Será que pasta de dente é tudo igual? Pois eu fui atrás da resposta
Lúcia Helena
05/02/2019 04h00
Crédito: iStock
Uma alega ser anticárie, a outra garante aquele hálito de sair por aí beijando. Também existem as que combatem a gengivite e as que juram deixar o sorriso mais branco. Juntam-se às dezenas de caixinhas aquelas que estampam remediar a erosão e evitar o envelhecimento precoce dos dentes. E não podemos nos esquecer das que aliviam a sensibilidade de quem sente dor ao mordiscar algo muito quente ou, ao contrário, bem gelado. A gente agradece tanta oferta, mas… Mas atire a primeira escova de dentes quem, na hora de colocar uma dessas no cesto, já não ignorou isso tudo deixando-se guiar pelo preço, pelo sabor, pela promoção leve-3-e-pague-2 ou pela pressa mesmo. Pois é, só que pasta de dente não é tudo igual.
Sim, existe um creme dental para chamar de seu. E só um dentista seria capaz de indicar com precisão o seu tipo, pessoal e intransferível. Para se atrever a escolher por conta própria, você deve no mínimo saber o que tem na boca e, para isso, aquela consulta periódica também é fundamental, de modo que…
O que me deu um estalo foi a palestra do professor Jaime Aparecido Cury no último CIOSP, o Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo, que aconteceu neste final de semana: "Todos os dentifrícios são iguais?", provocava já no título o professor da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Unicamp, uma das maiores sumidades no estudo da cárie. Já dei o spoiler: a resposta é não. E, como cada sujeito tem a sua boca e, dentro dela, a sua necessidade, como escolher?
Na dúvida, priorize o flúor, especialmente se tem criança em casa, esquecendo para todo o sempre aquele papo de que a pasta delas não precisa ser fluoretada. Precisa — e como precisa! Até porque o esmalte dos dentes-de-leite é mais sujeito à cárie.
É o flúor — e nada além dele — que controla essa doença. Pois todo dia, se a gente se descuida, ela se inicia. E todo dia, se a gente se cuida, o flúor tapa os buracos microscópicos que não, senhores, não são provocados diretamente pelas bactérias Streptococcus mutans, acusadas injustamente como as únicas responsáveis por nossas mazelas no dentista. Elas só fazem estragos quando que levamos açúcar constantemente à boca. Isso porque o produto da comilança dos restos de doces que ficam entre os dentes é ácido. E essa acidez vai saqueando o sorriso, levando minerais dos dentes, que o flúor trata de repor. Mais ou menos isso, em resumo.
A saliva daria conta de neutralizar a área, mas perde todo esse poder quando você belisca algo com açúcar a todo instante ou quando o menino, em vez de lanchar de uma vez, come uma bolacha recheada a cada hora e meia, por exemplo. O creme fluoretado tenta, portanto, reestabelecer o equílibro na boca dessa gente que é formiga de plantão.
Fique de olho nas letras miúdas da caixinha, que revelam quantas partes do mineral existem por milhão de partes (ppm) naquela formulação. E, aviso, não deixe sobre a sua pia nenhum creme ou gel que ofereça menos do que 1 mil ppm de flúor. Isso seria dar uns passos atrás na história, quando o produto espalhado sobre as cerdas servia só para ajudar a deslizá-las durante a escovação. Muita água escoou dessa torneira e os cremes dentais de hoje são acima de tudo veículos para agentes terapêuticos capazes de assegurar uma boa saúde bucal. O flúor é o principal deles.
Ok, olhando pessoa por pessoa, nem todo mundo necessita repor flúor pela escovação: "Só precisa mesmo quem está sempre exposto à cárie, isto é, quem come açúcar mais do que três vezes ao dia", diz o professor Cury. Mas, pensando na população, dificilmente as pessoas ingerem menos, então… Se é para arriscar na escolha, vamos de flúor.
Esse mineral pode entrar de diversas formas químicas nos dentifrícios — fluoreto de sódio, fluereto disso-e-mais-aquilo, monoflúor fosfato de sódio…. E você verá que algumas pastas chegam a ter uma concentração de 1,5 mil ppm da substância. São então melhores? Talvez não. A diferença muitas vezes é para compensar a convivência com o abrasivo. "Quem limpa o dente das bactérias nunca é o creme dental e, sim, a escova. Nessa limpeza, porém, o abrasivo tem uma função cosmética, arrastando as manchas superficiais e dando um polimento", explicou o professor Cury ao blog.
A questão é que, no Brasil, muitos abrasivos têm cálcio e esse cálcio vai inativando o flúor conforme o tempo passa. Portanto, aquele mineral extra está ali para compensar as perdas inevitáveis e não deixar que o produto, ao chegar na sua escova, tenha menos do que os 1 mil ppm preconizados. Usamos abrasivos que levam a essa perda por uma questão de custo, porque fazem o dentifrício ficar de duas a três vezes mais barato.
O flúor por si, porém, não combate a gengivite. Para isso, a formulação deve contar com algum agente antibacteriano, como o fluoreto estanhoso ou o triclosan (banidos de xampus e sabonetes nos Estados Unidos). Cremes com antimicrobianos assim são a opção ideal para manter a limpeza das gengivas feita pelo periodontista para acabar com sangramentos. Os agentes antibacterianos têm outra função: combater o mau hálito. Não se engane, aquele perfume de menta não neutraliza um legítimo bafo de onça.
A pergunta é: faz mal usar um creme que com antimicrobiano sem ter gengivite, nem exalar um mau cheiro? Não há evidências de malefícios, mas no mínimo é um hábito que pesa no bolso, já que esse tipo de creme costuma ser mais caro do que uma pasta simplesmente fluoretada.
", quando se tem crianças em casa e a ideia é comprar uma mesma marca para toda a família, devemos ter bom senso: para que expô-las a outros princípios ativos que, no caso delas, são desnecessários?", indaga o odontopediatra Gabriel Politano, do Ateliê Oral Kids, em São Paulo. Esclarecimento oportuno: não existe pasta de dentes infantil pra valer, ok? Por mais que a caixa tenha bichinhos e o sabor seja de chiclete, a formulação é a mesma de um creme fluoretado simples para adulto.
Já quem vive tomando um cafezinho, fuma e se preocupa com manchas pode apelar para os cremes dentais que prometem um sorriso mais branco — mas sem grandes expectativas. Cremes clareadores só tiram os pontos escurecidos que se formam muito na superfície e, em alguns indivíduos, seus princípios ativos multiplicam o risco de sensibilidade.
Por falar nisso, as pastas que prometem alívio imediato aos dentes sensíveis têm substâncias que, como minúsculas rolhas, fecham os poros formados no esmalte. Esses furinhos dão acesso à dentina, camada inervada logo abaixo. O efeito, claro, é temporário — até a escovação seguinte ou a surpresa dolorosa ao morder um picolé. Melhor do que aliviar é agir sobre o que cria esses furos invisíveis a olho nu —a erosão dentária.
Procurei o professor Paulo Vinícius Soares, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que há mais de dez anos criou um grupo para pesquisar o problema, foco de seu pós-doutorado na Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. "As lesões no esmalte causadas pela erosão dentária já são mais frequentes do que a própria cárie", assegura ao blog. "Há uma epidemia de envelhecimento precoce dos dentes e, entre os mais de 1,2 mil pacientes com erosão dentária que já atendi na UFU, encontrei pessoas de 30 anos com uma dentição que, antes, só víamos em gente de uns 60."
O flúor, por si, não basta para interromper o processo que, na prática, feito a cárie, esburaca todo o esmalte. É necessário lançar mão de remineralizadores mais potentes como o fluoreto estanhoso e o fluoreto de amina recém-chegado ao Brasil.
Os cremes dentais com substâncias para combater a erosão são muito indicados para quem toma sucos cítricos ou refrigerantes quase todo santo dia, vive ansioso e apertando os dentes sem se dar conta, sofre de refluxo e de outros problemas gástricos, fez cirurgia bariátrica e pratica esporte, especialmente profissional. Toda essa turma é forte candidata a ter um sorriso envelhecido antes da hora e , mesmo que não tenha cárie, pode chegar aos 80 banguela por causa da erosão. Isto é, se não apelar para o creme dental certeirto para interromper o processo..
Dica final: seja qual for o tipo, cuspa o creme dental, mas nunca enxague o que restar de sua espuma na boca. Ora, não vale investir em potencial terapêutico se você joga tudo, com a água, pelo ralo.
Sobre o autor
Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.
Sobre o blog
Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.