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A adaptação ao calor é um inferno: rins, coração…o corpo inteiro sofre

Lúcia Helena

17/01/2019 04h00

Crédito: iStock

Este verão, até terminar, deve registrar algumas das maiores temperaturas da nossa acalorada história. Noutro dia, desconfiei: Deus esqueceu o Brasil no forno, só pode! Mas é bom a gente levar mais a sério todo esse clima — em que a desidratação é só o começo dos possíveis quiproquós. 

Afinal, como bem me lembra o clínico geral e infectologista Paulo Olzon, professor da Universidade Federal de São Paulo — a quem recorri para saber se vamos conseguir chegar inteiros ao outono —, não somos como cobras e outros animais cuja temperatura corporal muda conforme o tempo lá fora. Somos homeotérmicos. Em outras palavras, faça chuva, faça sol, nossos órgãos só funcionam em uma temperatura constante, que permite pequeníssimas oscilações ao longo do dia. 

Lá dentro do corpo — não confundir com a temperatura mais externa, aquela que medimos colocando o termômetro embaixo do braço —, acordamos 1 grau Celsius mais frios do que estávamos ao anoitecer. Seu coração, por exemplo, bate bem, obrigado, com uma temperatura de 37 graus às 6 horas da manhã. "Mas, às 6 da tarde, horário em que o organismo, com seus ritmos biológicos, é mais quente, o coração está com 38 graus", me ensinou o professor Olzon.

Não pense que essa é apenas uma curiosidade para contar no botequim. Nas entrelinhas, contém uma dica preciosa. Deduza: se pretende fazer atividade física nesse calorão, qual seria o melhor período? De preferência, sempre manhãzinha, claro, aproveitando o horário de verão. Pois seu corpo gera mais e mais calor ao realizar qualquer movimento e quem deixa para se exercitar quando o sol se põe tem uma leve desvantagem, já que, de largada, o organismo está mais aquecido por natureza. Aliás, evite atividades, especialmente ao ar livre, nos momentos mais quentes do dia — conselho que parece óbvio, mas que nem todos seguem.

Seu fígado, diga-se, faz o que pode para que você fique quieto e adie aquela ida à academia. Resista. Fazer exercício em qualquer estação, com os devidos cuidados, é importante. Só que, ao lado dos músculos, o fígado é outro que gera calor e garante a temperatura do organismo nos dias mais frios, quando toda a operação é no sentido inverso, isto é, de nos manter aquecidos. 

Mas dê uma voltinha no quarteirão sob esse sol inclemente e pense comigo: no inverno, para quem tem o privilégio de vestir um bom casaco, ficar quentinho até que é moleza. Nesse calor, porém, nem tirando toda a roupa e cometendo um atentado ao pudor para se safar! Por isso mesmo, seu fígado e seu sistema nervoso orquestram um verdadeiro movimento a favor da preguiça. 

Dentro de você, modo de dizer, tudo acontece em câmara lenta em um verão desses. Até a digestão. Comer algo mais calórico? Cai pesado. E isso se você tiver muita fome. Faz sentido: a digestão obriga o sangue a se desviar mais para a área central do abdomên e tudo o que seu organismo precisa por esses dias é que ele se concentre na periferia, próximo da pele, dissipando calor (e nos deixando vermelhos em qualquer passeio nas ruas).

Outra estratégia e tanto para mandar o calor embora, você sabe: suar. "Mas, para que esse mecanismo funcione, precisamos fazer a nossa parte", lembra o médico Fernando Costa, diretor de Promoção da Saúde Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia — sim, achei importante procurar alguém que falasse de coisas do coração nesse clima de Saara que vivemos. O coração sofre, sim, nos dias quentes.

Quando o doutor Fernando Costa fala na parte que nos cabe para ajudar o nosso sistema de refrigeração, ele se refere até mesmo em escolher uma roupa adequada. Não adianta o organismo promover uma suadeira danada e você segurar o calor no corpo usando mangas ou tecidos mais pesados. Qual a lógica?

Respirar mais acelerado é outro estrategema do corpo: não somos cachorros, que mandam o calorão embora só pela boca, mas fazemos um pouco isso também. Então, entenda: se ficou esbaforido na caminhada até a padaria, talvez seu corpo tenha superaquecido.

Claro, a dica a seguir é conhecida: beber água. Se caem reles 2% no nível de abastecimento de líquido no organismo, ele já se ressente. O cérebro, inclusive, deixa de raciocinar tão bem e ficamos irritadiços, sem muitas vezes percebermos. Mas… aprendi! Não vale segurar o xixi. Urinar é outra forma de mandar o calorão interno embora.

Beber líquido e ir ao banheiro, beber mais líquido e ir ao banheiro de novo é fundamental. Caso contrário, como o seu corpo tentará reter o pouco líquido existente, os rins concentrarão sais e o risco de dolorosos cálculos aumentará.

Pior: sem água suficiente em um calor desses, nosso sangue se torna mais espesso. Isso não é nada bacana. A maior viscosidade sanguínea favorece os famigerados trombos. Claro, a ameaça de trombose não acontece com todo mundo, mas se eleva na medida em que os termômetros também sobem especialmente para quem é cardiopata ou faz algum tratamento de câncer.

O perigo maior de um ataque cardíaco em dias infernalmente quentes, fique sabendo,  existe — e muita gente nem desconfia porque, afinal, a pressão tende a cair no verão, não é mesmo? Fato. "Existe uma vasodilatação, mas justamente por causa dela  o coração tenta compensar acelerando o seu ritmo", explica Fernando Costa. Então, se o peito já está propenso a problemas e você nem se dava conta…

Uma pitada de sal sob a língua? Nem pensar! Não faz o efeito que as pessoas imaginam e pode até piorar a situação. Repito: a não ser pesssoas com insuficiência cardíaca ou que tenham doenças renais graves e, por causa delas, não possam beber muita água, se a pressão baixar, a melhor saída é correr até o filtro ou o bebedouro.

Vale lembrar que, assim como crianças, pessoas mais velhas penam nesses dias que desafiam os descrentes no aquecimento global — uma gente que, sinceramente, não entendo. E não apenas porque tomam menos líquido — idosos, por exemplo, sentem menos sede. O fato é que todo o mecanismo de adaptação do corpo para manter sua temperatura constante funciona a mil por hora quando temos uns 30 anos, mas na primeira infância ainda está, digamos, em fase de teste e, na terceira idade, começa a perder eficiência.

Magros de qualquer idade, por incrível que pareça, sofrem mais do que gordinhos, apesar desses suarem em bicas, ficarem rubros… A gordura não deixa de ser um isolante térmico e impede, em parte, que o clima externo afete os órgãos lá dentro.

Claro, existem populações que vivem em climas até mais quentes e aguentam bem. Mas seu organismo já se adaptou a altíssimas temperaturas de longa data. Nós, não. E não é de uma primavera para um verão que aprendemos. Muito menos se os dias continuarem cada vez mais pegando fogo.

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Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.