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Mitos sobre câncer de mama que fazem de outubro um inferno em tons de rosa

Lúcia Helena

27/09/2018 04h00

Crédito: iStock

São 31 dias de fitinha cor-de-rosa e ações de todo o tipo. O câncer de mama merece mesmo o estardalhaço. Afinal, é o que mais dizima a vida de mulheres no Brasil e no mundo, fazendo vítimas cada vez mais jovens por diversas razões. Mas o mês da prevenção também vira o inferno dos mastologistas. Não pelas filas para fazer mamografia, já que grande parte da mulherada se lembra que tem peito em outubro e corre atrás do exame. Quem dera fosse essa trabalheira o motivo.

O problema é outro: a quantidade de informação errada ou incompleta divulgada no período de quatro semanas. Daí todos saem apagando o fogo das ideias equivocadas antes que ele se alastre. Algumas delas são divulgadas por pessoas e até mesmo por empresas bem intencionadas que apoiam as mulheres. Mas, sabe como é, de boa intenção…

Vou direto ao que, penso, é o ponto principal: o  bendito autoexame. Chega outubro e é um tal de ensinar o aperta-daqui-e-aperta-também-acolá, no banho, com as mamas ensaboadas para ficar mais fácil, sete dias depois de menstruar para as que ainda menstruam ou em um dia fixo do mês para as demais. Ok, está valendo. Pode fazer isso. Vá em frente. Os mastologistas aprovam o autoexame, mas deixam claro que ele só tem serventia para a mulher conhecer o corpinho que Deus lhe deu e começar a prestar atenção nas mamas doze meses por ano —elas merecem! O autoexame não serve para a detecção precoce do câncer de mama. E ponto.

E, em parte por isso, seis em cada 10 brasileiras só descobrem o tumor mamário quando ele já está avançado. Até mesmo o mais experiente dos médicos, ao palpar as mamas de uma paciente no consultório, não tem condições de notar um tumor recém-nascido. Fique claro: diagnóstico precoce é aquele que flagra lesões não palpáveis, ok?

Nesse mês em que o assunto será esse, só leve a sério quem lhe apontar o caminho certeiro da prevenção. E ele vai levá-la direto ao mamógrafo. A mamografia é o exame que realmente faz esse serviço em prol da mulherada. E deve ser repetida todos os anos para aquelas que já passaram dos 40. Até essa idade, o médico pode pedir um ultrassom ou até mesmo uma ressonância, conforme cada caso. Mas, ainda assim, a bendita mamografia que nos salva sempre pode ser solicitada antes dos 40 se, por exemplo, alguém mais jovem tiver casos de câncer de mama ou de ovários na família ou apresentar qualquer sinal suspeito.

Quando a gente fala em suspeita, as campanhas não valorizam tanto todos os sinais em que devemos prestar atenção. Aviso: nem sempre esse angu tem caroço. Digo, que a gente note. Assim como, se acharem um, nem sempre um caroço é um câncer — calma, respire. Sentiu alguma coisa estranha? Corra ao mastologista, menina, corra. E tire logo a dúvida da frente.

O mesmo vale se perceber uma região da mama bem mais endurecida do que outra. Atenção: beeeem mais. Alguma diferença de textura sempre existe mesmo, porque as glândulas mamárias são mais firmes do que a gordura fofa que as rodeiam.

Mas também não se esqueça que uma vermelhidão esquisita, uma coceira sem fim, uma pele do seio que se torna áspera e com aspecto de casca de laranja ou, ainda, que ficou mais escurecida. Mudanças assim deveriam acender o sinal amarelo. Porque um tumor avançadinho pode invadir o tecido cutâneo e, aí, como isso não é tão alardeado (até é, mas a gente só da bola para o tal caroço), perde-se tempo passando hidratante e tomando remédio para alergia.

Líquido que goteja do bico é outro sinal. Se é vermelho pode ser câncer, assim como pode não ser. Transparente? Idem, às vezes é e às vezes não é. Se for muito escuro, esverdeado, você cairá pra trás, certo? Mas aí não é câncer e, sim, outra sorte de encrenca. Benigna, adianto.

Ah, quando o câncer pega as fibras que sustentam o peito, elas podem se retrair. Então, tudo o que você verá é uma discreta covinha, como se a pele estivesse sendo puxada para dentro — opa, alerta máximo! Aproveito e agradeço: quem me explicou tintim por tintim dos sinais para que eu escrevesse estas linhas foi a mastologista Priscila Vilella, do Hospital Moriah, em São Paulo.

Também fala-se muito nas mamas e não aproveitam o mês pintado de rosa para falar dos ovários. Explico. Alguns genes alterados por trás do câncer de mama também desencadeiam o tumor de ovário. Então, se alguém de sua família sofreu da doença nos ovários — mãe, irmã, avós e tias tanto do lado materno quanto, atenção, do lado paterno —, você, mulher, tem maior risco de câncer tanto de mama quanto de ovário, entende? Parênteses: o tumor de útero não conta nessa história, mas, se querem minha opinião, deveria ser colocado no pacote rosa da prevenção, porque os números do país são de cair o queixo dos gringos (ou seja, vergonhosos perto do restante do planeta).

Voltando, já que comentava sobre os genes,.. Outro mito é o de que só as mulheres mais jovens com caso de câncer na família devem ficar atentas. Bobagem, 20% dos tumores apenas correspondem a essa herança de berço. A maioria dos casos tem a ver com o estilo de vida mesmo. Essa tecla deveria ser muito mais batida no mês que está entrando. Mas não, né? As pessoas pensam na prótese de silicone — que não causa câncer, nem atrapalha a mamografia —, falam do desodorante, têm medo de comer carne vermelha demais (não há provas contundentes sobre relacionando o churrasco com o câncer), culpam tudo o que não tem culpa nesse cartório. Enquanto isso…

Aqueles pneuzinhos pelo corpo são esquecidos e eles são verdadeiras fabriquetas de hormônios. O problema é certos tumores de mama se alimentam justamente desses hormônios e crescem bonito quando há doses generosas oferecidas por nossas banhas — que, de quebra, distribuem substâncias inflamatórias capazes de favorecer o crescimento do câncer, no sentido contrário ao da atividade física, capaz de combater essas inflamações pelo organismo e ajudar na manutenção de um peso saudável.

Portanto, seria um paraíso se, além de lembrar da mamografia, outubro fosse um mês de subir na balança, comer direito e fazer muita  ginástica. Aliás, como não há mágica que desfaça a ameaça do câncer e da obesidade quando a folhinha virar para novembro, todo mês é mês. Assim como todo dia, mulheres, é rosa.

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Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.