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Safra de benefícios da jabuticaba: ela evita Alzheimer e protege o coração

Lúcia Helena

23/10/2018 04h00

Crédito: iStock

Minha xará, Lúcia, escolhia as mais bonitas: "punha-as entre os dentes e tloc! E depois do tloc, uma engolidinha de caldo e pluf! –caroço fora. E tloc, pluf, tloc, pluf, lá passava o dia inteiro na árvore". Assim Monteiro Lobato nos apresenta a menina de apelido Narizinho em seu Sítio do Picapau Amarelo, onde também reinava a jabuticabeira, com seus galhos convidando à escalada.

Aliás, nem verde, nem amarelo, nem vermelho: o Brasil todinho deveria ser cor de jabuticaba, já que ela é só nossa, estampando um roxo querendo ser azul, às vezes rajado de tons de verde ou de vinho. É por trás desse tom que se revela uma quantidade absurda de taninos e outros compostos bioativos. Principalmente, antocianinas — uma barbaridade de antocioaninas. Em uma das pesquisas feitas com a frutinha na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) —digo "uma" porque há exatos 10 anos ela é alvo de estudos por lá — a química Daniela Bortto Terci foi conferir a quantidade de antocianinas na casca. E vou lhe dizer: o resultado apurado é de cair o queixo.

Antocianinas são pigmentos cor de violeta, os mesmos que tingem a casca das uvas escuras e lhe dão toda a fama proteger o coração. Seu principal mecanismo é impedir que o colesterol se deposite nas artérias.

E olha só o ranking:

  1. Jabuticaba, com 314 miligramas das tais antocianinas em cada 100 gramas da fruta.
  2. Amora, com 290 miligramas do pigmento arroxeado na mesma porção.
  3. Uva, justo a mais famosa do trio em matéria e benefícios ao peito, com 214 miligramas em cada 100 gramas. Famosa, mas terceira colocada…

O problema é que não existe uma fartura de trabalhos sobre a nossa jabuticaba —sim, ela é nativa da Mata Atlântica do Brasil. E, apesar de brasileiríssima, a não ser para aqueles sortudos que têm uma jabuticabeira no quintal, ela ainda chega aos supermercados com o preço nas alturas. Em parte porque a produção é relativamente pequena e com duração limitada —de setembro até o finalzinho de ano, começo do outro.

E, na base do tloc, pluf, tloc, pluf, no "pluf" muita gente cospe a casca junto com o caroço. Não que a polpa seja fraca. Ela tem um bocado de fósforo, niacina –que é uma das vitaminas do complexo B –, ferro e sua melhor companheira, a vitamina C, que dá um empurrãozinho no mineral de origem vegetal para entrar no organismo.

No entanto, é na casca mesmo que frutificam boas descobertas. Daí que a dica é, sempre que possível, aproveitá-la em sucos, doces e geleias —com a paciência de arrancar o caroço, que tem o atributo de concentrar taninos, mas que, por isso mesmo, pode travar a língua e ainda deixar um certo amargor no paladar.

As experiências feitas na Unicamp apontaram outros benefícios. Já faz um tempo, por exemplo, precisamente há sete anos, os pesquisadores de lá notaram que ratos obesos que tinham uma dieta bem gordurosa, mas comiam casca de jabuticaba seca diariamente, acabavam excretando mais gordura —se fossem homens, e não ratos, essa quantidade de casca corresponderia a mastigar a de apenas quatro jabuticabas por dia.

Com a combinação, o pH das fezes dos roedores se alterou, tornando-se mais ácido —uma pista que, para os cientistas, indica uma maior proteção das células do fígado à inflamação provocada pelo acúmulo de banha no órgão, quadro conhecido por esteatose hepática. O colesterol ruim também diminuiu, mesmo com os roedores consumindo gordura. Há evidências que, em seres humanos, o consumo regular da casca da jabuticaba também ajudaria a controlar o colesterol.

No achado mais recente, porém, a jabuticaba mexeu com a cabeça. Trata-se do estudo da nutricionista Ângela Giovana Batista, que testou a aptidão da casca arroxeada para proteger a memória e a capacidade de aprendizado. A hipótese da pesquisadora é que a alimentação dos nossos tempos, repleta de fast-food no dia a dia, prejudicaria essas funções.

Por isso, Batista deu aos ratinhos do seu laboratório –de novo, na Unicamp — um cardápio cheio de banha de porco. Mas, naqueles animais que foram suplementados com a casca da jabuticaba misturada com a polpa de outra fruta nossa, o jambo vermelho, foi observado o seguinte: menor acúmulo de massa gorda corporal, menor resistência insulina e —opa! — menor concentração de fatores pró-inflamatórios no sangue. Esse último efeito, em especial, justificaria o que foi notado na região cerebral do hipocampo: com menos substâncias inflamatórias na circulação, ele ficou mais protegido.

Ali, as substâncias da casca da jabuticaba mantiveram íntegra uma proteína chamada tau. Se ela forma emaranhados, que são favorecidos pelo excesso de radicais livres formados no organismo obeso e cheio de inflamações, acaba atrapalhando as conexões entre as células nervosas —e esse é um dos primeiros sinais do Alzheimer. Daí a possibilidade de que a casquinha roxa também afastar essa ameaça ou retardar o seu avanço.

Para os cientistas, os mesmos fenômenos devem acontecer com seres humanos. A boa notícia é que boa parte dos empórios naturalistas do país já comercializa a farinha feita da casca de jabuticaba desidratada. E, assim, é possível colher seus benefícios o ano inteiro, misturando o pó roxo em sucos, vitaminas e até molhos. A vantagem, ou desvantagem, é que não tem gosto algum, portanto não modifica o sabor das receitas. Sem dúvida, uma saída. Só que, na minha opinião, a fórmula mais gostosa de obter os benefícios, mastigando uma casca ou outra, ainda é aquela: tloc, pluf, tloc, pluf. 

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Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.