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Correr contra o câncer de próstata: exercícios previnem e combatem a doença

Lúcia Helena

28/11/2019 04h00

Crédito: iStock

Há quatro anos, sempre que chega o Novembro Azul, o oncologista clínico Fernando Sabino inventa de participar de mais uma prova de endurance. Só que detalhe: enquanto treina para conquistar a medalha, deixa um farto bigode crescer. Afinal, o bigode é um dos símbolos da campanha para conscientizar os homens sobre o câncer de próstata. 

Neste novembro, mal cruzou a linha de chegada do IronMan 70.3 SP, na capital paulista, e os colegas começaram a brincar  nas redes sociais: "e aí, já raspou o bigode?".  A esposa, conta Sabino, se pudesse o esperaria com uma lâmina de barbear. Mas o médico, triatleta e maratonista — depois de ter completado três maratonas, 22 meia-maratonas, duas provas de ironman e nove de meio-ironman, ufa! —quer mais é passar o seu recado. Na verdade, dois recados em um.

O primeiro, abrangente, é para que os homens aprendam a correr ao médico com as próprias pernas. "A gente sabe que a cada dez homens que aparecem em um consultório para fazer exames de rotina, sete deles foram arrastados ali por uma mulher, seja a parceira, a esposa, a filha ou a irmã", conta o dado do Instituto Lado a Lado pela Vida, do qual é consultor. Foi esse instituto, aliás, que criou a campanha do Novembro Azul no país.

O segundo recado é para que os homens corram pra valer. Digo, literalmente. Ou, vá lá, se não quiserem calçar o tênis de corrida, como Sabino faz todas as manhãs, às 5 horas, antes de ir trabalhar no Centro de Oncologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, que façam então qualquer outro tipo de exercício. Pois somam-se evidências de que mexer o corpo todo dia ajuda a prevenir a doença e melhora o prognóstico de quem enfrenta um tumor nessa glândula. 

"Os efeitos colaterais durante o tratamento também diminuem de maneira considerável quando o homem pratica uma atividade física", diz ele. Isso é notado especialmente se o tipo de tumor exige que o paciente seja submetido a uma supressão do hormônio testosterona, que alimentaria as células malignas. 

Acontece que fatalmente o resto corpo sofrerá consequências de matar o tumor de fome, cortando o seu abastecimento hormonal. Uma das ações indesejadas é o ganho de peso, com a gordura insistindo em se acumular bem na barriga. O colesterol também cresce na corrente sanguínea. Fácil entender que o exercício físico vai contra essa maré, ajudando a controlar a gordura no sangue e a emagrecer ou, ao menos, a manter o peso. 

"A recomendação é de 30 minutos de atividade física regular, isto é, todo dia mesmo, sem intervalo", diz Sabino. Por enquanto,  ninguém  sabe dizer se seria melhor praticar alguma modalidade aeróbica mais intensa, como a própria corrida, pedalar ou nadar, por exemplo. Ou se seria igualmente benéfico fazer um exercício de força, como a musculação, quem sabe até um pilates. Uma coisa é certa: o recado, tanto para quem se trata quanto para quem quer mandar o risco desse mal para longe, é se mexer.

Os benefícios, no sentido de oferecer alguma proteção contra o câncer, são mais sentidos nos homens mais velhos, acima dos 60. Estudo da universidade americana Harvard aponta que, entre os sexagenários fisicamente ativos — ou seja, entre aqueles que caminhavam em um ritmo bem mais vigoroso do que o de uma ida à padaria, percorrendo entre 6 a 9 quilômetros por semana —,  essa redução do risco foi bárbara, de 10% a 30%. Não é pouca coisa.

Ainda em Harvard, no Health Professionals Follow-up Study, os pesquisadores compararam 1.400 homens nos primeiros estágios de um câncer de próstata. Aqueles que, novamente, caminhavam com vigor pelo menos durante três horas por semana mostraram uma probabilidade 57% menor de a doença avançar ligeiro do que aqueles que ou caminhavam menos ou davam suas passadas em ritmo lento. De acordo com o mesmíssimo estudo, nos pacientes com tumores um pouco mais avançados, mas ainda localizados, o risco de morrer por causa da doença caiu 61% entre os que se engajaram em um programa de exercícios intensos por três horas semanais, no mínimo.

Vale, aqui, eu fazer referência ao trabalho de um brasileiro, o professor Daniel Galvão, codiretor do Instituto de Pesquisa em Medicina do Exercício Edith Cowan, na Austrália, onde foca suas investigações nos efeitos da malhação sobre os tumores malignos. Suas pesquisas contrariam a ideia de que o câncer pede cama. Ele e seus colegas observaram 57 homens com a doença na próstata tão avançada que já tinha até invadido os ossos. Mas todos os que participaram de treinos supervisionados, envolvendo práticas aeróbicas e alongamentos, demonstraram uma boa melhora nas condições de saúde em geral.

Perguntei ao doutor Fernando Sabino como a Medicina poderia explicar tudo isso — da ação preventiva ao melhor prognóstico de quem já tem a doença. "Bem, a própria Medicina ainda está fazendo suas perguntas…", ouvi. "Mas há uma série de hipóteses. O fato de o exercício rotineiro afastar a obesidade é uma delas." De fato, os tumores de próstata são cada vez mais relacionados ao excesso de peso, capaz um tal estado inflamatório no organismo que é muito pouco favorável à glândula masculina.

Se o treino for bem dosado — porque, em exagero, faria o contrário, hein… — , ele diminui a produção de radicais livres, moléculas por trás de danos no DNA capazes de levar ao surgimento de um tumor. Os tais radicais, em excesso, também atrapalhariam o chamado sistema de reparo. "São mecanismos de segurança do nosso corpo, encarregados de vigiar e destruir células doentes", define Sabino.

Nesse ponto, o exercício faz mais do que combater os radicais: ele diminui o cortisol, hormônio do estresse,  que só atrapalha o serviço dos sentinelas de olho no câncer.  Reduz também o colesterol, além de regular e melhorar a ação da insulina.Todo esse conjunto de alterações deixa o corpo mais esperto para flagrar — e destruir — uma célula maligna. Ou manter um tumor já existente sob um controle mais rígido.

Um ponto importante, no caso de quem está em tratamento, é a liberação de endorfinas e de outras substâncias que promovem o bem-estar. Claro que isso baixa a bola do nervosismo diante de um câncer. De quebra, o próprio fortalecimento muscular e o da função respiratória  aliviam a fadiga gerada pelo arsenal terapêutico contra tumor — e não existe na farmácia qualquer droga capaz de combatar esse efeito colateral, o do sujeito se sentir derrubado pelas drogas. "Enfim, não faltam motivos para os homens fazerem exercício em prol da próstata de novembro a novembro", resume o doutor Fernando Sabino. Só me esqueci de perguntar se ele ainda está de bigode.

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Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.