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Sol à vista: o que pode estar por trás de olhos que não suportam a luz

Lúcia Helena

20/02/2020 04h00

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Tem gente que enxerga o mundo como se o sol estivesse brilhando a um palmo dos seus olhos. As pupilas logo se encolhem, como de costume quando a claridade é forte, estreitando a entrada para os raios luminosos. Assim, quem sabe, elas barrem a passagem de parte deles para dentro do globo ocular… Mas não precisa muito e, portanto, mesmo que fiquem feito uma cabecinha de alfinete, parece impossível tolerar a luz do dia. Ou, às vezes, até a luz artificial. 

Daí vem uma segunda estratégia. Os músculos ao redor das órbitas se contraem, apertam os olhos e chegam a franzir a testa com tanto esforço que a tensão quase dói. É preciso ter coragem para voluntariamente destravar as pálpebras e receber o golpe da luz. E, se você cometer essa ousadia , elas desobedecem o comando depois de instantes — que clarão insuportável! —, ficando bem fechadas de novo. É sempre assim com quem tem sensibilidade à luminosidade, a popular fotofobia.

Apesar de não ser agradável a ideia de mal manter os olhos abertos para ir até a esquina, não se pode dizer que essa condição seja problema por si só, muito menos doença. Aliás, ao contrário, curiosamente em alguns casos a fotofobia pode ser solução, evitando situações muito piores. Em outros, ela é uma espécie de reação, sintoma de algo errado.

A encrenca pode nem estar nos olhos. Você talvez se espante com a quantidade de males que provocam fotofobia. A enxaqueca é um deles — aliás, não encarar a claridade é comum em vários tipos de dor de cabeça. A mesma aversão aparece em diversos quadros infecciosos. A toxoplasmose é um deles, já que o parasita Toxoplasma gondii pode inflamar a retina.

Doenças reumatomlógicas, como a artrite reumatoide, quando não fazem arder as juntas de cara, têm como um dos primeiros sinais a sensibilidade à iluminação. Para dar só mais um exemplo, tem ainda o bacilo de Koch, causador da tuberculose, que também pode se instalar no globo ocular e aí…

No entanto, na maioria das vezes, a causa está nos olhos mesmo. "A fotofobia pode aparecer até em bebezinhos que sofrem de glaucoma congênito", explica o oftalmologista Newton Kara José Júnior, que é professor livre docente da Universidade de São Paulo e secretário geral do Conselho Brasileiro de Oftalmologia. "É claro que essa é uma doença relativamente rara. Bem mais frequente são as infecções oculares, que levam a essa mesma reação", ele me diz ao telefone. Sinto dizer: não há o que fazer com a fotofobia em si. O que deve ser tratada é a infecção por trás dela.

Segundo o médico, a córnea arranhada ou machucada por um trauma qualquer — um cisco, que inventou de pousar bem em cima dela, por exemplo — também reclama da luminosidade enquanto não se regenera. "Quando é assim, a sensibilidade costuma ser monocular, isto é, em apenas um dos olhos", observa o professor Kara José Jr. Ora, seria mesmo muito azar arranhar o par de uma só vez. Já se a causa da sensibilidade extrema é o excesso de sol, nenhum dos dois olhos escapa.

As pessoas não fazem ideia, mas os raios ultravioleta — que entre nós, brasileiros, incidem com tudo de janeiro a janeiro  — castigam demais a córnea, nossa lente ocular mais externa. Do mesmo modo como a pele pode sair vermelha e ardendo após ser exposta ao sol por horas na areia, na piscina ou no parque, a córnea fica irritada com esse tipo de abuso, como se ela também ficasse queimada. Então, durante um ou dois dias, o tempo necessário para essa irritação acalmar, os olhos ficarão avessos à luminosidade.

"A irritação na córnea costuma ser pior na praia, se por acaso a pessoa prefere instalar sua cadeira perto do mar. Isso porque a água reflete os raios ultravioleta potencializando sua ação", conta Kara José Jr. "Aliás, o mesmo vale para a neve, que não temos por aqui. Tanto que, para esquiar, é obrigatório usar óculos especiais e escuros", lembra.

Segundo o médico, existem casos, porém, em que a sensibilidade é até maior à noite, quando o sol se põe. Estranho? "'É quando, por exemplo, os faróis de um carro na direção oposta à sua dão aquela impressão de cegá-lo e faz você fechar as pálpebras imediatamente". Nem preciso dizer que isso causa acidentes.  "E, na verdade, esse é um dos sintomas da catarata", ouvi do médico, sem esconder minha surpresa. 

Explico por que me espantei: a catarata é uma doença em que o cristalino, a lente interna dos olhos, vai se tornando cada vez mais opaco, a ponto de mal e mal deixar a luz atravessá-lo. A pessoa precisar operar, trocando-o por uma lente artificial transparente, para conseguir escapar da sensação de viver em sombras. Então, não é esquisito que, apesar dessa verdadeira barreira interna à luz, surja toda essa sensibilidade?

"Acontece que o cristalino nunca vai se tornando opaco por igual", responde o professor, tirando a minha dúvida. "Justamente por essa opacidade não ser uniforme, a luz só consegue atravessar os pontos dessa lente que ainda estão translúcidos. Então, ela difrata, como costumamos dizer. Isto é, seus raios são desviados dentro do próprio globo ocular". Ou seja, grosseiramente explicando, é como se o farol do carro vindo  em sua direção surgisse de todos os lados — aí me diga, como suportar? 

Vale sempre procurar o oftalmologista. Só esse médico poderá distinguir a fotofobia causada por um problema desses daquela que é meramente fisiológica. Em pessoas com olhos claros, principalmente, a fotofobia é um mecanismo de proteção natural. Os pigmentos azuis e esverdeados absorvem menos luz do que os dos tons mais escuros, de maneira que ela alcança com maior facilidade a área nobre que fica no fundo do globo ocular, a retina. E aí é que está: a retina sofre quando é exposta dia após dia a muita radiação. 

"Portanto, quem não tolera a luminosidade acaba protegendo-a ou porque evita lugares onde há muito sol ou porque usa óculos escuros com frequência", observa o professor. Segundo ele, danos na retina são mais encontrados em quem não apresenta a tal fotofobia fisiológica. "Assim como o sol do dia a dia, sem você usar protetor, pode levar ao câncer de pele, o que notamos é que o excesso de exposição aos seus raios cobra um preço alto para os olhos quando o indivíduo completa os seus 70, 80 anos. Os danos acumulados na retina causam perdas irreversíveis na capacidade de enxergar", comenta.

Mas os óculos escuros aos quais o professor se refere precisam ter uma excelente proteção contra os raios ultravioleta B e A. Lentes escuras compradas sem qualquer garantia nem certificação fazem um estrago danado. Aliás, no caso de lentes fajutas, quanto mais escuras, pior. Primeiro esclarecimento: a cor nada tem a ver com a proteção. As mais escuras não protegem mais do que as claras, mas acabam sendo as mais confortáveis para alguém com fotofobia.

Para proteger a retina e o cristalino, porém, o que faz diferença são filtros completamente invisíveis  que, aplicados, bloqueiam a radiação em lentes de qualquer tom. Sem eles, perigo. Ora, por trás dos óculos de sol, na ilusão de estar no escurinho, lá se vai a fotofobia e seus olhos finalmente arregalam. A pupila, então, relaxa. Só que aí mesmo, com a passagem escancarada, é que a radiação nociva entra de boa. Portanto, mais grave do que o incômodo da fotofobia é cair na tentação, por causa dela, de esconder o olhar atrás de lentes ordinárias.

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Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.