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Suplementos de proteína: os músculos só agradecem se você faz a coisa certa

Lúcia Helena

11/06/2019 04h00

Crédito: iStock

Até parece que a colher vai mergulhar ali, escavar no pó e encontrar um bíceps novo em folha. Na segunda medida, quem sabe, um tríceps, desses de fazer a gente perder o medo de dar um tchauzinho na rua. Bateu tudo com água no copo e bebeu sem fazer cara feia? Então merece  um abdômen trincado por engolir soro de leite como quem toma um milkshake

Quem dera fosse fácil assim…  Essa é a fantasia de muitos que olham para uma fileira cada vez maior de potes cheios de suplementos de proteína. E ela cresce tanto quanto o número de consumidores. O mercado de suplementação proteica ganha mais tônus a cada ano que passa e, em 2018, cresceu 12%, segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Produtos Nutricionais, a Abenutri.

Antes vistos como parte da receita  de um esportista pra valer, aos poucos esses suplementos caíram no gosto de quem frequenta a academia sem ambições tão atléticas. E até mesmo de quem quer emagrecer e, num abracadabra, trocar a massa gorda pela magra. Mas aviso: não há proteína em pó nem em barra que, por si só, faça essa mágica. Especialmente se ingerida sem um pingo de orientação.

De acordo com a classificação da Anvisa, esse tipo de suplemento é destinado para atletas. Se a gente pensar na necessidade, é justo: um esportista precisa se abastecer com 1,8 a 2 gramas de proteína por cada quilo do seu peso, todo dia, só para manter aquele físico. E, olha, ninguém está falando de um halterofilista, que nas mesmas 24 horas deve ingerir perto de 3 gramas de proteína por quilo do corpão sarado. 

Para gente como a gente, porém, que sua a camisa fazendo um exercício moderado, de 1,2 a 1,5 grama de proteína diariamente bastaria para o músculo se sair bem nos treinos. Para quem nem se mexe a esse ponto, 1 grama de proteína  já dá e sobra. Portanto, para que suplementar, não é mesmo?

No entanto, disparei para a nutricionista Tânia Rodrigues a pergunta: faz mal usar suplemento se não sou atleta? "Não, desde que ele seja usado da maneira correta. Pode ser interessante para quem consome proteína aquém da sua necessidade, por seguir uma dieta vegetariana ou por ter uma dificuldade para digerir carnes", exemplifica. "Ou até mesmo para quem está em processo de emagrecimento e não vem ingerindo uma quantidade  suficiente para a síntese de hormônios, para a pele, para a formação de todos os tecidos do corpo, inclusive para manter os músculos", diz.

Sendo uma das mais conceituadas nutricionistas esportivas brasileiras e há muito tempo ministrando cursos pelo país inteiro, Tânia Rodrigues, também sócia-diretora da RG Nutri, em São Paulo, entende do tema como poucos. Confesso: recentemente, eu me infiltrei em uma de suas aulas. Foi durante um simpósio sobre suplementos do International Life Sciences Institutes, o Ilsi Brasil. E o assunto era este: na minha livre tradução, como lançar mão das proteínas em pó e afins do jeito certo. 

A fórmula começa reduzindo a porção das expectativas: "Não adianta depositar o desejo de ganhar músculo nos potes de suplementos", avisa, de cara, Tânia. Na falta de exercício, nada feito. É preciso machucar as fibras dos músculos por meio da atividade física para que elas peçam socorro, isto é, peçam proteínas para reparos, formando novas camadas e, resultado, hipertrofiando. Ninguém fica firme tomando shake proteico como se fosse água de coco, só se balançando na rede. É dura a vida…

A escolha do produto adequado também conta. Afinal, existem vários tipos de suplementos nas prateleiras.  Você encontra a famosa whey protein, que vem do soro do leite. Vem também do leite a caseína, outra opção bastante interessante. É possível, ainda, achar a albumina extraída do ovo, talvez a mais antiga e mais acessível de todas as suplementações proteicas para incrementar a massa muscular. E cresce a onda das proteínas da ervilha e do arroz, que agradam aos veganos e, sim, podem funcionar. 

Para finalizar o rol, não podemos esquecer dos suplementos à base de soja.  Homem pode consumi-los? É a dúvida que Tânia Rodrigues sempre escuta no consultório. "Nos últimos 20 anos, a soja é usada para amenizar os sintomas da menopausa e isso reforçou, no imaginário das pessoas, a ideia de que é um suplemento para mulheres. Engano.", diz.  

Talvez você, nessa lista, sinta a falta do suplemento de proteína da carne, que anda em voga. Esqueça. Risque-o sem dó. "Na prática, não existe bife em pó com sabor de chocolate", esclarece Tânia. Mas esses produtos se vendem quase assim, feito picanha com gostinho de baunilha. Parecem cortes nobres em versão pote, mas não têm sua origem no filé, nem na fatia da picanha. São extraídos de fiapos de carne grudados na carcaça restante do animal. 

Se fossem seus dentes raspando aquele ossinho da bisteca, me ensinou Tânia, tudo bem: ali, naquela carninha, tem proteína de ótima qualidade. Mas o processamento necessário para arrancar esse fiapo do osso não é como seus dentes. Ele acaba com a qualidade das benditas proteínas. Então, olho vivo: nesses suplementos, você tem apenas uns 10% de proteína hidrolisada de carne bovina e o resto é uma porção de outros ingredientes para compensar as perdas, como gelatina de montão. Talvez a mistura final até alcance um bom perfil de aminoácidos. Pode ser, mas…

Um dos grandes critérios de escolha de um especialista, porém, é mesmo a velocidade. E aí, diante da whey, não tem para ninguém: Tânia exibe estudos mostrando que, em 20 minutos, ela já passou pela veia hepática e pela femural. Está, então, à disposição dos músculos.

A rapidez é bem-vinda. A musculatura, uma vez que se cansa, fica um tanto ansiosa para se recuperar. E faz isso nas primeiras duas horas após o treino — embora possa complementar o serviço por mais umas quatro, olhe lá. Portanto, se você quer mesmo ganhar músculo ou firmar o corpo que Deus lhe deu,  a chance é esta: nas duas horas seguintes ao exercício, sendo o pico da recuperação muscular por volta dos 60 minutos

"Se, em vez de suplemento, a pessoa preferir a alimentação convencional, dependendo do que houver no prato — se mais fibra ou gordura —, o tempo para esse nutriente ser absorvido vai demorar um pouco mais ou um pouco menos.  Mas, em geral, leva umas duas horas", calcula Tânia.  Essa proteína, então, perderá o bonde dos músculos.

Segundo a nutricionista, mesmo quando o indivíduo privilegia boas fontes proteicas, em algumas situações o suplemento será desejável, justamente para ninguém perder o timing. Ora, timing nessa história é tudo. Quando alguém treina depois do expediente, mas ainda vai pegar um belo trânsito para chegar em casa e jantar, é o caso. Por melhor que seja a proteína da refeição, ela chegará na circulação tarde demais. O mesmo raciocínio vale para quem treina no meio da manhã ou da tarde.

Fornecer proteína na hora certa é garantir a tal recuperação. "Se o músculo se recupera mais rápido, eu treino melhor depois", diz Tânia Rodrigues. Ou seja, inicia-se um ciclo virtuoso. O suplemento proteico, afinal, não fornece só matéria-prima para restaurar aquelas lesões nas fibras musculares, diminuindo as dores do esforço no dia seguinte. Alguns aminoácidos, como a leucina, agem em sinergia com a insulina, ajudando toda a musculatura a absorver carboidrato e a recuperar seus estoques de glicogênio, o seu açúcar de reserva. Resultado: menos fadiga também.

Tudo isso dá uma força para uma atividade física bem feita — leia-se, uma força à saúde —, o que vale tanto quanto qualquer resultado estético. Que certamente virá, se você derramar mais suor em vez de só engolir fantasia. E se deixar de fazer tudo na hora errada.

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Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.