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Chocolate só previne o AVC e melhora o raciocínio de quem já é inteligente

Lúcia Helena

29/03/2018 04h00

Crédito: iStock

A gente adora quando a ciência dá a sua benção para uma de nossas manias. E isso explica um pedacinho por que os pesquisadores não resistem a um chocolate. Fui xeretar o Pubmed, a fabulosa base de dados da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos e descobri que, só da Páscoa passada para cá, o corte de tempo exato da minha busca, foram publicados 48 trabalhos sobre os benefícios do  mais puro cacau. Uma produção em ritmo de coelho. Daria para degustar tranquilamente uma notícia a cada semana do ano— e isso, olhe lá, porque fui exigente e só aceitei o chocolate amargo nos resultados.

Se você devorar os achados dos pesquisadores sem pensar duas vezes, concluirá: sim, o chocolate faz muito bem à cabeça. Não vou tirar o doce da sua boca, porque ele faz mesmo. Só não dá para sair engolindo qualquer boa nova. É aí que um argumento razoável vira desculpa esfarrapada.

Antes de abrir aquele ovo com tripla camada recheada ou morder aquela barra de … (ah, pense no seu chocolate favorito, porque eu, chocólatra assumida, já pensei no meu), acompanhe o raciocínio: se você torturar os números de uma pesquisa, eles poderão lhe confessar qualquer coisa. Até mesmo que consumir chocolate  aumenta as suas chances de ganhar um Nobel, quer apostar um bombom?

Está pensando que estou de brincadeira? Não, isto é, se eu levar ao pé da letra um trabalho publicado em 2012 no New England Journal of Medicine — e vamos combinar que o New England arrebita o nariz de qualquer cientista.

Pois foi lá mesmo, em suas páginas sisudas, que o cardiologista Franz H. Messerli, diretor do Programa de Hipertensão do Saint Luke's-Roosevelt Hospital Center, em Nova York, Estados Unidos, alardeou a sua curiosa hipótese. E eu preciso dizer que doutor Messerli é considerado uma das maiores autoridades americanas em pressão alta. Por isso mesmo, o chocolate entrou na sua vida. Quero dizer, no seu laboratório.

Em princípio, tudo o que ele queria saber era se um concentrado de cacau lotado de flavonoides —  e, parênteses, os flavonoides são o grupo de substâncias por trás de uma bela parte dos benefícios do chocolate à saúde — seria capaz de melhorar a função do endotélio, a parede interna dos vasos sanguíneos.

Se isso acontecesse de fato, eles relaxariam, a pressão diminuiria, o sangue passaria com maior facilidade e… dito e feito! Foi exatamente o que aconteceu com as artérias que irrigavam o cérebro de ratinhos usados na experiência. Eles, ainda por cima, passaram a se sair muito melhor em diversos testes.

Por causa da performance das cobaias,  o cientista divagou se, por acaso, aquelas populações que mais consumiam o doce seriam as mais inteligentes. A questão é que, como ele mesmo justificou na publicação do artigo, não existem dados a respeito da capacidade cognitiva de um país inteiro. Por isso, apelou para o número de premiados com o Nobel. E não é que encontrou uma correlação?! A Suíça, por exemplo, era o país com a maior quantidade de laureados por cada 10 milhões de habitantes e, coincidência ou não, com o maior consumo per capita de chocolate, entre as 23 nações analisadas.

O cientista chegou a apresentar um cálculo: para um país ter alguma chance de levar um Nobel para casa, o consumo mínimo de chocolate deveria ser de 2 quilos por pessoa por ano. Sei não… O brasileiro consome 2,5 quilos anualmente. E eu com certeza ultrapasso essa porção, mas não me sinto capacitada para ganhar nem sequer gincana de matemática de escola primária.

Então, será que é tudo bobagem? Quem sou eu para ser essa estraga-prazeres… Só acho que, tão bom quanto maneirar nos quadradinhos de um tablete, seria evitar o exagero na interpretação de tantas doces descobertas.

No ano passado, por exemplo, houve mais um rebuliço para animar os chocólatras. Cientistas italianos da Universidade de L'Aquila e da Universidade Sapienza de Roma, se debruçaram sobre os dados de 968 mulheres, participantes  de uma investigação que já dura 35 anos, conhecida no mundo acadêmico por Estudo Longitudinal de Maine-Syracuse.

De tempos em tempos, elas informam  o que comem ou deixam de comer, fazem exames físicos e uma batelada de testes de inteligência. Tudo para ver que hábitos promoveriam um envelhecimento saudável. Pois bem: segundo os italianos, as que consomem chocolate pelo menos uma vez por semana são justamente aquelas que têm ótima memória espacial, raciocínio abstrato tinindo e boa capacidade de atenção. Lindo. Só se esqueceram de dizer que também são as que mais ingerem frutas, verduras e legumes. Ou seja,  o chocolate faz parte de todo um combo saudável.

Mas a grande crítica ao trabalho nem é essa: ele simplesmente não faz distinção entre adoradoras de chocolate branco, ao leite e amargo. Há consenso: os benefícios à cabeça só são observados quando o consumo é da versão amarga, com no mínimo 70% de cacau.

Estudos envolvendo ressonância magnética mostram que as áreas relacionadas à atenção e ao raciocínio lógico de adultos jovens ficam mais ativadas duas horas após o consumo de uma porção de chocolate — amargo, não custa repetir. Seus flavonoides  atravessam a barreira de sangue que protege a massa cinzenta feito um escudo e, uma vez lá dentro, tendem a se acumular na região do hipocampo, envolvida até o último neurônio com as nossas memórias.

Isso ajuda a entender também por que idosos com sinais de demência, que participaram de uma experiência na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, melhoraram sua capacidade de memorização depois que os cientistas lhes deram duas xícaras de chocolate amargo por dia.

Exames de imagens ainda deixam claro que, com o hábito,  há uma melhora da circulação por todo o cérebro e, consequentemente, a oxigenação das células nervosas aumenta. Isso, mais a ação antioxidante dos tais flavonoides, defendendo os neurônios de maiores danos, colabora para diminuir em 37% os riscos de um acidente vascular cerebral, o AVC, entre os consumidores regulares de chocolate, de acordo com a Associação Americana do Coração.

Sempre, sempre e sempre, estou falando da versão amarga. Ora, pense comigo: um chocolate ao leite cheio de açúcar, por mais gostoso que seja, ajuda a elevar a glicose no sangue. E ela, se estiver muito alta,  ataca os neurônios. Tiro pela culatra.

A própria porção maior de gordura saturada dos chocolates branco e ao leite tem potencial para entupir as artérias, se consumida com exagero. E vasos obstruídos são o caminho para um AVC. Outra vez, tiro no pé. Vale eu lembrar que a maioria ovos de Páscoa é desagradavelmente carregada do ingrediente, usado pela indústria para manter o formato — e, na minha opinião leiga de chocólatra, muitas vezes para mascarar um cacau que não é lá das melhores safras.

Portanto, o chocolate faz bem para a cabeça de quem sabe usá-la em prol da própria saúde, apreciando  cerca de 30 gramas  dessa delícia por dia  — e parando por aí, salvo datas excepcionais. E que dá preferência para os tipinhos cheios de cacau pra valer. O bom senso é o maior sinal de inteligência.

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Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.