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Entenda como a cúrcuma protege os neurônios e evita a perda de memória

Lúcia Helena

06/09/2018 04h00

Crédito: iStock

E agora é um tal de cúrcuma no shot da manhã, no arroz do dia a dia dia, no frango metido à indiano. Posso falar por experiência própria — tenho uma filha que começou com a onda do leite dourado e, quando me dei conta, já estava colorindo de um laranja solar quase tudo em minha cozinha. Os leitores também andavam pedindo que eu falasse, qualquer dia desses, sobre os benefícios da curcumina, a molécula promotora de tantos benefícios atribuídos à raiz da Curcuma longa, usada na Ásia há mais de dois mil anos na comida, na medicação e nos cosméticos. Pois bem: é hoje!

Depois de um longo e saboroso bate-papo com o farmacologista Cristoforo Scavone, professor do Instituto de Ciência Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), fiquei impressionada com os seus achados, no Laboratório de Neurofarmacologia Molecular, ao lado de sua colega, a Elisa Kawamoto, brasileira pesquisadora do National Institute on Aging (NIA), em Baltimore, nos Estados Unidos. Sim, a curcumina alivia inflamações no sistema nervoso central por trás de doenças neurodegenerativas. E essa é só mais uma das descobertas a respeito do seu papel na saúde cerebral.

Como se fosse pouco — e não é —, ela ainda age de uma maneira muito positiva na memória, principalmente a espacial, o que, para uma pessoa que vive perdida no trânsito como eu, acredite, é um atrativo e tanto. Brincadeira à parte—se bem que vou mesmo aderir à cúrcuma depois dessa —, preservar nossa capacidade de memorizar é motivo de sobra para enaltecer a especiaria e servi-la com maior frequência à mesa.

Os primeiros relatos de que o açafrão-da-terra, outro nome para a cúrcuma,  seria um anti-inflamatório e tanto remontam aos anos 1930. Mas as pesquisas, durante um bom tempo, andaram devagar e quase parando. Há várias hipóteses para o ritmo de tartaruga. Uma delas, segundo o professor Scavone, é que é impossível patentear algo que a natureza nos dá de mão beijada e os interesses econômicos minguaram.

Com a recente valorização de alimentos capazes de afastar doenças, eis que a curiosidade científica voltou com tudo. Não, ninguém conseguiu fazer uma cópia sintetizada da curcumina para lucrar em cima. Mas ela foi parar em muitos laboratórios que investigam o câncer, por exemplo. E, no caso dos estudos conduzidos na USP e no NIA, mostrou que tem uma ação bastante singular na massa cinzenta.

Os cientistas deram uma substância inflamatória a animais, a LPS, mas eles receberam uma dieta temperada com açafrão "em quantidades normais', como me descreveu Cristoforo Scavone. Daí que acabaram não apresentando o comportamento adoentado, típico do cérebro que enfrenta uma bela inflamação no corpo provocada pela tal LPS— não ficaram amuados em seu canto, quietos e indispostos, como quem sente a quebradeira de um resfriado, por exemplo. Também, em testes diversos, não demonstraram o declínio cognitivo que a injeção de LPS, em geral, provoca.

Mas essa ação toda na cabeça não foi bem ocasionada simplesmente por um efeito anti-inflamatório, como muitos poderiam supor. Há outro mecanismo. Ali, na massa cinzenta, a curcumina sequestrou o TNF, substância presente no cérebro,  e fez com que ele se encaixasse no chamado receptor 2. Se isso não tivesse acontecido, o TNF iria se ligar a outro receptor, o número 1. Esse encontro dispararia uma reação em cadeia  que começaria por uma ativação exacerbada das células glia — menos famosas entre nós, leigos, do que os neurônios, elas que dão todo o suporte para o sistema nervoso central — e terminando com um um banho de glutamato nas células nervosas.

Ali, na intimidade do sistema nervoso, o glutamato em excesso é altamente tóxico. Mata neurônios sem dó, nem piedade. "Na verdade, não é bem por impedir a inflamação que a curcumina protege o cérebro, como era de se imaginar, mas por evitar a liberação do glutamato  em exagero. É o glutamato que está no centro da história", me explicou o professor Scavone.

Em uma população que envelhece, a cúrcuma se torna, assim, um ingrediente importante para uma longevidade saudável e cheia de lembranças. Em outra experiência, os cientistas provaram que ela não só protegeu como recuperou uma ligeira perda de memória espacial em animais. Ou seja, em tese, pode não só evitar que a memória vá para as cucuias, mas reverter um quadro de perda inicial.

Somos homens, não somos ratos, é certo. O professor Scavone conta que é impossível fazer correlações de quanta curcumina o ser humano deveria comer no dia a dia para obter o mesmo efeito. Mas garante que o benefício existe. Embora o cientista repita a máxima de que tudo em excesso faz efeito ao contrário — o que observa com outras substâncias estudadas em seu laboratório, que até determinada medida são protetoras dos neurônios e, depois, passam a agredi-los—,  ele deduz que o limite seja alto no caso da curcumina.

Como lembra o próprio Scavone, os indianos comem pratos temperados com cúrcuma em praticamente todas as refeições e todos os dias, passando bem, obrigado. Eu digo mais: a Índia é um dos países com mais baixa prevalência de demências, incluindo Alzheimer. Então, pelo menos aqui em casa, a onda dourada trazida pela minha filha vai seguir em frente,  com força total.

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Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.