Topo

Ao olhar o cardápio, você escolhe que bactérias vai alimentar no intestino

Lúcia Helena

13/06/2019 04h00

Crédito: iStock

Enquanto você decide se vai de hambúrguer com fritas ou peixe com legumes e, talvez, já antecipe o que vai comer na sobremesa, saiba: trilhões de bactérias esperam ansiosas por essa refeição. Não quaisquer bactérias, mas aquelas que colonizam a porção mais baixa do seu intestino e que hoje estão cada vez mais associadas à saúde e à doença — bem, a escolha é sua! No fundo, tudo é uma questão de cardápio. Ou melhor, das opções que você servirá para suas hóspedes. 

Elas se alimentam de tudo que chega onde vivem— no cólon — sem ainda ter sido completamente digerido. Mas o que lhes agrada mais ao paladar? Essa deveria ser a nossa pergunta ao examinar o menu — em vez de ficar olhando apenas o próprio umbigo guloso,  quem sabe mirar um pouco abaixo dele. 

Afinal, sua pedida pode nutrir bactérias que protegem suas células do câncer, mantém o bom humor, dão força para o sistema imune… Ou ser um banquete para aquelas que estão por trás de tumores, doenças neurodenegerativas, problemas cardiovasculares, alergias, males digestivos, depressão e obesidade, para citar alguns exemplos.  

A julgar pelo Congresso Brasileiro de Pre, Pro e Simbióticos, o PreProSim, que acontece dentro do Ganepão 2019 e vai até amanhã em São Paulo, a microbiota intestinal está envolvida com o que nos acontece da cabeça aos pés. E muito do que a gente sempre ouve na linha de alimentos que fazem bem ou que não fazem tão bem na prática significa: alimentos que conquistam bactérias boas e que conquistam bactérias não tão boas pelo estômago. Isto é, se bactéria tivesse estômago. A que bactérias você gostaria de servir um almoço de bandeja?

Foi nesse evento, ontem mesmo, que procurei a nutricionista americana Laura Matarese com uma legítima dúvida de cardápio: o que as bactérias, digamos, mais desejáveis gostam de comer? Atualmente professora da East Carolina University, nos Estados Unidos, ela já foi diretora de nutrição da Cleveland Clinic Foundation e contribui para o governo americano na criação de políticas públicas no campo da nutrição. De quebra, é uma das melhores pessoas para responder essa pergunta, porque faz um bom tempo que investiga  o que acontece com os alimentos quando alcançam o intestino.

A professora começa com uma explicação bem simples, dessas para a gente nunca mais esquecer: "Comidas que têm grande biodisponibilidade, isto é, que seu organismo absorve e usa com tremenda facilidade costumam engordar o anfitrião ao mesmo tempo em que matam de fome as bactérias boas. Tudo o que tem bastante açúcar se enquadraria aí", diz ela. "Já comidas que dão mais trabalho à digestão e que, mesmo com esse esforço, não são completamente digeridas costumam manter quem hospeda magro e os hóspedes intestinais ligados à saúde mais bem alimentados."  Nessa linha de raciocínio, temos outro argumento para evitar os ultra-processados.

Quando a turma bacteriana que nos protege está bem nutrida, ela prospera. Brigando por espaço, mantém sob controle bactérias capazes de nos causar encrencas. As doenças sempre seriam resultado de um desequilíbrio entre essas duas populações, ou disbiose, nas palavras dos profissionais de saúde. 

Mais do que manter o equilíbrio, o tipo de alimento que colocamos no prato afeta a quantidade e a qualidade das moléculas que as bactérias intestinais produzem. E elas produzem um montão delas, que agem ali mesmo no intestino ou caem na circulação para viajar pelo corpo — literalmente para o bem ou para o mal.

Vamos então dar aquela olhada no cardápio: fibras, por exemplo, são de longe o que mais as bactérias ditas do bem gostam de devorar. Faz sentido: 100% das fibras não são digeridas por nós. No cólon, nossas hóspedes tratam de fermentá-las e, desse processo, surgem ácidos graxos de cadeia curta e palavrões difíceis de memorizar, como butirato, acetato, propionato. Acredite: são, entre outras coisas, antiinflamatórios de primeira linha e, de cara, protegem o próprio intestino de doenças.

"Também vale consumir chá, café, chocolate amargo, cereais, frutas e tudo o que tenha polifenois", recomenda Laura Matarese. Pois é, descobri que só digerimos uns 5% dos benditos polifenois que a gente vive dizendo que fazem maravilhas. Fazem mesmo, mas boa parte deles age indiretamente. Ora, os tais 95% não digeridos alimentam a parcela boazinha da microbiota gerando mais moléculas — mais palavrões, dos quais vou poupá-lo — que são antioxidantes potentes e dão força ao sistema imune. De quebra, inibem tumores.

Merece destaque, ainda, a soja com suas isoflavonas, substâncias conhecidas por mimetizarem o hormônio feminino. Pois bem: as bactérias intestinais, segundo Laura Matarese, as transformam em anti-inflamatórios. E assim fechamos a lista dos favoritos de quem eu, pelo menos, gostaria de alimentar.

Na folha oposta desse menu estão alimentos excessivamente açucarados e todas as gorduras. No caso, porque uma molécula qualquer de gordura — seja a da manteiga ou a da margarina, a do torresmo ou a do azeite — exige bile para ser quebrada no intestino em partículas pequenas o suficiente para atravessarem suas paredes. Aí é que está: "se há muita comida gordurosa para a digestão dar conta, a secreção de bile aumenta demais e alguns sais biliares sobrando são utilizados pelas bactérias", ensina a professora Laura. "O subproduto, desta vez, são substâncias inflamatórias hoje muito associadas ao câncer de intestino, entre outros". Talvez esse seja o elo por que alimentos excessivamente gordurosos estão relacionados com tumores nesse órgão.  

Aí vem o dado mais curioso: a própria Laura Matarese diz ter se espantado no dia em que viu que de 20% a 40% das proteínas que comemos não são completamente digeridas e absorvidas na área do delgado, a parte mais alta do intestino. Ao descerem e seguirem a rota de saída, as bactérias fermentam essas sobras proteicas e, daí, não surgem substâncias tão bacanas. A amônia é uma delas, já que induz a proliferação de células — o que pode ser o estopim de muito câncer — e  inflamações pelo corpo. Acho que merece eu lembrar que toda doença tem uma inflamação por trás, não apenas as infecciosas como muita gente pensa.

O que me chamou a atenção foi a colina, aminoácido muito presente nos ovos. As bactérias a transformam em trimetilamina, substância que é oxidada no fígado e, a partir daí, vai para o banco dos réus dos causadores de aterosclerose. Estremeci: lá vamos nós condenar os ovos de novo? E justo pela colina, aminoácido que ganhou fama comprovada de proteger o cérebro da degeneração?!  Ao me ver intrigada, Laura Matarese disse: "sim, a colina protege o sistema nervoso. O problema é que bactérias não tão boas devoram o que não é absorvido."  Desse ponto de vista, o aminoácido tem dupla-face. 

Mas a cientista americana não recomenda que você deixe de ingerir proteínas de origem animal, incluindo ovos com a sua colina. "O que todos precisam saber: quando colocam carne, frango ou, de novo, ovos no prato, a porção de fibras precisa ser bem maior. Não sabemos precisar quanto. Mas  bom senso é lembrar que o equilíbrio das bactérias intestinais só é mantido quando as proteínas são consumidas em porções menores, em uma mesmíssima refeição com fartura de fibras", ensina. Portanto, no cardápio aquele bife só poderia ter um acompanhamento: salada.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Ao olhar o cardápio, você escolhe que bactérias vai alimentar no intestino - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.