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Sabe quem sempre desmaia rapidinho e do nada? Conheça o reflexo vaso vagal

Lúcia Helena

07/02/2019 04h00

Crédito: iStock

Uma leve tontura é o aviso prévio. A visão também pode ficar um pouco turva.  Às vezes, porém, o corpo dá mais bandeira: perde a cor e sua frio, enquanto o estômago embrulha. Mas, antes de atinar que algo errado está acontecendo, a cena já costuma chegar ao ápice: ploft, a pessoa desmaia. 

Fica desmaiada, fica desmaiada, fica desmaiad…e acorda feito uma Bela Adormecida! Geralmente passando bem, obrigada,  enquanto a plateia ao seu redor é que está morrendo de susto. Uma característica marcante do reflexo vaso vagal, que difere a situação de outras que podem levar à perda dos sentidos, é esta: o indivíduo não fica muito tempo apagado. "Em segundos, recupera a consciência", me explicou o cardiologista Marcelo Katz, que atua há 15 anos no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, onde também desenvolve pesquisas na área de Cardiologia Comportamental.

Ou seja, quando a criatura permanece desacordada por mais tempo, provavelmente não é reflexo vaso vagal —  algo que, diga-se, não é doença e, sim, uma condição benigna, multifatorial, que está por trás de mais de metade dos desmaios e que acomete mais mulheres do que homens, todos em geral jovens. Sim, jovens. Pode aparecer em crianças? Raríssimo. Pode se manifestar em adolescentes? Com relativa frequência, sim. Mas costuma ser um problema de adultos com menos de 40 anos.

Nessas pessoas, o nervo vago na cabeça e outras estruturas do sistema nervoso autônomo responsáveis pelo controle da pressão arterial não funcionam direito, vez ou outra. Isto é, não ajustam os batimentos cardíacos ou a dilatação dos vasos conforme a necessidade do momento. 

Se as artérias periféricas se dilatam em vez de se contraírem em um lugar quente e abafado, por exemplo, o fluxo do sangue perde a força para vencer a gravidade e subir à cabeça. Idem, se a frequência cardíaca cai. E é isso: o reflexo vaso vagal pode provocar tanto um relaxamento exagerado e momentâneo dos vasos quanto a queda da frequência cardíaca ou até essas duas reações ao mesmo tempo. E, seja como for, todos esses caminhos levam à queda brusca da pressão, deixando o cérebro a ver navios. Aí, sem ser irrigado como exige, ele apela: reduz o nível de consciência e o tônus muscular do corpo inteiro, que vira uma geleia. A pessoa simplesmente desmorona.

Saída inteligente: ora, se o corpo está deitado na marra por conta do desmaio, o sangue nem se esforça para chegar à cabeça. Daí, reabastecido depois de apagar a consciência, o cérebro volta às suas funções de boa. Final feliz. Quer dizer… "Apesar de ser uma condição benigna, uma crise de desmaio dessas pode não terminar nada bem se a pessoa cair de qualquer jeito e se machucar, bater a cabeça no chão ou se estiver dirigindo", exemplifica o doutor Marcelo Katz ao blog.

Por isso, uma das primeiras medidas é ensinar quem tem esse reflexo a se proteger, reconhecendo o brevíssimo mal-estar que anuncia um desmaio para, se ele estiver em pé, procurar imediatamente se sentar. Ou, se estiver sentado, tentar se deitar. Tem de agir ligeiro, ciente de que poderá se apagar num zás-trás.

Para isso, óbvio, o sujeito precisa saber que tem o tal reflexo vaso vagal. É sempre a partir de um bom diálogo na consulta  — o tão importante exame de anamnese — que o médico desconfia do problema. Logo no começo dessa conversa, ele precisa descobrir se, instantes antes de desmaiar, a pessoa sentiu a tal da tontura ou uma náusea, por exemplo. "Desmaios provocados por doenças como a arritmia cardíaca não têm esses sinais prévios", diz ao blog o doutor Marcelo Katz. A duração-relâmpago da perda de sentidos é outra marca, embora nenhum bom profissional vá descartar exames para excluir doenças cardiovasculares e neurológicas por segurança.

Agora, o teste que dá o veredicto certeiro de um  reflexo vaso vagal é o do tilt  — no inglês, seria "inclinar". O paciente, inteiro monitorado,  é colocado em uma maca, preso com tiras para não despencar de lá. Afinal, ela será suspensa e inclinada a uns 70 ou 80 graus para que os médicos vejam no que vai dar. Mais do que acusar o reflexo vaso vagal, esse exame mostra os mecanismos por trás do desmaio, se  têm a ver com uma dilatação dos vasos ou com a queda da frequência cardíaca que, em alguns casos, chega a cair a tal ponto de o coração fazer uma ínfima pausa, ou seja, ele pode parar por um instante.

Uma curiosidade: enquando inclina, a maca do teste de tilt nunca deixa que os pés do paciente encostem no solo. Isso porque, na planta dos pés, temos receptores que o tempo todo informam ao cérebro: "hey, procure segurar as pontas porque estamos de pé". Seu corpo não é besta: não quer correr o risco de ficar tombando por aí. Sem que tenham contato com o piso, porém, esses receptores perdem o parâmetro e não conseguem  mais dizer se você está de pé, deitado ou o que for. Sabe o popular tirar o chão de uma pessoa? É isso. E o cérebro, então, se entrega à tontura depressa.

Segundo  o doutor Marcelo Katz, o primeiro passo do tratamento é explicar para o indivíduo que, sim, ele terá de conviver com essa condição. Isso implica não apenas em ficar esperto com aqueles primeiros sinais de que está para desmaiar como observar quais fatores, pela sua experiência, desencadeiam com maior frequência o tal reflexo em seu organismo.

A ansiedade e o estresse dão seu empurrãozinho e, se estiverem muito fora do controle, vale cogitar saídas, como uma terapia. O calor também aumenta a predisposição. O jejum, idem. Existem pessoas que perdem os sentidos quando vomitam ou até mesmo quando têm uma bela crise de tosse, porque as vias nervosas, nesses quadros, esbarram no tal nervo vago. Aliás, existe gente que acaba desarcordada quando faz um xixi prolongado e, nem tão raro, há quem despenque desmaiado no banheiro ao fazer muita força para o… número 2!

Em matéria de atitude no dia a dia, deve-se tomar muita, muita  água  — sabe quando a gente ingere tanto líquido que a urina sai clarinha, quase transparente? "Essa hidratação bem caprichada ajuda a evitar quedas de pressão", explica Marcelo Katz. Para os que se adaptam a elas, as meias elásticas podem ajudar também. !Quando favorecem o retorno do sangue dos membros inferiores, no fundo acabam dando um impulso ao alto para toda a circulação e, assim, o sangue termina alcançando a cabeça com maior facilidade.

Pelo mesmo motivo, fazer exercícios é importante, especialmente para fortalecer a musculatura das pernas, em especial a das coxas e as panturrilhas. Se está tonificada, tudo flui melhor — sangue ao alto! — e o risco de desmaiar à toa diminuiu.

Finalmente, segundo o nosso cardiologista, há dois caminhos de tratamento sendo muito estudados. Um deles não parece ser lá dos mais eficientes — é o dos medicamentos. Ora, não há remédio que aja diretamente no reflexo vaso vagal. Estamos falando aqui de medicações, por exemplo, para colocar a pressão arterial em ordem. Mesmo assim…

Outra estratégia — e esta já reúne boas evidências — é procurar um fisioterapeuta para fazer uma reabilitação. Ela inclui exercícios  que podem tomar um tempo, como ficar meia hora ou até mesmo uma hora em pé com o corpo grudado na parede. Ou aprender manobras mais simples, como a prensa de mão. Aliás, uma dica a quem sente tontura por queda de pressão: prensar com firmeza as mãos, mantendo-as em garra na altura do peito com toda a força. Ajuda. Mas, por segurança, faça isso sentado. Lembre-se que viver com reflexo vaso vagal é ficar caindo de maduro. Uma marcada de bobeira  e… ploft.

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Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.