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Arroz com feijão: entenda por que a dupla é uma opção muito nutritiva

Lúcia Helena

11/09/2018 04h00

Crédito: iStock

Se existe algum sabor nesta crise sem fim do país é que o brasileiro, parece, anda retomando o gosto pelo arroz com feijão. Não que a dupla esteja a preço de banana — aliás, nem mais a banana tem o tal preço de banana. E se, engolindo apressando as primeiras linhas do texto, acha o assunto da vez parece simples demais ou velho conhecido seu —assim, diria, meio arroz-com-feijão — saiba que há mistérios, mitos e enganos na união entre o cereal e a leguminosa.

O mistério é a origem do romance daquele que é considerado o mais perfeito dos casamentos à mesa. Uns dirão que os feijões eram iguaria no Egito. Parece que sim. Outros diriam que o nosso feijãozinho veio das Américas. Há ainda quem aponte que ele nem precisou viajar, que já nascia nessa terra em que se plantando tudo dá, mas era solenemente esnobado pelos índios. O arroz, de origem asiática sem a menor sombra de dúvida, desembarcou com os portugueses. Mas o encontro não se deu de imediato.

Muita gente escreve que o arroz ficou no prato dos colonizadores por um bom tempo e o feijão, deixado apenas para os escravos. Esqueça esse capítulo, que pode ser um tanto fantasioso. Eu prefiro confiar no historiador Luís da Câmara Cascudo (1898 —1986) que desvendou a nossa cozinha verde-amarela desde o berço. E ele garantiu que "o feijão, ao lado da farinha de mandioca,  governava o cardápio do Brasil antigo". Aos negros, era servido um caldo ralo com um grãozinho aqui e outro acolá. Aos colonizadores, um caldo grosso e com muitos grãos. Era assim, feijão e farinha dia após dia. Tudo misturado. E, isso sim, explica o encontro com o arroz: a mania tão brasileira da mistura.

Segundo a antropóloga Lívia Barbosa, a mistura é coisa nossa —esse jeitinho de empurrar para o garfo um legume ao lado da carne, de mexer o molho com o purê, o arroz com o ovo ou a carne com tudo mais o que estiver no prato. Nessa mania de misturar, a farinha formava uma bela gororoba com  feijão, até que um dia foi trocada pelo arroz. E o que esse brilhante comensal uniu ninguém nunca mais separou. Ainda bem.

Você certamente já ouviu a história da tal combinação nutricional perfeita. Ela vale para todo tipo de arroz. pois embora o integral seja mais rico em matéria de vitaminas, fibras e minerais, quando se pensa em aminoácidos, as unidades que formam uma proteína, todas as variações do cereal dão na mesma. Já os diversos feijões quase empatam em teor proteico. Ok, o branco ganharia ligeiramente, mas ele não é lá muito consumido por nossas bandas, dominada principalmente pelos tipos preto e carioquinha. Então…  Vamos considerar, na prática, um empate técnico.

O corpo precisa de proteína o tempo tempo. Para renovar cada célula, fabricar hormônios, manter o sistema imune operante e sempre alerta — e vou parar nestes exemplos para não escrever um longo parágrafo de tudo o que, no organismo, carece dessa matéria-prima. Para isso, monta e desmonta no fígado as proteínas fornecidas pelos alimentos —as pecinhas que restam desse desmanche são os aminoácidos, que são recombinados para formar novas moléculas grandalhonas de proteína, conforme a demanda. Mas só as proteínas de alto valor biológico oferecem um sortimento de todos os tipos de aminoácidos essenciais — por "essenciais", entenda, iguarias preciosas, que só podem ser obtidas por meio da alimentação —, transformando-se em uma espécie de pau para toda obra no corpo humano.

Proteínas, de perto, lembram um colar de contas. O feijão até tem um belo teor de proteína, que o organismo sempre aproveita. Só que, em seu "colar", faltam duas contas ou dois aminoácidos. Pelo nome desses dois, eles nem parecem fazer parte de uma comida, ainda mais uma comida gostosa: metionina e cistina. Já o arroz, por injustiça, leva a fama apenas pelo carboidrato que de fato contém aos montes, mas ninguém nunca reconhece que ele também possui proteína, embora em quantidades modestas. E, por sorte grande, carrega em cada grãozinho justamente a dupla que falta ao seu parceiro. Este lhe retribui com lisina, a continha ausente no corrente de aminoácidos do cereal. Assim, os dois ficam, após esse encontro no garfo, com proteínas de alto valor biológico que, em geral, só são encontradas em fontes de origem animal, fazendo inveja a qualquer bife.

Mas a magia desse casamento pode se perder se você fizer bobagem —como eu, confesso, faço o tempo inteiro, ao derramar fartamente a concha de feijão no meu prato. Como em toda reação química, há uma medida certa. E ela, no caso, é assim: duas colheres de sopa de arroz para cada uma colher de sopa de grãos de feijão. Se predomina o feijão no prato, não há metionina e cistina no arroz o suficiente para a química do casal ser perfeita. O caldo? Ele é riquíssimo em vitaminas e sais minerais, aproveite! Mas, nessa história de proteína, leve em conta os grãos principalmente e acertará na fórmula.

No mais, não afaste da dupla do seu dia a dia com a desculpa do regime. Esse é um mito daqueles bem tolos. Sem exagero e na proporção certa de dois para um, estamos falando de um prato que, além de conter fibras, reforça a sensação de saciedade justamente pelo seu time completo de aminoácidos. Proteínas, você deve saber bem disso, saciam. E esse timaço de alto valor biológico, faz a glicose do carboidrato — carboidrato inclusive do próprio arroz com feijão — cair sem a menor pressa na circulação sanguínea, lentidão que é muito saudável. Motivo para superar qualquer crise de consumo e na consciência.

Ah, sim, uma referência:  o meu obrigada à Embrapa Arroz e Feijão por tanta informação sobre a minha dupla preferida.

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Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.