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O "lado Z” da carne: o zinco é fundamental para suportarmos várias doenças

Lúcia Helena

30/07/2019 04h00

Crédito: iStock

Ele é o segundo mineral mais presente no organismo humano, ficando atrás do ferro. E, no entanto, se você juntar todo o zinco de um adulto para colocar na balança, o ponteiro vai marcar só uns 2,3 gramas, algo capaz de encher, quando muito, a metade de uma colher de chá. Boa parte está guardada na musculatura esquelética. Mas se faltar um nadica de zinco no líquido seminal dos moços, onde se encontra de 0,08 a 0,2 miligrama do mineral, os espermatozoides já penam para sobreviver. E muita gente não consegue nem sequer ter essa quantidade minúscula dando sopa, porque não engole doses suficientes para distribuir esse micro-nutriente por todos os órgãos e os tecidos. 

As fontes à mesa também não ajudam. Ora, ostras e mariscos, no topo do ranking com seus 75 miligramas do mineral em cada porção de 100 gramas, não são exatamente uma opção no nosso dia a dia, vamos combinar? E as vice-campeãs em zinco, com cerca de 5 miligramas por 100 gramas, são as carnes vermelhas, que andam ficando cada vez mais raras no cardápio. Ok, tem a história da gordura saturada de cada bife, a ameaça ambiental de cada pum da vaca — não quero polemizar, só preciso dizer que, em matéria de zinco, isso nos deixa em uma sinuca de bico. 

O mineral é essencial para mais de 500 reações enzimáticas pelo corpo e faz parte da estrutura de 10% das nossas proteínas, algumas delas essenciais para que tudo em nós funcione direito. São o que os fisiologistas chamam de sinalizadoras. Se não tem carne, caçamos zinco com o quê?  Não teime! Pode me citar a lista do supermercado do cabo ao rabo e verá que temos um tiquinho irrisório de zinco ali, outro tantinho tímido acolá. Precisaríamos nos entupir de calorias, o que faria um mal danado — comendo punhados e punhados de amendoim, por exemplo — para dar conta do recado se não temos um bife todo santo dia no prato. 

Uma mulher adulta precisa de 8 miligramas de zinco por dia, enquanto o organismo do homem pede 11 miligramas diários. E olha que esses são os valores para gente saudável. Em uma série de enfermidades, a necessidade do mineral pode subir  para 40 miligramas diariamente, dependendo da avaliação médica — em casos de diabetes, depressão, doenças hepáticas… Diria que a vida fica pior quando estamos doentes e bem pior quando estamos doentes e sem zinco disponível.

Por isso, me chamou a atenção uma revisão que saiu neste mês na Clinical Nutrition, respeitada publicação científica no universo da nutrição. O artigo, que aponta a influência do zinco em uma série de condições de saúde, é assinado por três pesquisadores — um deles da Universidade de Lisboa, em Portugal, outro da City University em Nova York, nos Estados Unidos, e o terceiro, o nutricionista Heitor Oliveira Santos, da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. Claro que não perdi tempo para conversar com o cientista mineiro, querendo entender o tamanho da falta que o zinco faz.

Heitor Santos, primeiro, estudou o que a literatura científica tinha de informação a respeito  de suplementos de zinco em pacientes com hipogonadismo, a queda do hormônio masculino testosterona.  Ele menciona experiências em que homens jovens e saudáveis foram submetidos a uma dieta com baixa oferta do micro-nutriente— menos de metade do ideal. Após oito semanas nesse esquema, os níveis de testosterona dos rapazes caíram dramaticamente.

"Na contrapartida, naqueles homens com deficiência do zinco obtido pela dieta, a suplementação melhora tanto a produção hormonal quanto os parâmetros do espermograma", conta o pesquisador de Minas. Sinal de efeito contra a infertilidade — mas, atenção, longe de significar que consumir suplementos do mineral, por interferir na testosterona,  resultaria em um bíceps de Schwarzenegger na juventude. Não há qualquer evidência científica nesse sentido.

A suplementação também é importante para quem sofre de doenças do fígado.  E aqui a gente tem de lembrar de uma boa ação que o zinco faz como poucos: ele é um tremendo antioxidante, integrando as enzimas que o corpo produz naturalmente para dar cabo dos radicais livres. E essas moléculas nocivas se formam aos borbotões no fígado adoentado, especialmente em casos de alcoolismo. Ninguém aqui está dizendo que beber demais e consumir zinco termina  em um zero a zero para o fígado. "Doses elevadas de zinco são apenas um coadjuvante e podem retardar o aparecimento de uma cirrose", explica Heitor Santos. Retardar, veja bem…

Na depressão, embora existam trabalhos sugerindo que o mineral em doses mais altas inibiria alguns sintomas, o que a revisão da literatura científica feita por Santos e seus colegas aponta é uma diminuição da inflamação na massa cinzenta. "Pessoas deprimidas têm uma maior produção de substâncias inflamatórias no cérebro, que pioram o quadro e ainda as deixam com risco de desenvolver doenças neurodegenerativas, como demências", explica Santos. "O que o zinco faz é uma espécie de faxina nessas substâncias dentro da massa cinzenta."  Para ele, os médicos deveriam cogitar a suplementação lado a lado com remédios antidepressivos.

A interferência do mineral no diabetes tipo 2, por sua vez,  não é surpresa: já se sabia que o zinco melhora a ação da insulina. É como se esse hormônio tocasse a campainha das células para abrirem a porta para a glicose que está no sangue. E, se há zinco por perto, essa campainha é disparada com mais força, agilizando a entrada doaçúcar. Sem contar o tal efeito antioxidante que, no diabetes,  é bem-vindo dos pés à cabeça.

Já no tratamento do câncer, justamente por isso,  Santos e os outros autores recomendam cautela. Faz sentido. A quimioterapia gera uma montanha de radicais livres para agredir o que, no caso, é o inimigo — o tumor. E ninguém vai querer engolir algo que atrapalhe esse serviço, neutralizando os radicais. "No entanto, quando os quimioterápicos são interrompidos,  o zinco ajuda na recuperação dos pacientes, inclusive atuando ao lado de proteínas para reconstruir a massa muscular abalada pela doença", diz ele.

A pitada de controvérsia fica por conta do coração. Alguns estudos revisados pelo trio de cientistas apontam que a suplementação em doses altíssimas — no caso, de 58 miligramas, em média — corta em até 7% as taxas do HDL, o colesterol bom. Outros trabalhos, porém, mostram uma redução no colesterol total quando a suplementação é mais suave, mal interferindo na quantidade da versão boa da gordura. "Tudo leva a crer que o zinco é feito o cafezinho, que protege o peito até certo ponto e passa a atrapalhar quando consumido em exagero", compara. E ainda existem outros benefícios cardiovasculares, como a capacidade de provocar uma ligeira diminuição da pressão.

Por tudo ser tão sensível, fica clara a importância de dosar o zinco no plasma sanguíneo de vez em quando, especialmente em crianças: "ele é fundamental para o crescimento, mas a meninada nem sempre come carne vermelha o bastante", diz Heitor Santos. Assim como o exame é importante para  idosos, até por conta de o mineral fazer parte dos glóbulos brancos e ser peça central nas táticas de defesa do sistema imune.

"Para os mais velhos,  o zinco dá uma contribuição extra, atuando diretamente nas papilas gustativas e melhorando o paladar, o que pode ajudar em questões de falta de apetite", lembra Santos.  Aliás, um efeito desejável em muitas enfermidades também. Em tese, a suplementação é só para casos de carência. Mas eis a dura realidade moderna: ela é comum para quem, cheio de bons motivos,  sempre recusa um churrasco, um picadinho ou um filé. É o "lado Z" da história. Afinal, quem come ostra aí?

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Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.