pimenta. Lancha Junior até se recorda de um jantar para cientistas em Utah, nos Estados Unidos. O garçom perguntou se podia moer pimenta sobre o prato de um de seus colegas brasileiros — o fisiologista Orlando Laitano, pesquisador da Universidade da Flórida, que já foi ouvido por este blog no post sobre os efeitos do clima no esporte. Laitano aceitou, mas se distraiu fazendo perguntas sobre o vinho. Resultado: a comida ficou tão ardida que ele, calvo, logo começou a suar em bicas pela careca.
A culpada foi a capsaicina da pimenta. Ela é que faz arder. Ela é que traz mais sangue para perto da pele. Esse sangue aquece a boca. E faz o corpo suar. Dá um acaloramento? Claro que sim. Mas garanto que não o suficiente para compensar o vinho que distraiu o pesquisador no momento em que apimentavam o seu prato. Também asseguro que o efeito é passageiro: muito antes da sobremesa, nem uma gota a mais de suor. O exemplo vale para o gingerol do gengibre, para a cafeína do café…
Segundo Lancha Junior, o calor gerado por essa vasodilatação é sempre ínfimo perto das calorias que o próprio alimento dito termogênico oferece. Que dirá perto da refeição inteira, por mais leve que seja! E lembre-se: essa aceleração do metabolismo dura segundos ou, vá lá, minutos. Se a vasodilatação temporária fizesse pelo metabolismo o que dão a entender por aí, gente tímida compensaria o bacon do café da manhã só ficando com as bochechas coradas. Ó, que maravilha…
Para que as substâncias encontradas nos famosos termogênicos fizessem esse efeito tão aclamado e encantador, você precisaria consumi-las em porções industriais. Impossível. Ou, ainda que fosse possível, provavelmente isso não faria bem. Aí vem outra ilusão: a de que suplementos, com doses concentradas desses ativos, resolveriam a parada. Não resolvem. Pioram bem as coisas, na realidade.
O primeiro efeito dos suplementos termogênicos é mascarar a fadiga durante o exercício. E ela avisaria a hora certa de parar. Se o alarme não soa… Presumo a sua pergunta: mas será que a gente não emagrece suportando um treino pra lá de pesado, além dos limites do corpo? Resposta: talvez, até se machucar ou (Deus que o livre), em caso extremo, morrer de um piripaque.
Até porque tem outra: muitos dos suplementos termogênicos têm doses cavalares de cafeína ou até mesmo de drogas perigosas como a efedrina, que disparam o coração. O malhador faz papel de bobo achando que está lá nas alturas de um atleta, com o peito saindo pela boca, uau! Só que não.
Lancha Junior aponta que esses suplementos deixam as células cardíacas falsamente moduladas. Ou seja, o treino está rendendo a mesma coisa de sempre, mas o coração acelerado dá a ideia equivocada de que o exercício está fazendo mais pelo corpo. Deixar-se enganar pelo coração não pode ser saudável, pode?
Um lado bom dos termogênicos — para eu não ser sempre do contra — foi apresentado há uns dois anos por cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o célebre MIT. Eles provaram que a canela, a pimenta, o gengibre e outros termogênicos agem nos motoneurônios, os neurônios que colocam os músculos em movimento. E isso diminui a incidência de cãibras. Mas cãibra é cãibra, um outro papo.
Claro, não faz mal algum consumir esses itens nas refeições. Eu, por exemplo, adoro o ardor perfumado do gengibre. E não vivo sem pimenta à mesa. Pensando bem, a lista dos termogênicos me apetece do início ao fim. Eles aquecem a alma de prazer e isso, sim, cai bem. Meu organismo só se dá mal com marketing furado. E o seu?
Sobre o autor
Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.
Sobre o blog
Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.